segunda-feira, 18 de maio de 2020

Polêmica Farmacêutica


O Brasil inteiro acompanha essa pendenga que discute a oficial adoção, ou não, do protocolo de uso da Hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Uma profunda dúvida vem sendo amargada pela sociedade brasileira, cercada pela insegurança causada pela pandemia. "Use, mas assuma as consequências...” esta vem sendo a reposta dos “cardeais” da medicina nacional, quando comprometidos com a oposição ao Governo de Bolsonaro. Deplorável, visto que uma coisa não tem nada a ver com a outra! Apenas politicagem barata.
Mas, tem muita gente usando e se curando. Ora, se não mata quando usada para tantas outras doenças pode servir para esta, também. Principalmente para quem se vê na emergência.
Bom, como não sou doutor dessa área, vou partir para o assunto do dia.
Antes, porém, uma introdução instigante: vi pela Internet uma live (é ultima moda!) de uma desconhecida vereadora, de um município mais desconhecido ainda, aconselhando seus eleitores a consumirem muita Agua Tônica de Quinino, alegando que o teor de quinino contido na bebida estaria protegendo-os do Coronavírus. Triste engano. Tive o cuidado de pesquisar e terminei me convencendo de que a droga que causa tanta polêmica, e já derrubou dois Ministros da Saúde, é fruto do aperfeiçoamento científico do uso do quinino, historicamente adotado para a cura da malária ao redor do mundo, inclusive na Amazônia brasileira. Bom, não é a mesma coisa!
Interessante que essa discussão sobre o quinino ou hidroxicloquina remeteu-me aos tempos de infância/adolescência (anos 50/60) quando, periodicamente, passava temporadas na casa dos meus avós maternos, em Fazenda Nova, município do Brejo da Madre de Deus, aqui mesmo em Pernambuco. Meu avô, Epaminondas Mendonça, Seu Nondas para os íntimos, além de chefe político da região tinha lá, entre seus negócios, uma casa comercial de secos e molhados e uma farmácia, anexa. Eu, muito enxerido, adorava servir de atendente no balcão da farmácia. Sobretudo no dia de feira no local. Feira no interior é dia de festa. Pois bem: uma das coisas que me ocorreu lembrar na atual conjuntura foi de um imenso vidro, no alto de uma prateleira, com um pó branco e uma etiqueta escrita, à mão, Quinino. Naquilo lá eu não podia tocar. O freguês que demandava o produto, vendido em gramas, era atendido pelo próprio Seu Nondas, que, além de atender, orientava o penitente na forma de uso do medicamento. A balança usada era daquelas pequenas e ditas de precisão. Os pesos eram minúsculos, burilados e bem polidos. Meu avô era desses matutos instruídos e bem informados. Bom de discursos – esmerava-se num palanque eleitoral –, redação e caligrafia notáveis. Uma figura inesquecível.
Como tenho uma memória ainda bem preservada, não posso deixar de registrar aqui minhas experiências como "balconista" de uma farmácia tipicamente interiorana: o mais demandado naquele balcão eram os chamados, à época, de cachetes. Atuais comprimidos. Cachetes para dor de cabeça, de barriga, do estômago e tudo mais. Despachei muitas Cibalena, Melhoral, Instantina, Cafeaspira, Pílulas do Dr. Ross, entre outros. Bem como o Biotônico Fontoura, Emulsão de Scott e um certo e famoso Regulador Xavier. Este, para mim, era o seguro para garantir a saúde da mulher que comprava. Com pouco tempo eu ia me inteirando e sempre que voltava me atualizava. Era uma experiência fascinante para um garoto da cidade grande. Assim, quando não eram os cachetes, apareciam fregueses procurando Mitigal, fabricado pela Bayer, e bom para curar coceiras e sarnas. Outros procuravam pela Loção de Terebintina, uma espécie de analgésico local, para aliviar dores musculares, reumáticas, bursite, entre outras. Essa substancia é, certamente, a base de medicamentos hoje comercializados, em forma de unguentos balsâmicos, como Gelol, Benguê, Reparil, entre outros. Até hoje, quando sinto o odor dessas pomadinhas relembro-me das ocasiões que, Dona Sebastiana Mendonça, minha avó, tomava massagem de loção de terebintina nas pernas inchadas, antes de dormir. Cheguei a fazer algumas dessas massagens. Outra experiência!
Fora os medicamentos de marca, postos à venda, meu avô tinha lá sua prateleira com preciosidades da medicina popular e curandeira. Produtos manipulados. Lembro-me do Tapataio, que apesar de já ser comercializado, àquela época, com a marca de Elixir Sanativo, estava lá no seu garrafão. Interessante é que essa denominação é uma corruptela de Tapa Talho. Ou seja, o/a penitente levava um talho, passava Tapataio e cicatrizava. A fórmula é poderoso antisséptico, inibidor de inconvenientes microrganismos bucais, entre outros benefícios. O principio básico é tirado da casca do tronco da aroeira, um arbusto muito comum no nordeste brasileiro. Uma colher de mel de abelha e duas gotinhas de tapataio, ou Elixir Sanativo, era um santo remédio de Seu Nondas para os netos quando num surto de tosses e rouquidão.
Com o tempo fui descobrindo outras fórmulas que se destacavam naquela prateleira de manipulações e recordo bem do elixir de quixaba, bom para tratamento das doenças do útero, cisto de ovário e corrimento vaginal e do, muito demandado, composto ou Pó de Catuaba, para atenuar a impotência masculina, antidepressivo e estimulante físico.  
Tinha remédio pra tudo. Era formidável perceber, naquele rústico ambiente, no qual meu Avô era um “doutor” respeitado e poderoso. De fato, curou muita gente. Os agradecimentos eram feitos em verdadeiros rituais. Coisa do tipo "Deus no céu e Seu Nondas na terra". E tinha mais, era a única pessoa do lugar que aplicava injeções. Pense que coisa fantástica. Tempo bom que não volta mais. E um aprendizado inesquecível.
Hoje, as tradicionais farmácias interioranas já são raras. Perderam competitividade. O cartel dos grandes comerciantes de medicamentos já invadiu nossos interiores. E já não existem os Nondas de antes.    

NOTA: Foto ilustrativa obtida no Google Imagens.             

18 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Essa não sabia. Notícias do seu passado. Muito bom. Parabéns. Abraços fraternos.

Glay Brasileiro disse...

Oi Girley, lembro bem de seu Epaminondas e dona Sebastiana, e do comércio de secos e molhados, bem ao lado da famosa Casa de banho ( fonte), lá de Fazenda Nova.

Ina Melo disse...

Esqueceu só do Tirosseguro (óleo de rícino) para lombrigas! Sabes como se tomava? As 5 horas da manhã com uma chave na mão 🖐 e a Correia de lado😂😂😂😂😂 não tinha quem não engolisse! Você me fez voltar a minha infância! Como única filha mulher, era do nessa hora que temia a Correia, a qual nunca experimentei! Mas e a tal da cloroquina milagrosa! Sônia como médica tem lá suas restrições!

Zélia Moraes disse...

Fiz uma volta aos anos 50.

Moisés Wolfenson disse...

Muito bom! Gostei do tapataio. Hoje tem um desse para-a pele igual ao superbond ( chama-se derma bond) 🤗

Hercilio Victor disse...

Caro amigo Girley, fiquei muito feliz em descobrir que temos um fato comum em nosso passado, meu avô era dono de farmácia em correntes, cidade 42 quilômetros depois de Garanhuns, local onde vivi situações muito semelhantes às narradas por vc. Tenho um relato muito cômico de um cliente que chegou pedindo um remédio que ele não lembrava o nome mas dizia que era alguma coisa parecida com " sarta pra riba e pega o bicho", o pessoal do balcão sem conseguir decifrar o pedido chamou o velho Hercilio ( meu avô) que matou a charada de primeira, menino pega aí um vidro de Salsa Caroba e Cabacinho. Kkkkkk

Rodrigo fernandes disse...

Prezado girley, obrigado pelo blog! Acho que o problema não é usar ou não a cloroquina, mas sim de o governo, podendo fazer tanta coisa pra ajudar, basear as suas ações de saúde na adesão (talvez até imposição) de uma remédio sem claras comprovações cientificas (além de claro, não ser exatamente tão seguro quanto estão falando). Pra mim, se existe politicagem em cima da questão da cloroquina ela existe dos dois lados (tanto na oposição quanto pelo lado do governo). Abraços

Vanja Nunes disse...

Bom dia
Me fez lembrar meu pai e a farmácia
Adoro seus textos.

Ieda Almeida disse...

Veja aí...
Pedi a uma pessoa de Parnamirim, para me enviar
Quina- quina.
Claro... também sou do interior e tomei muitos chás e outros remédios citados por você. Farmácia do Dr. Florismundo em Arcoverde.
Muito legal seu comentário, me remeteu a minha infância e ainda não posso esquecer do chá de sabugueiro, para febre, tinha de ficar tomando chá e só podia comer bolachas Maria.

Claudio Targino disse...

Gostoso de ler. Vi coisa parecida no Aquiraz

Hercilio Victor disse...

Como o sanativo era angico, camapu, aroeira e mandacaru, boa noite.

Thereza Leal disse...

Também conheci alguns desses que vc falou o tempo passa nós envelhecemos mas não esquecemos . Parabéns por recordar sua infância com o Vovô

Hercilio Victor disse...

Como o sanativo era angico, camapu, aroeira e mandacaru. isso, eram quatro plantas, mas a ANVISA não quis mais renovar a licença e eles tiveram que modificar e hoje é o extrato de uma planta só, a AROEIRA.

Ranulfo Cunha Filho disse...

Muito bom, lembrei dessa época também.

Edson Junqueira disse...

Fantástico o texto. Obrigado por compartilhar. Abraços.

Antônio Carlos Neves disse...

Está faltando Sr. Nondas por esse Brasil afora. Gargarejamos muito sanativo muito bom minha vó misturava a mel de abelha e a gente ficava tomando com uma colher de chá meu avô como você sabe chegou a 300 kl e foi não foi quebrava uma cadeira e passava uma semana tomando água de quixaba para dor de barriga chá de pitanga tio Ivan tinha uma gastrite severa e só ficava bom com uma garrafada que minha vo fazia e teve um vez que ele estava internado e minha vó foi no hospital levando a garrafada o médico não queria que ele tomasse mais mesmo assim ele tomou no outro dia teve alta e o médico ficou com a receita da minha vó só sei que tinha hortelã da folha larga e da miúda kkkk

Cristina Carvalho disse...

Adorei!! Meu avô era de Rio da Barra e plantava algodão. Mas o Coronel Ernani meu vozinho do coração, negociava com tudo no seu “Barracão”. Voltei no tempo com seu post. Valeu amigo!!!! Bom demais. Espero outros. Obrigado!!!!!! 👏👏👏🌷

Júlio Silva Torres disse...

Qué bonito recuerdo haces de don Epaminondas!
También recuerdo esas farmacias en que el dueño era una especie de sabio alquimista con sus grandes frascos de cristal y su balanza de precisión, dando solución a los diferentes males de la gente. Efectivamente esos personajes eran muy importantes! Así como tu recuerdas a tu abuelo yo recuerdo al farmacéutico de la esquina, don Adan Espinoza que hacía soluciones para todo.
También recuerdo muchos de los medicamentos que nombras, que por lo visto, ya eran los primeros indicios de la globalización y del control que tienen sobre todos nuestros países los “del primer mundo” que nos hicieron perder los conocimientos ancestrales.
Bello recuerdo!

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