domingo, 5 de abril de 2020

FREIO DE ARRUMAÇÃO

É sabido popularmente que quando um ônibus está lotado e os passageiros de pé insistem em permanecer próximos à porta de desembarque, mesmo havendo espaço vago em boa parte do coletivo, o motorista matreiro dá um freio brusco que, pegando de surpresa os conduzidos, espalha gente por toda área disponível. A essa estratégia se chama de “freio de arrumação”. Pois bem, em tempo de quarentena, tenho visto a situação imposta pela Pandemia do Coronavírus como sendo um freio desse tipo à Humanidade. O mundo inteiro estava numa corrida sem limites na busca do possível e do impossível entregues às asas do imaginário coletivo e da fantasia. Posso estar equivocado, mas antevejo tempos em que iremos enxergar com nitidez onde erramos e como contribuímos para construir o caos que estamos experimentando. Não! Não vou apelar para referenciais religiosas e, muito menos, políticos que muitos usam na tentativa de explicar. Esses já estão bem explorados. Ao invés disso vou tentar explorar algumas vivências e reflexões que fiz ao longo da vida. Para inicio de conversa, tudo me leva a crer que o mundo será outro quando sairmos dessa “viagem” dentro de quatro paredes. É, um mundo novo está nascendo.
O fenômeno da urbanização acelerada e tresloucada pode ser vista como um bom dos  exemplos mais concretos e, indiscutivelmente, revela a ponta de um tremendo iceberg. É nesse cenário que vi e nunca entendi o porquê das extravagâncias dos nossos jovens em termos de consumo de álcool e drogas, ilimitadamente, mesmo que alertados pelas possíveis consequências maléficas. Menos ainda pelas irrefreáveis curtições das orgias sexuais. O HIV respondeu duramente e estabeleceu seu freio de arrumação.  Ainda assim, nossos jovens se excederam. Muitos vivem hoje sofrendo as consequências indesejáveis. Pintaram e bordaram desbragadamente, até agora. Tocaram fogo a eles próprios. Lembremo-nos do incêndio na discoteca Kiss (Santa Maria – RS) que foi um exemplo trágico. Observem que a História mostra haver sido a industrialização maciça e a produção de serviços que provocou a migrações de grandes levas populacionais para os gigantes centros urbanos de produção, atraídos pela elasticidade da oferta de empregos e as promessas intermináveis de sucesso. Sem esquecer da vida infinitamente mais lúdica. O resultado desse fenômeno são as favelas das grandes urbes do planeta e uma população apinhada em espaços exíguos a despeite dos grandes espaços vazios, geralmente disponível no meio rural. No Brasil essa coisa é concreta e não vislumbro freio de arrumação que conserte a situação. Já observei quadros idênticos em metrópoles outras, entre as quais: Xangai, Caracas, Seul e Nova York. Nesta última, a grande metrópole mundial e dita Capital do Mundo, a coisa não é fácil. À exceção do que se observa na 5ª. ou Park avenues, onde magnatas se instalam nas penthouses douradas e vislumbram, passivamente do alto, os arredores com milhares de edifícios residenciais da charmosa Manhattan, onde vivem milhões de seres humanos apinhados em quitinetes apertadas e respirando ares comuns nem sempre recomendados. É um mar de imigrantes nacionais e estrangeiros. Desça na Estação Canal Street do metrô e se detenha a observar. No bairro do Village, a coisa é quase indescritível. São, na grande maioria, moradias de um único cômodo onde vivem três ou quatro pessoas. Ratos, baratas e muita pulga é coisa trivial. Vi com meus olhos. Frequentei, até. Ou seja, em Manhattan existe uma favela diferenciada tão insalubre como qualquer outra Brasil afora. Por isso, não me surpreendo quando ouço falar do avassalador ataque do Covid-19 naquela cidade. E a coisa não é diferente nas grandes cidades da Europa. Nem preciso falar...
"Favela" de Nova York
Numa viagem à China (2010) observei, em Xangai, a demolição de bairros populares inteiros e a população sendo transferida para edifícios nas franjas da metrópole. Populares também, mas com melhores condições de vida. Conversando com o guia da viagem fiquei sabendo que aquelas vilas típicas e de beleza original – à proposito, lindas – eram alvos de demolição, do Governo Central Chinês, com vista a erradicar focos de corriqueiras doenças contagiosas e que punham em risco a sociedade moderna da dinâmica e pretensa capital do Mundo (!). Foi também um freio de arrumação! Lembrei, na ocasião, que aqui no Brasil as populações em condições de risco só são deslocadas quando o espaço que ocupam (invasões, geralmente) deve dar lugar a grandes avenidas, obras de interesse do politico local e coisas semelhantes. Interesses para preservar a saúde pública é assunto marginal dos projetos.
Demolições do tradicional em Xangai  
Mas, voltando à ideia de Novo Mundo que pensei, acredito que, antes de qualquer coisa, os humanos serão necessariamente mais limpos. O exercício de lavar bem as mãos de agora será uma prática de rotina. As relações humanas serão mais solidárias. A natureza será mais respeitada. O reino animal, também. E, por fim, as relações político-econômicas, as internacionais sobretudo, vão sofrer a mais revolucionária das mudanças. O nacionalismo radical pode recrudescer, a divisão internacional do trabalho será revista, o mercado internacional, por consequência, será motivo de grandes encrencas e os grandes conglomerados econômicos vão tremer diante das novas ordens. Será um processo penoso e de longo prazo. Quem viver verá. E que se segure porque o freio de arrumação vai ser inexorável e vai pegar a todos. Pior, porque sem surpresa.

NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens                    

10 comentários:

Dayse Moraes disse...

Excelente explanação primo,realmente depois de tudo isso não iremos retomar, e sem recomeçar em vários aspectos.

Patricia Restauradora disse...

Pior que o vírus é a guerra política. A divisão de idéias e a dispersão das energias boas. Enfia o pé motorista!

Adierson Azevedo disse...

Excelente texto querido Guru!! 😃👏👏👏👏👏👏👏

Girley Brazileiro disse...

Isto é emoção de ex-aluno aplicado! Baixe essa bola Adierson! Me deixa encabulado.

José Paulo Cavalcanti disse...

Danou-se. Agora ele começou a falar de suas viagens. Tem matéria para mais 10 postagens, pelo menos. Boa. Abraços.

Girley Brazileiro disse...

Ah, Zé Paulo! Estou escrevendo um livro sobre minhas aventuras mundo afora... Aguarde.

Ina Melo disse...

Parabéns amigo! Hoje pela manhã escrevi observando a placidez do mar (estou numa quarentena a beira mar na casa de um dos meus netos, uma benção, pois moro num apto térreo e só vejo as folhas da palmeira e gatos e crianças passarem(ainda bem). Mas escrevi não com a tua verve, mas um desabafo sobre esse pesadelo do vírus 🦠 do mal! Realmente espero que se eu sobreviver, possa ver um mundo melhor e mais solidário!

Antonio Carlos Neves disse...

E isso aí primo de freio em freio vai tudo se arrumando e no nosso Brasil te vi um grande freio a eleição do Bolsonaro espero em Deus que consigamos fazer a arrumação em ordem e com o progresso que tanto almejamos.

Ana Inês Pina disse...

Amigo, além do freio de arrumação, o motorista precisa dá um cavalo-de-pau em seguida, pq tem gente q ainda ñ entende. Gde abraço 🤗

Luiz Montenegro disse...

Ótima reflexão Girley. Oxalá, tenhamos um novo mundo pós pandemia. Certamente muitas coisas serão incorporadas a um possível novo estilo de vida mas sou cético quanto a um “novo sapiens”. Os humanos são predadores e moralmente transgressores. Breve retomarão sua jornada frenética a algum lugar (nenhum).
Grande abraço de quarentena! Kkkkkkk

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