domingo, 27 de novembro de 2022

Deu o PIX

“Ôpa, doutor, tomei conta do seu carro! Descole aí um trocado pr´ajudar no leite das crianças”. Foi o que escutei do flanelinha diante da Farmácia, onde estacionei meu veículo e fiz uma compra. Avenida de grande movimento, aqui no Recife. “Tá ruim rapaz... estou sem trocados para te ajudar”, respondi apressado. “Ôxe, doutor, ninguém mais tem trocados, não. Por isso, eu já tenho Pix! Dinheiro trocado sumiu e, se não me cuidar, vou morrer de fome”. Voltei-me surpreso e perguntei qual a chave do Pix: CPF, CNPJ ou Celular? Sei lá... As coisas andam tão “organizadas” que surpresas podem rolar. O flanelinha não teve dúvidas e me passou um número de celular. “É seu número?” Perguntei curioso porque afinal... “Não senhor. Este número é do meu primo. Ele vai recebendo os trocados e depois me paga”. Meio duvidando perguntei qual o valor mínimo para fazer minha contribuição. Que jeito... A resposta foi imediata: “ôxe, doutor, pode ser até de Um Real. O senhor que sabe...” O mais curioso é que foram dois casos seguidos da falta de dinheiro trocado. Na Farmácia a mocinha do caixa rejeitou minha cédula de Cem Reais, por falta de troco. Pediu que o pagamento fosse realizado com cartão de crédito ou com Pix. Triste de mim se não fosse um portador dessas modernidades. Fiz um Pix na Farmácia, outro para o flanelinha, acionei meu carro e voltei dando “tratos à bola” para assimilar aqueles episódios. Sobretudo o segundo. Chegando ao sagrado recôndito do meu lar fui catar por onde andava um cofrinho plástico no qual, há anos, venho depositando moedas que recebo de trocos ao longo de muitas ocasiões. Modo de não abandonar por qualquer lado. Pesado de moedas – tem um formato de um botijão de gás de cozinha – abarrotado até a fresta de inserção dos depósitos, segurei-o como quem segura e admira algo raro e precioso. O que fazer com aquela “fortuna”? Pensativo e, sem duvidas, maravilhado com a “velocidade do andor na procissão”, acalmei minha alma e comecei a pensar no que fazer com essas raridades? Distribuo aos pedintes ou flanelinhas desprovidos de Pix? Troco por mercadorias numa farmácia? Num supermercado? Uma coleção de moedas antigas? Este é o meu dilema.
Enfim e pelo visto, antevejo que, do modo como as coisas avançam, como a moeda nacional se desvaloriza e a tecnologia da informática caminha veloz, muito em breve, serei cobrado em criptomoedas, nas farmácias e pelos flanelinhas. Que assusta, assusta. O cidadão comum e o brasileiro, particularmente, não estão preparados. Conheço muitos que ainda reagem e detestam a Internet, o telefone móvel e a automação das atividades mais banais. NOTA: Foto ilustrativa obtida no Google Imagens.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Garantia de Qualidade

Quem me conhece mais de próximo deve observar minha paixão por vinhos. É minha bebida predileta. Sobre vinhos embarco num bom sabor, numa aroma embriagante e numa história contagiante. Toda bebida tem, por trás do prazer de degustá-la, uma descrição da sua origem e a maneira como se produz. Com o vinho, além de ser rica no seu gênesis, envolve episódios sempre empolgantes e, algumas vezes, palpitantes. Já li muita coisa sobre o tema e já fiz questão de ir conferir in loco vários desses contos. Lembro-me de belas visitas a vinícolas na Europa, Chile, Argentina, Austrália, sul do Brasil e África do Sul todas com histórias formidáveis a serem lembradas. Contudo, nada me rendeu tanto prazer e acentuada dose de orgulho nas oportunidades em que visitei – nas condições de executivo de Governo ou turista – as vinícolas do Vale do São Francisco, entre os estados de Pernambuco e Bahia. Desconfiado a principio, acostumei-me ver brotando do solo árido da Caatinga nordestina as mais seletas das uvas, muitas das quais transformadas em vinhos finos, vinhos espumantes e sucos naturais de uva. Tenho, portanto, especiais motivos para falar sobre isto, neste post de hoje. O Polo Vitivinícola do Vale do São Francisco - muitas vezes lembrada como sendo a California Brasileira - que reúne uma quase dezena de vinícolas daquela região ocupa uma área de mais de 10 mil hectares localizados nos municípios pernambucanos de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista e dos baianos Casa Nova e Curaçá. Dali, fantástico registrar, sai 99% da uva de mesa exportada pelo Brasil. Outro detalhe que sempre me apraz mencionar é o fato de que o polo de produção se destaca por ser o único do mundo que consegue colher duas safras por ano. Ocasionalmente pode ocorrer até duas e meia. A história conta que tudo começou por volta dos anos 60 quando, numa decidida vontade governamental, fortes investimentos promoveram a implantação de perímetros de irrigação aproveitando as águas do rio. Dali para frente, e o que hoje se desfruta, foi uma sequência ininterrupta de passos â direção do progresso. O vinho despontou logo cedo com as uvas plantadas nas terras da Fazenda Milano e sua Vinícola Vale do São Francisco, produtora da consagrada marca Boticelli. A partir daquele ponto, a produção de vinhos se espalhou pela região sempre de modo animador. O carro-chefe da produção são os espumantes (3 milhões de litros/ano), seguidos dos chamados vinhos tranquilos (1,5 milhão de litros/ano) que podem ser consumidos a qualquer tempo e devido às características de vinhos jovens, aromáticos, frutados e com gosto do sol do nordeste. Meu entusiasmo hoje se dá em decorrência de uma histórica etapa vencida pelos produtores dessa região vitivinícola que foi a recente conquista da primeira Indicação Geográfica de Vinhos Tropicais do Planeta. Concedido pelo Instituto da Propriedade Industrial (INPI), em 1º de Novembro recente, é motivo de imenso orgulho não somente para o Vale, mas também para o Brasil por se tratar da primeira região tropical do mundo a receber tal indicação. Foi um processo demandado, a cerca de 20 anos, pelo Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf), instituição privada, sem fins lucrativos que reúne produtores viticultores e vitivinícolas da região. Os referenciais que deram suporte à concessão são equivalentes aos adotados pela União Europeia, o que confere padrão de segurança e qualidade na produção regional. A previsão é que os primeiros vinhos com a Indicação de Procedência (IP) estarão no mercado a partir de 2023, depois de passarem pelas análises exigidas e pelas sessões de avaliação sensorial às cegas, etapas fundamentais para que o vinho possa receber o selo.Garantia de Qualidade, portanto. (Vide imagem do selo lá em baixo) Vamos ficar de olho nas marcas: Bianchetti, VSB, Miolo/Terranova, Garziera, Boticelli, Cereus Mandacaru, São Braz e Rio Sol.
A proposito do assunto, conversei com o empresário José Gualberto de Freitas Almeida (Boticelli), Presidente da Vinhovasf e da Valexport que manifestou seu júbilo e destacou que “este é um momento histórico e muito esperado pelos vitivinicultores da região, em especial aqueles estabelecidos no Vale do Submédio São Francisco.” Lembrou, também, que organismos como a EMBRAPA, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) desenvolveram papeis relevantes no processo de conquista do IP em questão.
A feliz conquista dessa IP de agora aponta para um novo tempo de progresso para o Vale Vitivinícola do São Francisco, bem como poderá exercer forte atração a novos investidores nacionais e estrangeiros. Bons tempos estão por vir. Brindemos com um espumante nordestino! NOTAS: Fotos obtidas no Blog de Ana Claudia Thorpe e no Google Imagens. A imagem do selo foi antecipada pela Vinhovasf.

domingo, 13 de novembro de 2022

Rouxinol Encantado

Decorria o ano de 1973. Uma inquietação coletiva dominava a sociedade brasileira, oprimida pela dureza da ditadura militar, que se mostrava cada vez mais sufocante. Sem dúvidas, foi uma época na qual vivi momentos dos mais agitados da minha juventude. Passei o ano inteiro e alguns meses seguintes vivendo em São Paulo, enquanto cursava uma pós-graduação de Economia, na USP, foco destacado de movimentos politico-culturais dos mais vibrantes da vida brasileira. Para lá corriam as mais brilhantes cabeças pensantes do país que se juntavam às lá nascidas para expressivos gritos de liberdade e protestos ao regime militar reinante, prestes a completar seus dez anos de vigência. Decidido a viver a vida e buscando a cura para uma rebordosa afetiva entreguei-me, de corpo e alma, ao desvario da paulicéa. Foi paixão a primeira vista que, aliás, alimento até hoje. Se o movimento politico dinâmico-estressante era tônico, resistente e sempre presente, o mesmo – sem a variável estressante – era de se registrar quanto a desenvoltura cultural daquela metrópole. Bom... havia uma mescla de tudo que um estudante nordestino precisava para viver uma rotina sonhada e muito desejada. Além de tudo parecer novo, era fascinante. A meu ver, outro Brasil. Menos provinciano e mais futurista. Um lugar onde tudo acontecia e determinava os rumos nacionais. Foi um tempo, por exemplo, em que eclodiam nomes cujos propósitos eram de reescrever a nova musica popular brasileira. São doces recordações em momentos de “choque” como os vividos na semana finda, com a repentina “promoção” à eternidade da musa da Tropicália dos anos 70, a notável Gal Costa.
É sobre Gal que dedico este post semanal. Maria da Graça Penna Burgos Costa, nasceu em Salvador (BA) em 26.09.1945. Desde jovem descobriu seu caminho de cantora e resultou num dos mais estrondosos sucessos da música nacional e internacional. Sua presença num palco era pura adrenalina. Essa “promoção” à eternidade deixa o mundo artístico mais pobre e carente de explicações sobre essa infausta ocorrência. Por que tão cedo...? Sem tempo para se despedir, Gracinha partiu e provocou um vazio somente preenchido ao fazermos rodar seus sucessos gravados nos diferentes aparatos eletrônicos do mundo moderno. Minha escolha foi, a proposito, pelos velhos LPs da vida de antanho. Neste momento de lamento, lembro-me agora da minha primeira visão do furacão Gal, naquele 1973, quando corri para assistir ao show de lançamento do seu revolucionário álbum Índia num teatro paulista. Não recordo qual, exatamente. Plateia lotada, ingressos disputados e oferecidos por cambistas na entrada. Consegui um bom local e pude assistir quase no gargarejo. A estrela entra e abala o público. A canção tema era a velha e muito explorada por nossos avós. Quem não conhecia de antes (pouco provável) passou a solfejá-la dia e noite a partir dali. “Índia teus cabelos nos ombros caídos/ negros como a noite que não tem luar...” Gal começou num tom baixo e quase murmurante. Na repetição da execução, subiu uma ou duas oitavas (dobro da frequência da voz) e atacou com sua possante garganta. Na poltrona, onde alojado, senti certo tremor e fiquei esperando um desafino. Puro engano... o que assisti foi algo que me levava a crer ser impossível. Não era um ser humano a cantar. Era uma voz cortante e vibrante. Aliviado com o sucesso, fechei os olhos e pensei ouvir um rouxinol cantando. Coisa admirável. Inesquecível. Desde então aprendi a ouví-la potente e capaz de fazer mágicas sonoras sem “parea”, como se diz no meu nordeste, acreditando ter fôlego e desenvoltura. Se a voz era aquele deslumbre irretocável o mise-en-scene exibido era outro ponto de destaque. Jovem e cheia e vida, Gal, aos 28 aninhos de vida, se esbaldava na plástica que ostentava. Trajando modelo audacioso e resumido, a baiana mostrava o que é que a baiana tem, de uma vez por todas. Ela capitalizava o que um corpo feminino tem de mais ousado e fascinante. Suada, ao fim do show, a testa era uma cascata umedecendo a vasta cabeleira encaracolada que, inutilmente, tentava esconder os mamilos entumecidos da musa, sintonizada eroticamente com um público em êxtase. Haja competência... Na saída do teatro comprei uma fita cassete, com as musicas da exibição, e voltei para casa ouvindo no toca-fitas do meu fuscão. Lembro que a fita ficou sendo rebobinada incontáveis vezes e aquela noite ficou gravada na minha memória, para, sem planejar, relatar nesta postagem de hoje. Detalhe: a capa do álbum Índia foi motivo de rolo com a censura da ditadura, devido ao apelo erótico da foto. O LP e o cassete eram vendidos com uma capa extra e o comprador só a retirava depois de adquirido. Fuxico grosso, à época. Vide a foto a seguir.
Gal Costa me proporcionou outros maravilhosos momentos quando assisti suas apresentações talvez mais vibrantes, dada a maturidade da mulher e da voz. Uma ocasião foi no Rio de Janeiro (Teatro dos Quatro – Shopping Gávea – 198...), oportunidade em que o vozeirão explodiu em Festa no Interior e Brasil, Mostra Tua Cara. No Recife, onde ela se apresentava com frequência, vi Gal no Teatro do Parque, numa das edições do Projeto Seis e Meia, final dos anos ´70. Além dessas musicas mais celebradas e cheias de movimentos, Gal nos presenteou com paginas musicais que marcam minha memoria de admirador da musa. Entre essas me lembro de três bem especiais: Chuva de Prata (Ed Wilson e Rinaldo Bastos) Um Dia de Domingo (gravada com Tim Maia) e Nada Mais (versão da musica Lately de Stevie Wonder). Agora, como manda a natureza, nosso Rouxinol se Encantou. Resta sua obra e sua memoria. A Internet nos ajuda com esta memoria. Clique, por exemplo, em: https://www.letras.mus.br Lá você vai buscar As quinze melhores músicas de Gal Costa, musa da Tropicália- Letras. NOTA: Foto ilustrativa colhida no Google Imagens e arquivo particular.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Passagem Árdua

Passados oito dias das eleições gerais, sobretudo para presidência da republica, volto a ativar meu papel de blogueiro para tecer poucos comentários a respeito da passagem árdua que se travou no passado recente. Indiscutivelmente, pode ter sido a eleição mais disputada que já se travou no Brasil. Pelo menos no meu simples conhecimento. Verdade se diga que, de modo absoluto, nunca havia sido registrado uma disputa tão acirrada entre as correntes rotuladas de esquerdistas e direitistas e de modo tão intenso. Num clima de democracia reinante e em tempos de sociedade cibernética abriu-se uma intensa disputa eivada de desacatos, insubordinações, depreciações pessoais brutais resultando numa divisão social como nunca antes verificada. Acrescente-se ainda que, além de uma Nação dividida e perplexa, foi flagrante e preocupante a disputa institucional nas bases administrativas da República numa luta desenfreada pelo domínio do Poder. Resumo da ópera: uma intensa guerra de narrativas contraditórias desunindo o que parecia impossível desunir, numa sociedade exaurida e saturada de tanto desandar. Uma coisa, porém, é certa e jamais será negado: foi uma prova de fogo para uma democracia ainda carente de amadurecimento. Aos que me seguem e me conhecem tenho um argumento que diz bem das minhas posições politicas: não vejo, de fato, uma verdadeira divisão entre esquerdistas e direitistas. Ao invés disso volto a enxergar a indecente e renitente luta pelo poder e por defender interesses pessoais de uma velha oligarquia – desde tempos imperiais – que tratam de garantir a acumulação da riqueza em poucas mãos e que, disfarçadamente, trata de preservar a manutenção de uma sociedade cuja base da pirâmide social é composta de pobres, “pobres de marré, marré”, que inutilmente alimentam, numa eleição como a da semana passada, o sonho de vencer na vida. Vide ilustração a seguir. Naturalmente, que os oligarcas que me refiro sequer se enquadram no alto dessa pirâmide. A esses o Imposto de Renda não aperta e suas riquezas estão bem guardadas nos bancos suiços.
Eventuais defensores dos pobres que assumem ou assumiram o Poder têm sido facilmente contaminados pela ganância da riqueza e esquecem as promessas feitas aos pobres patrícios nas enganadoras campanhas. Corruptos e mercenários se alternam no poder e nunca resolvem as deficiências sociais endêmicas e gritantes espalhados pelo “gigante pela própria natureza”. Não alimento esperanças para os próximos quatro anos. Com eles já experimento amargas lembranças nos mais distintos níveis. Pobre Brasil! NOTA: Ilustração colhida no Google Imagens.

Lição para não Esquecer

Durante a semana passada acompanhei com interesse de quem viveu a historia, as manifestações que relembraram o golpe militar de 1964. Com um...