Vida de artista nem sempre é fácil. A história relata cenas
tristes sobre a vida de muitos pintores, atores, compositores e cantores. Van
Gogh e Mozart, por exemplo, tiveram momentos bem difíceis. Praticamente
morreram em clima de frustração e loucura. Só foram aclamados e reconhecidos
quando já haviam partido para eternidade.
Há pouco tempo tomei conhecimento da morte de um popular
pintor pernambucano, quase sempre levado ao ridículo e depreciado pela maioria
daqueles que, no fundo, no fundo, desejavam adquirir uma das suas pinturas.
Jessé era seu nome. Foto a seguir.
Acompanhei por longo tempo sua trajetória como pintor e como ser humano. Dei muitos conselhos, promovi a sua arte em várias oportunidades e, sem muito sucesso, defendia-o da exploração a qual era submetido. Olhava-o, mesmo, com certa piedade e lembrava-me de nomes que a história guarda, sem que eles tivessem tido a satisfação de colher os frutos do próprio talento.
NOTA: As fotos são do Blogueiro, exceto a do próprio pintor que foi obtida no Google Imagens, cujo autor é Julio Leite
Acompanhei por longo tempo sua trajetória como pintor e como ser humano. Dei muitos conselhos, promovi a sua arte em várias oportunidades e, sem muito sucesso, defendia-o da exploração a qual era submetido. Olhava-o, mesmo, com certa piedade e lembrava-me de nomes que a história guarda, sem que eles tivessem tido a satisfação de colher os frutos do próprio talento.
O pintor Jessé foi uma figura quase que folclórica. Tanto
fazia chegar malvestido, quase maltrapilho, ou aparecer embalado num terno
completo, incluindo colete e gravata. Era, como se dizia antigamente, de
veneta. No dia a dia, finalizava um quadro qualquer e corria para rua buscando
um comprador. Geralmente vendia por preço bem abaixo do pedido inicial. Apurava
um dinheirinho e logo, a seguir, escorria um conhaque goela-abaixo para
comemorar e saia ao comercio, para comprar nova tela e mais tintas para
recomeçar sua labuta. Como muitos e por várias vezes, levei para casa uma obra
com tinta ainda fresca, com todo cuidado de não borrar. Ele tinha pressa e parecia
sempre estar vendendo seu ultimo quadro.
Não sei quem comprou seu último quadro. Mas, sei que comprei
várias obras das suas poucas fases. Antes de se tornar o pintor das mulatas de
olhos faiscantes, Jessé passou pela fase dos casarios – ingênuo/primitivista
total – pela fase dos florais, lembrando a arte de Francisco Brennand e, por
fim, a fase que o acompanhou até a morte, a das mulatas. Adquiri quadros de
todas essas fases. Tenho comigo o primeiro quadro das mulatas, que acho uma
beleza. Datado de 1972, lembro quando ele adentrou a minha sala de trabalho na
SUDENE e quase gritando anunciou: “Novidade! Jessé agora pinta mulatas. Aqui
está a primeira tela da série”. Fiquei admirado com aquela tela. Imensa, medindo
100cmx75cm e com a tinta muito fresca, como
sempre e pronta para ser vendida. “Vai comprar Dr. Girley?” Confesso que gostei
do trabalho, logo de cara. Talvez pela novidade ou mesmo pelo tamanho da obra. Um
trabalho vistoso. Com duas mulatas e um floral a la Brennand. (Vide foto a
seguir) Nessa tela ele mescla a fase anterior com a que iniciava. A tela está
pendurada na parede da minha casa. Outro dia, levei-a para uma revitalização e
lá me ofereceram uma grana boa pela venda. Fiquei ressabiado e não cai na
tentação. Acho que vem coisa por aí! Estou de olho.
Interessante que, no momento da compra dessa tela, negociei,
tive o cuidado de não explorar a arte do ingênuo e após pagar, fiz uma
observação: “Você, agora, deixa de imitar Francisco Brennand e passa a imitar
Di Cavalvanti”. Um Jessé apressado, contando o dinheiro que havia apurado, me diz
sem a menor dúvida: “Eu não estou imitando Di Cavalcanti, coisa nenhuma. Agora
ele, sim, que copia Gaugin. É ou não é? Tchau, visse!” Fiquei pasmo com aquela
saída.
Dali em diante, o que mais vi foi telas de Jessé retratando
mulatas. Esta acima (1973) é da minha coleção. Acho linda, olhar triste no infinito.
Logo, Jessé passou a ser chamado o pintor das mulatas. Ele “aprimorou” as figuras e deu formas mais rebuscadas. Certo dia chegou contente me falando da tela que pintou para ilustrar o programa de um congresso de oftalmologia, aqui no Recife. O cliente pediu que fizesse uma tela com uma mulata bem estonteante e com os olhos bem expressivos. Fazia sentido porque o negócio era com um oftalmologista. Foi quando apareceu a primeira mulata com olhos imensos, luminosos e amarelados, azulados ou de outras nuances. Eu não gostei da novidade, mas, teve quem gostasse. Ele próprio nunca mais abandonou esse detalhe. Veja a foto a seguir.
Logo, Jessé passou a ser chamado o pintor das mulatas. Ele “aprimorou” as figuras e deu formas mais rebuscadas. Certo dia chegou contente me falando da tela que pintou para ilustrar o programa de um congresso de oftalmologia, aqui no Recife. O cliente pediu que fizesse uma tela com uma mulata bem estonteante e com os olhos bem expressivos. Fazia sentido porque o negócio era com um oftalmologista. Foi quando apareceu a primeira mulata com olhos imensos, luminosos e amarelados, azulados ou de outras nuances. Eu não gostei da novidade, mas, teve quem gostasse. Ele próprio nunca mais abandonou esse detalhe. Veja a foto a seguir.
Como sempre fui atento para seus trabalhos, terminei
adquirindo alguns que marcam algumas passagens da vida do artista. Entre
outros, tenho o que ele retratou um atropelamento que sofreu, em 1980, saindo com
uma das pernas fraturada. Vide foto a seguir. Isto, hoje, é parte da história
que se pode contar desse louco pelas tintas e pela arte de pintar.
Agora, que Jessé se encantou no infinito da eternidade,
deixando seus trabalhos espalhados por
uma infinidade de residências, escritórios, repartições publicas do Recife e de
muitas cidades do Brasil e algumas no exterior, começam a surgir conversas
enaltecendo o artista. Entender a humanidade é coisa muito complexa. Soube,
até, que algum curador ou marchand de tableaux pretende fazer uma exposição dos
quadros de Jessé, num reconhecimento ao talento do louco e folclórico pintor
que vendia suas obras por aviltados preços e de forma indiscriminada. Coisa
típica de artista autêntico e sem interesse mercantilista. Jessé, como bom
artista, tinha sede de usar os pincéis, misturar as tintas e aplicá-las numa
tela. O preço, o valor, era o de menor importância. Pobre Jessé. Tomara que
esteja pintando mulatas, florais e casarios no infinito paraíso.
NOTA: As fotos são do Blogueiro, exceto a do próprio pintor que foi obtida no Google Imagens, cujo autor é Julio Leite
14 comentários:
Pois colega,
Quando da vez passada chegamos ao Recife soubemos do falecimento dele,o que tive muita pena, pois sempre gostei dele e tenho três lindas telas dele. Uma delas,a das mulatas, linda e comolhos esfusiantes que adoro... Mas um dia eleme disse que Gerusa, sua filha, também pintava, mas não sei onde ela vive. Gostaria de saber e já pedi a um amigo que o conhecia que a descubra para mim.
Abraços nossos diretamente de Venza...
Caro companheiro. Mais uma vez concordo plenamente com suas observações a respeito desse artista, cuja vida tocou a minha, inclusive, quando tentou que a filha enveredasse por seu caminho, pintando o casario conjugado do bairro de São José, no Recife. Acredito que a menina não conseguiu. Conheci Jessé nas mesmas condições que você. O companheiro na Sudene e eu na Chesf. Na época, quando eu era professor de História da Arte, na UNICAP, adquiri inúmeras telas, uma das quais faz parte da minha modesta "pinacoteca", e outras criadas por ele, estão nas casas de meus filhos. Acredito que ele nunca se valorizou porque produzia sua arte para sobreviver e assim, como você diz, comercializava sua arte a preço de banana para satisfazer suas necessidades básicas. De uma coisa tenha certeza. Agora, depois de "encantado", surgirão muitos críticos para interpretar a sua obra porque vão sentir sua falta. A pintura pernambucana, com a morte de Jessé, perde um pintor que não foi compreendido a exemp´lo de Lauro Villares, eternizado em um livro sobre o Recife por ocasião do sesquicentenário da cidade, o qual foi lançado na cidade do Porto, em Portugal, em 1987. A crítica é cruel muitas vezes e por conta disso, os gênios não são compreendidos em sua própria época. Abraços, Arlégo.
Caro Girley,
É por demais gratificante receber artigos que compõem o Blog do GB.
Elegante, Organizado, muito bem escrito, consequentemente propiciando momentos de satisfação bem como reflexão.
Agradeço a atenção de continuar recebendo.
Sucesso e muita inspiração aos próximos.
Atenciosamente
Lula Perman
Caro Girley:
Fiquei com muita pena pela noticia do falecimento do Jessé. Conheci a ele lá pelos anos 80, na SUDENE, quando concorria a vender suas obras, e se mal não lembro, ele chegou até meu escritório conduzido sob a sua recomendação. Seu perfil de artista é tal como você o descreve: amante de sua profissão, folclórico, pitoresco e desinteressado pelos bens materiais. Guardo exposto numa das paredes da minha casa, um dos seus quadros, da série das “mulatas dos olhos faiscantes”, que me lembrará para sempre a figura, a vida e a obra de tão interessante personagem pernambucano.
Abraços de Veneza, na Itália.... no meu comentário faltou uma letra..
Saudações, tenho uma tela pintada pelo Jessé, essa tela tem no minimo uns 30 anos, gostaria saber se as teleas desse pintor tem algum valor financeiro. Contato: (84) 98126.0681 ou email: marcyo@hotmail.com
Essa semana houve um leilao de obras de arte aqui em Belo Horizonte, oriundas da massa falida do Banco Rural, consegui comprar algumas e dentre elas 3 obras do saudoso Jessé..
Tenho vários quadros dele gosto muito da sua técnica,os críticos são pessoas frustradas, gostaria de saber em que ano este gênio se foi deste planeta.
Caro Girley
Tive o imenso privilegio de conhecer este grande e simples artista, você descreve exatamente o perfil de Jessé, trabalhei no Aeroporto Internacional dos Guararapes nos anos 90 e conheci algumas de suas telas o qual fazia questão de me mostrar pois eu sempre elogiava, fiquei imensamente feliz ao descobrir este post, obrigado por você ter me produzido esta alegria!
Erivaldo Albuquerque
Minha familia morou alguns meses em Recife durante o ano 1980.Meu marido me deu de presente um quadro de Jesse da epoca que ele comecou a pintar as mulatas com olhos de cores estranhas e tambem uma tapecaria bem colorida de frutas tropicais , com as las amaradas aos espacos que eu deveria usar quando cobrisse o desenho que ele criou na canvas .Agora me veio a ideia de saber porque nos comentarios feitos sobre os trabalhos de Jesse nao encontrei nada sobre tapecaria,embora a assinatura dele na canvas e autentica.
Ficaria grata se alguem pudesse me informar sobre alguma trabalho dele em tapecaria.
Uma baiana saudosa
Tenho uma tela 100 x 0.80 , assinado por Jessé. Gostaria de saber se diz respeito à este mesmo Jessé.
Alguém pode mostrar um quadro assinado por ele?
Tenho uma tela de uma mulata pintada por Jessé e assinada por ele. Queria vender
Boa tarde! Recebi de herança uma tela do Jessé. Tenho uma foto dela com o Sr. Edgar Pessoa de Queiroz, que o senhor deve conhecer o nome da família. Gostaria de uma ajuda para avaliar e ver se a família Pessoa de Queiroz gostaria de algumas fotos que tenho dele. Se puder me ajuda, segue meu e-mail: claudiopessanha.tst@gmail.com.
Desde já agradeço.
Conheci ele quando na minha infância e sei que se hoje sou um pintor, devo a minha inspiração a ele. Vi ele pintar várias telas onde morou no sítio grande, hoje nova muribeca. Não tenho nenhuma tela dele.
Postar um comentário