A casa do meu avô
em Fazenda Nova amanheceu, naquela manhã de 1957, no maior alvoroço. Um
verdadeiro auê. O Grupo de Teatro Adolescente do Recife havia arrebatado num
festival de teatro amador, que terminara nas vésperas, no Rio de Janeiro, o
premio máximo com a encenação da peça “O Auto da Compadecida” de certo autor paraibano
chamado Ariano Suassuna. Foi a primeira vez que ouvi falar desse Senhor. Muito
menino ainda, embora ligado na conversa dos adultos da família Mendonça,
acompanhei a euforia que reinava no ambiente. Afinal, naquela casa se respirava teatro
o ano inteiro. O resultado maior é a Nova Jerusalém. A razão da euforia daquele
dia era o fato de que o ator galã da família – Luiz Mendonça – fazia parte do
referido Grupo de Teatro. Ganhar uma medalha de ouro e logo no Rio de Janeiro
era tido como uma verdadeira façanha.
O Auto da
Compadecida já havia sido encenado antes, no Teatro de Santa Isabel, no Recife.
Eu quis muito ir, mas, minha mãe disse logo que era uma peça indecorosa e por
isso, imprópria para menores de dezoito anos. Eu contava com apenas onze ou
doze anos... Conformei-me, muito embora que a curiosidade, peculiar da idade,
acendesse meu sinal de alerta naquela manhã de regozijo em Fazenda Nova. Fiquei
de olhos e ouvidos atentos a todos os comentários. Foi então que descobri que o
texto escrito por Ariano trazia cenas picantes de infidelidade no casamento do
Padeiro avarento e sua fogosa mulher, que um padre corrupto, louco por
dinheiro, fazia o enterro em Latim de um cachorro, em troca de bons
trocados e que outro cachorro descomia dinheiro. Achei, naquele tempo, que
descomer seria vomitar e não defecar. Por fim, o autor colocou um Jesus Cristo negro,
chocando a sociedade conservadora e catolississima da época. Um Cristo negro era
uma blasfêmia. Minha avó, embora muito vanguardista praqueles tempos benzeu-se – em nome do Pai, Filho e Espírito Santo
– quando soube desse detalhe. Era carola toda...
O espetáculo
premiado, lá no Rio, (Vide foto abaixo) teve a direção de Clênio Wanderley, que
fez também o papel do encapetado Chicó e contou com vários atores amadores,
entre os quais: Luiz Mendonça (meu tio) interpretando o tal Padeiro corneado, Nina Elva
(hoje Ilva Niño) a infiel mulher do Padeiro, José Pimentel que fez o papel do
Demônio e Socorro Raposo no papel de Nossa Senhora, entre outros. Lembro que o
ator que desempenhou o papel de Cristo era uma lapa de negro, com voz marcante
e dentes brancos e brilhantes. Diziam ser um sujeito culto, viajado e que
dominava bem o idioma inglês. Um cara diferenciado que abafava no palco.
A trupe inteira
baixou, dias depois, em Fazenda Nova, hóspedes da casa dos Mendonça e pude me
inteirar de tudo, tintin por tintin. Diálogos do escript eram repetidos nas conversas e a diversão era sem fim. Já
faz muito tempo... Comentando a morte de Ariano Suassuna, (23.07.14) conversei hoje
(25.07.14) com Ilva Niño – que virou minha tia por afinidade, porque casou com
Luiz Mendonça – e recordamos alguns daqueles momentos. Demos boas risadas.
Orgulho-me de haver vivido esse antanho e registrar com satisfação neste
espaço do Blog.
O tempo passou e o Auto da Compadecida se tornou um
clássico do nosso teatro e da literatura regional. Foi levado à TV e às telas
do cinema mais de uma vez e todo menino de dez anos de idade assiste sem
restrições de idade, entende que dá gosto, aplaude e comenta.
Este monstro sagrado da literatura nordestina, chamado Ariano Suassuna – que agora nos deixa fisicamente – operou uma verdadeira revolução no nosso meio social, a partir do Auto da Compadecida e de outras obras seguintes, desmistificando uma série de ideias e costumes que prevaleciam ainda no seu tempo. A inclusão do Cristo Negro, por exemplo, foi uma alusão ao arraigado e renitente preconceito racial presente na nossa sociedade. Alimentado ainda hoje... Mas, uma das maiores virtudes desse Imortal foi o fato de haver criado um teatro genuinamente regional, com textos que retratam a cultura local, espantando os textos importados, que dominavam a cena da ribalta local e, também, nacional. E fez escola. Quem assiste Um Sábado em Trinta, de Luiz Marinho, percebe bem o que digo. Suassuna escreveu outras magníficas obras que bem dizem dos nossos nexos sociais, a exemplo de A Pena e a Lei e O Santo e a Porca. Na mesma esteira de pensamento fundou o movimento Armorial, misto de erudito com profundos traços de regionalismo, mostrando ao restante do Brasil e do mundo que existe uma cultura brasileira autentica e pura, que deve ser vista, propagada e respeitada.
Este monstro sagrado da literatura nordestina, chamado Ariano Suassuna – que agora nos deixa fisicamente – operou uma verdadeira revolução no nosso meio social, a partir do Auto da Compadecida e de outras obras seguintes, desmistificando uma série de ideias e costumes que prevaleciam ainda no seu tempo. A inclusão do Cristo Negro, por exemplo, foi uma alusão ao arraigado e renitente preconceito racial presente na nossa sociedade. Alimentado ainda hoje... Mas, uma das maiores virtudes desse Imortal foi o fato de haver criado um teatro genuinamente regional, com textos que retratam a cultura local, espantando os textos importados, que dominavam a cena da ribalta local e, também, nacional. E fez escola. Quem assiste Um Sábado em Trinta, de Luiz Marinho, percebe bem o que digo. Suassuna escreveu outras magníficas obras que bem dizem dos nossos nexos sociais, a exemplo de A Pena e a Lei e O Santo e a Porca. Na mesma esteira de pensamento fundou o movimento Armorial, misto de erudito com profundos traços de regionalismo, mostrando ao restante do Brasil e do mundo que existe uma cultura brasileira autentica e pura, que deve ser vista, propagada e respeitada.
Tive o privilégio de assistir, várias vezes, suas aulas-espetáculo, das quais sai sempre com muito orgulho de ser conterrâneo desse Homem extraordinário. Nordestino, Ôxente!
O Brasil chorou sua
morte esta semana. As academias de letras regionais e a do Brasil estão com
assentos vagos. Mas, o Mestre Ariano Suassuna continua vivo nos seus poemas,
textos e demais páginas imortais. O Homem passa, mas sua história será contada
por gerações adiante. Então, o Homem Vive. É Imortal.
NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens
NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens