Ela desabou diante dos meus olhos ao tentar descer de uma
calçada e atravessar a pista interna da Avenida Agamenon Magalhães. Estendida no
asfalto quente do meio dia, daquela movimentada via na região central do
Recife, aquela senhora de, aparentemente, 75 anos teve sua apressada trajetória
interrompida, por pura imperfeição daquele passeio de pedestre. A calçada tem
um desnível de, pelo menos, 35 centímetros (vide foto a seguir), o que vamos e
venhamos é um absurdo. A cena que presenciei e me impactou – sobretudo pelo
risco de vida que aquela anciã passava – foi um testemunho da precária situação
da grande maioria das calçadas do Recife. Deficiente visual e cadeirante, então, nem pensar.
Tenho um amigo, arquiteto urbanista, Francisco Cunha
(leia-se TGI Consultoria), que vem
empreendendo uma campanha cerrada, via distintos meios da mídia, para a humanização
das calçadas do Recife. Sua tese é muito interessante ao garantir que “a
calçada pública é o primeiro degrau da cidadania urbana”. Publicou recentemente
um livro sobre assunto, que aconselho leitura. (CUNHA, Francisco – Calçada:
Primeiro degrau da Cidadania Urbana).
Movido pelo susto da mulher estendida na avenida, diante do
meu carro, e entusiasmado pela campanha de Cunha, decidi sobre a pauta semanal do
Blog. Para tanto, sai pelas ruas colhendo imagens dos absurdos que esta cidade proporciona
aos seus munícipes. Não precisei andar muito. Caminhei, sobretudo, pelas ruas do meu bairro
(Aflitos-Espinheiro), zona nobre da cidade, e deparei-me com verdadeiras “pérolas”. Na região central deve ser pior. Quem procura acha, diz um adágio popular. Eu achei o que procurava.
Na primeira esquina, colada ao meu prédio, tive que desviar
de rota para contornar um veículo estacionado na calçada. (Vide foto abaixo) Num sábado pela
manhã, foi danado.
Cem metros após, eu mesmo perdi o equilíbrio ao procurar
seguir a rota correta. Uma árvore frondosa expandiu suas raízes, quebrou a
calçada, arrancou o meio fio e avançou no asfalto. Estrago geral. (vide a foto
a seguir).
Gosto muito de viver num bairro arborizado e aprazível. Ocorre,
porém, que a Prefeitura (não me refiro a atual ou quaisquer outras passadas
administrações) não teve o cuidado de escolher uma espécie adequada ou uma técnica
especial que evitasse esses estragos que acontecem na nossa cidade. Esta imagem a seguir é da Avenida Rui Barbosa. A árvore tomou toda a calçada. O transeunte é obrigado a enfrentar a concorrência dos veículos que passam geralmente em velocidade. A via é de grande movimento.
Cidades pelo
mundo afora sabem como lidar com esse problema, ao escolher um tipo de árvore
menos danosa ao passeio dos pedestres e, além disso, proteger a área onde
comumente as raízes afloram. Em Paris (França), por exemplo, é assim. Uma
grelha de ferro fundido, artisticamente projetada, é colocada na base surface de cada elemento e o problema é
evitado. (Vide a foto a seguir).
Mas, minha caminhada seguiu e, mais adiante, vi três coisas
inusitadas: a primeira foi uma carroça estacionada numa calçada e atada com
cadeado a um poste. Isto numa rua nobilíssima do bairro. Indaguei do porteiro
de um prédio ao lado, sobre o proprietário daquele tosco veículo de cargas e
fiquei sabendo que ele vive no Alto do Mandu (periferia da cidade) e sempre
deixa sua carroça ali. “Mas na segunda feira, logo cedo, ele aparece. O pessoal
aqui já está acostumado. Gosta dele”. Onde está a fiscalização da Prefeitura?
Que absurdo! (vide a foto abaixo). A segunda coisa, ali juntinho da carroça,
foi a ideia de fazer um jardinzinho pessoal no meio da estreita calçada. Sabe
quem fez? O porteiro que me deu a informação do carroceiro. “Mas o Senhor não
vê que isto atrapalha a passagem do pedestre?” perguntei rápido. “Ah! O pessoal
desce a calçada e depois volta...” Assim, tranquilo e calmo. Pelo visto os moradores dali são complacentes demais. Gostam do carroceiro, do porteiro/jardineiro
e devem gostar de outros tipos mais que apareçam.
A
terceira coisa foi a pior de todas: a calçada é interrompida bruscamente, por imenso
muro construído por uma escola que avançou o que pôde para ampliar sua quadra
de esportes. Tomou todo o espaço da desejada calçada pública. Ali pedestre não tem vez, mesmo. E a Prefeitura? Ninguém sabe! (Vide foto
abaixo).
Lembro que uma das coisas que mais admiro nas grandes e bem urbanizadas
cidades do mundo, quando as visito, é o fato de que não existem redes aéreas de
distribuição de energia e rede de telefonia nas zonas urbanas. É tudo subterrâneo. Isto leva a que não
existam os monstrengos postes que além de enfear a cidade se constitui – no caso
do Recife – num atropelo em série nas calçadas públicas. Sem falar no emaranhado de cabos elétricos e telefônicos, à vista. Veja, por exemplo, a
foto a seguir. São três postes juntos num único local. Francamente!
Para completar o caos das calçadas recifenses, o pedestre
tem que desviar – a toda hora – das fezes dos pets que são levados a passear sistematicamente. Há uma rua,
transversal da que moro, que é o “sanitário público” da cachorrada do bairro. Acho
que ali todos eles marcaram seus espaços. Aliás, seus donos também... Nessa rua
não ouso passar. Naturalmente que não vou “brindar” os leitores com uma ilustração
fecal. Neste caso, peca o proprietário mal-educado que deixa na calçada a obra do seu
cachorrinho. Quanta ignorância. Ora, meu Deus, isto é uma questão de saúde pública.
Num país civilizado não ocorre uma coisa dessas. Há pouco tempo vi, em vários pontos,
na cidade de Praga (Capital da República Checa), saquinhos de papel e pá de cartolina
para que os proprietários de cães colhessem as fezes dos animais e depositassem
em lixeiras espalhadas pela região. Isso sim, é que é urbanidade e cidadania. Vide foto
a seguir.
É, meus amigos e amigas, falta muito para que nosso Recife (e muitas outras cidades
brasileiras) deixe de ser uma urbe maltratada. Certamente, não será no meu
tempo! Talvez meus bisnetos.
NOTA: Todas as fotos são da autoria do Blogueiro.