segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Sociedade Cambeta

O titulo pode ser um exagero, mas, vai este mesmo. Os mais jovens talvez nunca tenham visto ou ouvido falar do termo cambeta. Poderão entender se, porventura, deem-se ao trabalho de ler esta postagem até o final. Vamos lá. Faz bem pouco tempo que nos surpreendemos com o vandalismo cometido por ladrões inescrupulosos contra o Parque das Esculturas, no Marco Zero do Recife, onde o artista-escultor, pernambucano, Francisco Brennand deixou uma das suas mais importantes obras, saudando a chegada do século 21. Roubaram inúmeras partes ou peças inteiras daquela monumental coleção, um orgulho para todo Pernambuco, que terminaram derretidas nas pequenas e clandestinas fundições que existem nas redondezas do Grande Recife. Uma lástima e, certamente, um golpe execrável nos meios artísticos nacionais. Polêmica instalada em torno do fato e findou numa inútil busca pelos culpados. Sociedade revoltada responsabilizando as autoridades pela falta de segurança e pela falta de zelo com o patrimônio público deu em nada. Puxa daqui e empurra para acolá o governo local arranjou verba e tratou de recuperar o Parque. Dinheiro do contribuinte, claro. Como os malfeitores ficaram anônimos e, por conseguinte, livres das penalidades cabíveis voltaram a agir, recentemente, praticando novas barbaridades e, para não variar, tendo como objetivo saquear obras históricas do Recife. Na semana passada levaram uma imensa placa de ferro fundido, instalada por mais de 100, na velha ponte Mauricio de Nassau, contendo inscrições históricas sobre a referida construção – primeira ponte urbana construída na América do Sul – que liga os bairros de Santo Antônio e do Recife. Tem sua historia sempre lembrada como a ponte do Boi Voador de Nassau. Datada do século 17 e construída pelo Conde Mauricio de Nassau, que, à época, governava o Brasil Holandês. A construção atual em concreto, não é a original, é mais ampla e melhor disposta, datada de 1917. Com estilo neoclássico abriga quatro imensas belíssimas estátuas nas cabeceiras, representando a Sabedoria, a Agricultura, a Justiça e o Comércio, produzidas em ferro-fundido, na Fundição Val d’Osne, na França. A placa roubada estava, por mais de cem anos, afixada sob a estátua da Justiça. Que ironia. Vide foto a seguir.
A coisa, porém, parece não ter fim. A semana que passou deu-se por falta o busto de ferro-fundido, também, de Frei Caneca, exposto numa praça do centro do Recife, desde 1981. Homenagem ao líder revolucionário pernambucano, ferrenho opositor do Governo Imperial, e um dos promotores da Revolução Republicana de 1817 e da Confederação do Equador. Foi fuzilado por ordem imperial em 1825, no local onde estava o busto roubado, a Praça das Cinco Pontas. Quem não se lembra do roubo da Taça Jules Rimet de Futebol, conquistada após o tricampeonato de futebol mundial da seleção brasileira? Foi roubada do Museu da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no centro do Rio de Janeiro, em 19 de dezembro de 1983, causando um forte impacto de revolta nacional. Sem que fosse resgatada, descobriu-se que os bandidos a negociaram com um comerciante de ouro argentino que a derreteu e “torrou-a nos cobres”. Teria sido uma vingança dos hermanos? Deve ter sido, isso sim, um bom negócio para os gatunos porque, afinal, eram três quilos e meio de ouro maciço! Foto logo abaixo.
O que leva um indivíduo ou uma quadrilha cometer tamanhos absurdos? Fome, maldade, falta de educação e civilidade, covardia, revolta social? Aspectos inexplicáveis, em minha opinião. Saquear um patrimônio público, apagar traços importantes da História de um povo, impunidade, falta de percentimento social, marginalidade, estraçalhar a memória pátria, negar o que de bom foi guardado como herança de uma sociedade, enfim, o que pensar dessa gentalha? Fica claro que as coisas estão sendo muito relaxadas neste país. E, mais uma vez, lembro que falta uma politica pública de Educação que ensine o que significa respeito ao próximo, civilidade, honestidade, sociedade, politica, enfim tudo aquilo que venha a formar cidadãos e sociedade sadia. A proposito, esta semana, estive num evento (Festival Virtuosi de Gravatá) e na abertura foi executado o Hino Nacional. Para minha surpresa uma grande parcela da plateia não se abalou, manteve-se sentada e parecia que escutavam uma marchinha de carnaval qualquer. Um casalzinho de namorados, ao meu lado, sorria e, acredito mesmo, que achava estranha aquela minha postura de pé e respeito ao que se ouvia. Claro, aquilo me chocou profundamente. Minha leitura do momento foi que já não se forja patriotismo e respeito aos símbolos da Pátria como no passado. Resultado está aí: nasce, a olhos nus, uma sociedade cambeta, isto é, manca, cambaleante e coxa. Pobre Brasil, ziu, ziu!

sábado, 13 de agosto de 2022

Seleção de Debochados

Além das futricas politicas rotineiras no nosso quotidiano, uma verdadeira piada de mau gosto ganhou luzes nas redes sociais, desta semana, dando conta de que a Comissão de Esporte da Câmara Federal aprovou um requerimento para criação de um grupo de trabalho destinado a acompanhar a preparação da seleção brasileira para Copa do Mundo de 2022, a se realizar no Catar entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro. Proposta de um certo Deputado baiano que atende pelo nome de José Rocha (União/BA). O parlamentar justificou sua ideia afirmando que “a imagem da seleção está em baixa e, por causa disso, o futebol brasileiro tem se afastado cada vez mais do público. Precisamos então recuperar esse esporte que, além da função social indiscutível que possui, é considerado paixão nacional”. Também pudera, depois do Mineraço de 7 x 1 impostos pela seleção alemã na Copa realizada dentro de casa! Para dar conta dessa nobre missão o grupo deve contar com o empenho de onze deputados. Um time de futebol! Me engana que eu gosto... Para reforçar sua justificativa o parlamentar arredondou que “a proposta desse Grupo de Trabalho é provocar discussões dentro deste colegiado e junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entidade máxima do futebol brasileiro, como parte de um conjunto de esforços para resgatar a imagem do Brasil como o país do futebol”. Nem precisava dizer, o texto da proposta foi aprovado por unanimidade. Posso imaginar, assim como qualquer brasileiro sério e honesto também, o entusiasmo dessa reunião e a disputa acirrada para a formação do Grupo. É preciso ser muito idiota para não acreditar que o objetivo do Grupo não é nada do que ficou assentado na proposta aprovada. Muito mais fácil, óbvio até, é entender que o objetivo precípuo é o de levar o Grupo ao Catar, para conferir o resulto de tão “grande esforço”, assistir de camarote aos jogos do torneio, com todas as despesas pagas por nós, os babacas contribuintes. Onze “engraçadinhos” formando uma Seleção de Debochados, nas Arábias. Imagino que aqueles que correm risco de derrota nas urnas de Outubro envidarão os maiores esforços para cumprir tão difícil missão e não perder a boquinha.
É lamentável e revoltante viver num país, pobre e lascado, onde tantas corrupções e tramoias parlamentares são cometidas impunemente e acobertadas legalmente, nas barbas do cidadão. Cidadão Eleitor que esquece tudo na hora de exercer seu papel de decisão do próprio futuro e o da Nação, nas urnas eleitorais. Por oportuno, e não querendo ser injusto nas minhas criticas, fui conferir na Legislação as atribuições da Comissão em tela e catar (desculpe o trocadilho!) uma relação entre estas e o que se desenhou para o Grupo recém-criado. Resultado é que nada me garante que haja relação entre as duas coisas, haja vistas que são atribuições da Comissão do Esporte: debater e votar os temas relativos à i) sistema desportivo nacional e sua organização; politica e plano nacional de educação física e desportiva; e ii) normas gerais sobre desporto; justiça desportiva. Não consegui identificar a rubrica orçamentária da Comissão do Esporte, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ou no Portal da Transparência (das aparências?), embora, creia que seja exígua como tem sido em casos de outras dotações e de outras comissões ou pasta administrativa. Curioso, entretanto, é ter a certeza de que comunidades situadas nos grotões do Brasil anseiam por incentivos financeiros e apoios governamentais para desenvolver atividades desportivas entre seus membros, muitos dos quais revelando potenciais habilidades e com concretas possibilidades de se tornarem estrelas nas diferentes modalidades esportivas. Infelizmente, ficam apenas no plano da ansiedade. Ao contrario disto, onze debochados parlamentares prestam-se para compor um “faz de conta” e, por fim, viajar em classe executiva, se hospedar em hotéis babilônicos de Doha, comer e beber do melhor, dispor de um carnê de ingressos à livre escolha para os jogos do troneio, fazer programas de “mil e uma noites” e, se brincar, voltar se mostrando exaustos da “farrinha” parlamentar. Haja verba para custear essa estupidez parlamentar. Tenha dó. Quisera poder votar contra todos esses debochados em outubro. Acorda Brasil! NOTA: Ilustração obtida no Google Imagens / Charge da autoria de Gazo.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Salve o Negro Brasileiro

Sempre me dei muito bem convivendo com pessoas de cor negra. Acredito que tudo começou na minha infância quando meus pais decidiram matricular-me, aos sete anos, numa escola particular, muito comum à época, onde uma família de negras professoras se dedicavam ao ensino primário. Mudaram-me de um colégio de freiras, no qual pouco progredi embora haja aprendido a rezar muito e onde fiz primeira comunhão. As professoras afrodescendentes, do Externato Santos Cosme e Damião, eram enérgicas e competentes no ensino do “be-a-bá” exigido àquela época. Aluno sempre aplicado fui logo cercado de afetos, admiração e afagos por Dona D´Lourdes, minha mestra, por quase quatro anos. Aquela negra, embora sempre circunspecta, me encantava e me fez perceber os mistérios de um mundo, no qual eu vivia, em que ter pele negra transformava o individuo em cidadão de classe inferior. Quanta dignidade havia naquela família de negras professoras comandando classes cheias de alunos predominantemente de raça branca e com condições financeiras para remunerar a escola que mantinham. Belos aprendizados recebi: formal e cívico Estas reminiscências de hoje são provocadas por lastimáveis episódios que, com frequência, ainda testemunhamos, neste inicio de século 21. Nos dias recentes, aqui no Brasil, dois fatos tomaram conta da mídia e jogaram luzes sobre o renitente preconceito de cor que se vive no chamado estado democrático brasileiro. O primeiro foi o da “mulher da casa abandonada”, numa zona nobre e tradicional da cidade de São Paulo. Virou atração turística. Todo mundo queria saber quem era aquela misteriosa mulher, depois identificada como sendo uma tal de Margarida Bonetti, foragida da justiça norte-americana por manter em regime de escravidão, por 20 anos, uma empegada doméstica. A sujeita não chegou a ser julgada pela justiça americana, não foi presa e, mais do que isso, conseguiu fugir para o Brasil no ano 2000, onde se trancou até hoje no casarão que herdou. Descendente de uma família rica e poderosa da pauliceia exercia a habitual exploração de serviçais negras, tratadas historicamente como um bem de capital. A negra vitima dessa atrocidade vive ainda nos Estados Unidos gozando de cidadania e direitos civis, muito embora as restrições sociais que, como todos sabemos, ainda perduram na Terra de Tio Sam. O outro caso que ganhou espaço no noticiário e correu o mundo foi o da senhora portuguesa que tratou de modo pejorativo e desprezível os dois filhos, adotivos e negros, dos atores brasileiros Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, num restaurante de uma praia nos arredores de Lisboa, onde passam temporada. O caldo engrossou por lá e a atriz Ewbank, desempenhando seu inesperado papel de mãe vigilante e furiosa, enfrentou a agressora de modo direto e, segundo relatos, desferiu um belo tapa na agressora! A portuguesa preconceituosa foi chamada à responsabilidade e está embalada em maus lençóis. Bom, foram dois fatos ocorridos lá fora, embora que corriqueiros no Brasil de agora. Para fechar minha semana, e esta edição do Blog, fui parar no lançamento do terceiro volume da trilogia Escravidão do jornalista escritor Laurentino Gomes. Eis aí uma obra que recomendo ser lida por todos os brasileiros. O autor dedicou-se por anos a uma profunda pesquisa sobre o tema escravidão nas Américas e terminou produzindo três volumes de formidáveis relatos sobre o assombroso regime escravista nas Américas e que arrastou o Brasil ao último país a proclamar o fim da escravidão no chamado Novo Mundo, em 1888, ao contrário de países como México, Chile e Bolívia já o haviam proclamado entre 1818 e 1840. Essa tardia passagem histórica e sua difícil assimilação pela aristocracia escravista prevalecente, à época, num império de “rabo preso” a essas elites resultou na formação de uma sociedade preconceituosa e de tal forma arraigada que, até hoje, em pleno século 21, produz cenas de insanidade, desumanidade e pouco democráticas contra sua imensa população negra.
Estima-se que algo próximo a 5 Milhões de homens, mulheres e crianças foram trazidos da África para o Brasil, como escravos, entre os séculos 16 e 19. Ora meu Deus, impossível pensar que essa população não se reproduzisse e formasse essa multidão, inclusive miscigenada, que provoca tantas controvérsias sociais no atualmente. Laurentino Gomes descreve na sua trilogia uma História apaixonante, dolorosa em certos capítulos, mas, vibrante em termos de registro. Para ele, “a Historia é um instrumento para construção de uma identidade e formação de cidadania”. Concordo. A formação da cidadania brasileira deve aos afrodescendentes suas mais sólidas bases e coloridas nuances. Respeitemos e honremos essa herança. Salve o Negro Brasileiro!

Lição para não Esquecer

Durante a semana passada acompanhei com interesse de quem viveu a historia, as manifestações que relembraram o golpe militar de 1964. Com um...