sexta-feira, 15 de maio de 2020

Desarrumação Global

Os estragos socioeconômicos previstos, em consequência da pandemia imposta pela Covid-19, parecem não ter limites. Sem respeitar ricos ou pobres, os quadros projetados são de travessias tortuosas e íngremes. Que o mundo será outro, já se sabe. A prática vai mostrar com vivas cores.
União por uma Moeda Forte
Uma dessas travessias, que pode alterar drasticamente as relações econômicas internacionais, pode ser observada no que alguns analistas denominam de Desunião Europeia. Não bastasse o penoso processo do Brexit, que marcou a saída do Reino Unido do bloco, vem a atual crise sanitária jogando luzes no que, na verdade, era mantido na penumbra e pouco visível  pelos seus principais membros. Que diga a Itália pelo que sofreu nesses recentes meses de pandemia. É um lamentável momento para a economia do Velho Continente e, indiscutivelmente, para o restante do mundo.
Sempre fui admirador da formação de blocos de nações, desde os tempos em que dediquei parte do meu tempo como profissional, inclusive como professor de economia, em acompanhar a formação, composição e instauração da União Europeia. Fui ver in loco o nascimento do Euro. Mais ainda, quando, por força de oficio, integrei comissões de montagem do Mercosul.
Lembro que a história que fundamentou a união dos países europeus repousa em argumentos e justificativas das mais nobres: preservar a paz entre as nações e, assim, promover o desenvolvimento socioeconômico priorizando a solidariedade num continente sempre propenso, ao longo de séculos, a conflitos e confrontos. Haja vista para os exemplos sempre lembrados que são as duas grandes guerras e inúmeras outras menores, tão importantes quanto, responsáveis pela geopolítica hoje existente.
A possibilidade de desunião implica num panorama pouco desejado por muitos, principalmente aqueles países mais dependentes da formação vigente. O que será de países economicamente mais frágeis como Portugal, Grécia, Malta e Chipre, por exemplos?
Bem, a verdade é que o nacionalismo nos países europeus é coisa visceral e isto torna a coisa bem mais complexa. Alguns são radicais.  Imagino que com um simples abalo de uma das peças desse dominó o resultado prático poderá ser fatal. Ainda mais, agora, quando a globalização vem sendo criticada severamente e tomando corpo nas discussões entre os grandes. Antevejo uma onda de distanciamento político muito pronunciada. Foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , quem deu o start dessa discussão lá no passado 2016, ainda em campanha eleitoral. Aqui na América do Sul, a Argentina se manifestou, recentemente, contrária a sentar à mesa para discutir tratados com os parceiros do Mercosul. São dois casos que, aliás, nem precisaram de crise da Covid-19. E o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tampouco, se revela entusiasmado com o Bloco.
Antes de redigir este post, conversei com amigos em dois blocos: Mercosul e UE. O argentino se mostrou cético quanto à situação. Na verdade, os argentinos são, hoje, muito reticentes quando se fala em problema econômico. Andam saturados de tantos insucessos. Pudera. Estão mergulhados em crises contínuas, por bom tempo, e por isso muito mais preocupados com a situação interna. O atual governo da linha neo-peronista, promete brecar muita coisa. Sobretudo quando a coisa depender do Brasil. Já em Portugal, segundo meu interlocutor (Economista A. Azevedo), “não se fala em desunião. Muito ao contrário, isso unificou mais o bloco, pois os problemas da Itália e Espanha não levam esses países para fora”. Vejo nisto uma opinião mais isenta. Contudo, sem dúvidas é uma visão que aponta para a tese de que, mais do que nunca, esses dois países vão precisar da União. 
Dando um zoom, desde meu humilde observatório, e revisando a linha do tempo, sou da opinião que – de fato – nunca houve a tranquilidade arquitetada originalmente. Que digam os britânicos, que, estrategicamente, estiveram sempre fora da Zona do Euro.
Hoje, quando a crise bate mais forte às portas da União, começa a rolar um clima de “se virem” capitaneado pela Alemanha de Frau Ângela Merck e Mark Rutte, Primeiro Ministro do Reino da Holanda, ao fazerem beicinhos e imporem restrições à concessão dos chamados coronabônus, destinados a socorrer os náufragos do tsunami da pandemia. Itália e Espanha demandam urgentes essa "tábua de salvação"
São as reações dos mais ricos, aliás, que enfraquecem a integração. Macron, presidente francês, é a favor da concessão e afirma que esta é a hora da verdade. Sem isto,  para o francês, “adeus União” e “adeus Zona do Euro”. E se justifica porque na Itália a queda prevista é de 10% do PIB, neste 2020, e na Espanha a situação é tão grave, quanto. Estima-se em 12% a taxa de desemprego, no Bloco! Os espanhóis já dizem ser necessária a bagatela de Euros 1,5 Trilhão para levantar a economia do continente. O FMI calcula que haverá uma queda de 7,5%  no PIB da Zona do Euro. Vai ser um desastre. Isto é um típico caso do"em cima de queda, coice".

1,5 Trilhão! Haja grana!

E já tem outra coisa: a política de imigração, que já estava na ordem do dia muito antes, vai voltar com maior intensidade e muitas turbulências. Fronteiras vão tremer. Bom lembrar que a maioria dos europeus atribuem à essa variável populacional os motivos das dificuldades que hoje vivenciam.  
Acho que teremos históricas emoções, pela frente. Poderá ser uma desarrumação global. 

9 comentários:

Valdelirio Soares disse...

Excelente análise. Partilho a visão do amigo.

Wirson Santana disse...

Muito bom seu artigo amigo Girley. Também gosto do tema. Concordo com suas observações.

Ina Melo disse...

Muito bom amigo! Tenho um amigo em Lisboa que manda todos os dias o jornal Público onde posso acompanhar um pouco o que se passa pelo mundo de lá e Sérgio Bello na França. No jornal português temos sempre notícias dos países que falam a nossa língua e tenho observado que eles se preocupam com a situação econômica e também com as pessoas! Bem diferente dessa politicagem suja do nosso Brasil! Vez por outra estou mandando o teu blog para eles! Abraços e parabéns pela lucidez ao encarar os fatos!

José Paulo Cavalcanti disse...

Pior é que você tem razão, mestre Girley. Parabéns. Abraços.

Dayse Moraes disse...

EXCELENTE seu blog,analise muito lúcida dos fatos👏👏👏👏

Ranulfo Cunha disse...

Isso mesmo, só usam o WhatsApp para voz e o Facebook para se exibirem e não sabem fazer mais nada nos seus smartphones caríssimos.

Carlos Antônio Carvalho disse...

Excelente visão contemporânea. De fato, estamos escrevendo uma história, ainda, às cegas e sem rumo. Só Deus sabe qual será a derradeira parada desse capítulo ora vivido. Parabéns, Girley.

Carmem lucia brandao de albuquerque disse...

Parabéns, Girley! Pertinente seus comentários. Um abraço.

Edson Junqueira disse...

Girley, bom dia . Muito oportuno o artigo sobre a desarrumação .
Difícil imaginar que alguma nação possa tirar proveito desse momento mas pelo desenrolar podemos perceber um movimento de compra de ativos que em circunstâncias normais não aconteceria .

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