O tempo vai
correndo e mais uma semana termina sem que a pandemia dê a trégua que todos
desejam. Esta que hoje termina deixa, certamente, sabor diferente das
antecedentes pelo clima nostálgico que imprimiu, aqui nas bandas do nordeste.
Junho vai acabando e levando, sem festejos, um tempo irrecuperável dos
tradicionais folguedos em homenagens aos santos Antônio, João e Pedro. A crise
sanitária impediu que acendêssemos nossas fogueiras, espocássemos nossos fogos
e soltássemos nossos balões como dantes sempre fizemos.
Se não
festejamos devido ao cansativo e necessário afastamento social imposto pela
Covid-19, restaram-nos as lembranças dos tempos passados e, nessas circunstancias,
a oportunidade de avaliarmos e melhor valorizarmos algo cultural que imaginávamos
nunca cessar. Coisas da vida e da história que segue.
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Viva São João - Nordeste |
Sempre fui
muito ligado às tradições culturais e fiz questão de comemorar ao tempo e a
cada hora. Carnaval, páscoa, natal e os festejos juninos. Estes com direito às
manifestações tradicionais trazidas pelos portugueses e adaptadas aos trópicos com
fogueiras, danças da quadrilha e comidas da época. Acrescidas com o passar dos
tempos de xaxados, baião e forrós. Coisa que trago da infância e do seio familiar.
Lembro que a cozinha da minha casa, na véspera do dia de São João, era invadida
pela cor e o aroma das reluzentes
espigas de milho tiradas das palhas e transformadas em cangicas (curau da
região sudeste), pamonhas, cozidos simplesmente e do inesquecível bolo de milho
verde, receita de família, que compunham a mesa das noites de folguedos. Ainda sou capaz de sentir a
sensação e os aromas desses sabores produzidos sob a batuta da minha mãe. Outra
coisa inesquecível era a antecipada compra de fogos, providenciada pelo meu pai
e mantido, num grande pacote, por dias, sobre o guarda-roupa no quarto dele e
da minha mãe. Era um clima de verdadeiro frisson para mim e meus irmãos que admirávamos
curiosos aquele volume de onde sairiam luzes e “explosões” na grande noite. Naturalmente
que uma fogueira, precisamente diante da porta de entrada da casa, era acessa às
6 da noite para dar sorte e animar a todos. Belas noites juninas que foram se
perdendo, como fumaças das lenhas queimadas, com a transformação do Recife na Metrópole de hoje.
Com o avanço
do progresso, na cidade grande, fomos tangidos para o interior e é por lá que tentamos
repetir as noites do passado. Mas, nem isto neste ano de pandemia. O mundo
parou e se fez silêncio nas noites de junho deste ano. O Nordeste mergulhou num
retiro inesperado e sem precedentes. Não houve fogueiras nem fogos. Ninguém
dançou a tradicional quadrilha. Tempo estranho.
Tomando uma taça de vinho,
esses dias, pus-me a lembrar de que, no passado, fui um exímio mestre de
quadrilhas. Gritei (era assim que se denominava o comando da dança) muitas
dessas. Houve um ano em que fui mobilizado para gritar seis quadrilhas, entre
os dias 13 (Santo Antônio) e 28 (São Pedro). Terminei sem voz por dias porque a
coisa era na base do grito, mesmo. Não havia as facilidades de equipamentos de
som como nos dias de hoje. Éramos felizes e nunca imaginamos viver um tempo de
pandemia, sem fogueira e sem balões. Sem chuveiro de prata, sem “peidos-de-veia”
e “bichas-de-rodeio”. Sem estrelinhas. E
sem busca-pé! Lembrei ainda que, anos recentes, comemorei os períodos juninos
nos nossos interiores: com a família em Fazenda Nova, Bonito e no meu tranquilo refúgio
de Gravatá.
A exceção foi, há dois anos, que tive a curiosidade de conhecer de
perto as famosas festas de São João no norte de Portugal. Fui com minha família.
Por incrível que pareça, ao contrário do Brasil, os festejos portugueses é
quase um carnaval. Escolhemos a cidade de Braga que se enfeita de modo feérico
num verdadeiro festival de luzes e cores. Bandas de rock se espalham pela
cidade num festival de músicas internacionais, inclusive muitos sucessos brasileiros.
Desfiles de grupos, inclusive um de bonecos gigantes! Lembrei-me de Olinda! As
pessoas se entregam a noitadas de vinhos, sardinhas na brasa e goles de licor
de ginja. A ginja é uma frutinha típica similar a uma cereja. Muito popular em
Portugal. E tem bacalhau, claro. Tem também uma grande queima de fogos, a meia-noite, que se
assemelha a uma noite de réveillon. Sinceramente, sai surpreso. Não diria haver sido uma experiência boa. Mas,
valeu já que sou da opinião de que na vida há de se conferir de tudo e aproveitar.
Fazendo uma comparação, ainda
prefiro nosso estilo.
Na verdade, apesar das inovações que se observam nas
danças modernas de quadrilha, com uniformizadas fantasias, mantivemos boa parte
da tradicional cultura. E Viva São João. Ainda que num ambiente nostálgico.
NOTA: Foto colhida no Google Imagens e do Arquivo pessoal.