Vez por outra aparece na minha página do Facebook ou pelo Whatsapp uma imagem de Ayrton Senna secundando uma das suas mais famosas frases nos lembrando de que “somos insignificantes. Por mais que você programe sua vida, a qualquer momento tudo pode mudar”. Premonição? Quem sabe? Para ele que vivia em altas velocidades, fez disso sua forma de viver e, numa curva traiçoeira perdeu a vida, é inegável que deixa qualquer um de nós, pobres mortais, diante da imagem do ídolo, meditando e tentando entender o mistério do futuro. O futuro que a Deus pertence e o amanhã que pode ser totalmente distinto do planejado.
Minha recente
experiência, no campo da saúde, cai, como uma luva, nesse tipo de reflexão. Eu
não tive uma curva traiçoeira e louvo a Deus todos os dias. Mas, tive um amanhã
tortuoso. Meu programa era aproveitar o ultimo domingo de Outubro passado, em
casa e com todos da família, após vários fins de semana fora, inclusive no
exterior. Havia certa estafa de fazer e desfazer mala, entrar e sair de aviões.
Aquele domingo seria um dia mais do que desejado. Contudo, “por
mais que você programe...” fui
surpreendido por estranha dor nas costas. Pela renitência e suando frio, pedi
ajuda a minha esposa e demais familiares. Levado à emergência de um hospital,
tive o diagnóstico de enfarte no miocárdio. Aquilo determinou “o momento” que mudou a minha
programação. Não apenas para aquele domingo, mas, também para um bom período adiante.
A partir dali vi-me refém de um programa que nunca antes havia sido desenhado. Dominado
pela perplexidade, questionei: por que eu que sempre cuidei muito da saúde do
meu coração? Exames periódicos normais, taxas controladas, disposição física e
todos os sinais de plena saúde. Mas, Senna tinha razão... “a qualquer momento tudo pode mudar”. O amanhã será sempre outro
dia, que pode surpreender o sujeito frágil e insignificante que é o ser humano.
No final das
contas, meus meses de novembro e
dezembro passados se tornaram numa verdadeira “viagem” ao meu mundo interior,
levando-me a experimentar outras emoções e, pra falar a verdade, alguns
sofrimentos físicos.
A extensão
do tratamento ao qual fui submetido passou por uma cirurgia cardíaca, aquela
radical que abre o tórax e implanta “pontes” seguras de circulação sanguínea eficazes
restaurando o bom funcionamento da “máquina”
propulsora. Embora sendo uma intervenção de grande porte e, como qualquer
outra, conferindo riscos, terminei escapando e, agora, conto a história como
ela foi.
Hoje, em
franca recuperação, devo agradecer à equipe médica que me assistiu de modo
competente e, inclusive, livrou-me de padecer de dores no pós-operatório, coisa
que muito me surpreendeu. Sempre ouvi relatos de que a sensação era de que um “trem”
havia passado sobre o tórax do paciente. Voltado do sono anestésico, na UTI,
fiquei na expectativa da passagem do dito “trem”. Até agora ele não passou. Dor
foi coisa que não senti. Por quê? Não sei ao certo. Atribuo à competência da
equipe médica.
Para não
dizer que não sofri alguns percalços, lembro-me, de cara, do “inferno” que se
denomina UTI. Ingenuamente, sempre imaginei ser um lugar calmo, tranquilo, em
permanente penumbra, onde o paciente recém-operado poderia se recuperar com
placidez em ambiente de muito silêncio. Nada disso! Foram três dias de suplício.
Acho até que sai pior do que entrei. Exausto, sem dormir e estressado com tudo
que vi, critiquei e fui ignorado. Como se sentir confortável num local onde não
se apagam as luzes, dia e noite, os assistentes não respeitam os enfermos e
conversam em voz alta, dão gargalhadas, falam aos celulares abertamente e até
cantarolam. Isto tudo num hospital referencia e de primeira linha num
importante polo médico regional. Ali, vi,
mais uma vez, o Brasil sem preparo profissional, baixo nível educacional e onde
respeito ao próximo é coisa que não existe. Dormir,
num ambiente desses, que seria bom foi impossível, até mesmo porque – com razão
– foi-não-foi, aferiam minha pressão,
administravam medicamentos, faziam RX e extraiam sangue para exames
laboratoriais. Pense em ser acordado de um cochilo fortuito, as 03:30h da
madrugada e ser convidado para tomar um banho! Além de dar um fora na enfermeira,
tive vontade de rir. Parecia uma pegadinha... Motivo explicado: “vou largar as
06:00h e quero adiantar minhas tarefas”.
Outra coisa abominável: a vaidade das médicas de plantão chega ao cúmulo de
obrigá-las a usar sapatos de saltos altos, que, dia e noite e toda hora, emitem
aqueles característicos sons de toc-toc-toc que desespera qualquer paciente.
Maldita vaidade... Eu teria outras criticas, entre as quais sobre a alimentação servida – verdadeiras “gororobas” – mas, vou deixar prá lá porque tem gosto prá tudo. Depende do paladar. Vi gente devorar cada prato que a mim causava náuseas. Passei fome...
Quando saí
do inferno da UTI foi o maior alivio. Ter as atenções e carinho da família num
apartamento privativo veio como um lenitivo.
Mas, o importante
mesmo é realçar o resultado final dessa “viagem”, que foi bem sucedida. Acho
bom, e muitas vezes engraçado, escutar
dizer que estou de coração zerado. Já começo a testar a máquina recondicionada
e vejo que responde bem. Para aqueles
que se vejam na emergência de empreender uma “viagem” igual que a minha, minhas
palavras são de encorajamento. Não sinta
o chão afundar, como me ocorreu na primeira hora. Confie no seu cirurgião e não esqueça que isso ocorre
de repente e, de repente, “tudo pode mudar”
. Relaxe vá em frente e zere a máquina. Vale à pena.
NOTA: O
Blogueiro passou por esta intervenção cirúrgica
em 23.11.15
Foto obtida no Facebook