Ir ao Chile e não visitar uma vinícola é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa. O vinho chileno, produzido desde o século 16 pelos colonizadores espanhóis, é classificado como um dos melhores do mundo. Com condições climáticas e solos propícios o país vem aprimorando, ao longo desses séculos, sua produção e colocando-a nas adegas mais exigentes do planeta.
Sem dispor de muito tempo e tendo que cumprir uma programação intensa em Santiago, coube-me revisitar, e guiar meus familiares, uma das mais famosas produtoras de vinho, a Concha e Toro, situada nas proximidades da capital chilena.
O local está bem preparado para receber o turista e diariamente promove inúmeros tours, passando pela antiga sede da empresa – o monumental palacete de Dom Melchor Concha y Toro (foto acima), construído no século 19 –, pelo cultivo das uvas, pelas bodegas centenárias e, por fim, por uma rodada de degustação de vinhos brancos e tintos, destacando-se o mais famoso deles, o Casillero del Diablo. O final da visita – como não poderia ser diferente, que eles não são burros – é numa loja de sourvenirs, sobretudo vinho e um restaurante em anexo.
A historia da Concha y Toro começou quando o empresário e político Dom Melchor resolveu, em 1883, trazer algumas cepas de nobres uvas da região de Bordeaux (França), para cultivo nas suas terras de Pirque, no vale do Maipo. Trouxe também um enólogo (Monsieur Labouchere) encarregado de produzir os melhores vinhos possíveis. Desde então, a produção só fez crescer e a vinícola é hoje uma das maiores exportadoras de vinho da América do Sul, com presença em mais de cem países.
Visitar uma vinícola pode não ser uma novidade para muitos. Eu mesmo já estive em várias outras, mundo afora. Mas, o interessante é saber que cada uma tem uma história, quase sempre pitoresca, a ser contada e na Concha y Toro não é diferente.
Um dos pontos pitorescos de lá está na explicação da denominação do vinho Casillero del Diablo. Não há duvidas de que se trata de um nome insólito para uma bebida de tão boa qualidade. Traduzindo ao português, a denominação seria Carcereiro do Diabo. Que diabos de denominação é essa? Sempre perguntei. Somente agora tomei conhecimento da origem desse nome.
Conta-se que Dom Melchor construiu uma bodega especial, no subsolo da vinícola, mais ou menos 8 metros abaixo do nível normal, onde a temperatura é constante e propicia à conservação do produto. Como todo vinho ali guardado era o de melhor qualidade, começou a surgir “sócios”, surrupiando as melhores garrafas. Eram camponeses e empregados da própria vinícola que viviam nas redondezas.
Ciente das crendices e da religiosidade populares, Melchor criou um boato, que logo se espalhou pelo Vale, de que o Diabo andava, também, pela sua bodega especial roubando vinhos e que ele estava tratando de flagrá-lo com a “mão na botija” para aprisioná-lo.
Nunca mais lhe roubaram vinhos. Nasceu daí a denominação do mais famoso vinho da Concha y Toro. Numa jogada de marketing, a empresa colocou num compartimento do fundo da bodega, a projeção da imagem de Lúcifer, atrás das grades. (Vide foto abaixo). Eu dei graças a Deus por vê-lo preso lá no Chile. Só assim ele não vem atazanar nossas vidas aqui no Brasil. Sai prá lá Satanás... Cruz, credo. Outra coisa interessantíssima dessa bodega é sua concepção arquitetônica. Uma beleza secular construída, pasme, com argila, cal e argamassa feita com claras de ovos! É uma informação que surpreende a todos que andam por lá. Não tive dúvidas de perguntar quantos ovos foram quebrados nessa construção. “Não se sabe quantos ovos, mas temos pena das galinhas...” respondeu a guia. Pelo tamanho da adega, é incalculável a quantidade de ovos que foram quebrados para construir aquele prédio. É uma beleza.
Gozado é que eu tinha ouvido falar desse tipo de argamassa muito usada na construção de mosteiros na Europa. Pensei que era fabulação e não é! Dizem que, em Portugal, as monjas tinham tantas gemas de ovo sobrando que terminaram criando guloseimas, até hoje famosas, entre as quais uma delicia que se chama de Toucinho do Céu. Se o leitor não conhece, procure conhecer e veja como é bom. Tem uma coisa: é o maior volume de colesterol que se pode ingerir de uma só vez. Portanto, cuidado. Coma com moderação.
NOTA: Fotos do Blogueiro: o Palacete de Dom Melchor e o Diabo preso na Adega.
sexta-feira, 6 de março de 2009
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5 comentários:
Caro Girley
Quantas informações e lembranças que você me traz da Concha y Toro.Eu a conheci em 1968 quando morei em Santiago. A qualidade do vinho continua a mesma ou talvez melhor agora. Lá aprendi a gostar de bons vinhos e das comidas com os bichos do mar que você já comentou.No Chile tambem aprendi a ver a América Latina com nossas histórias semelhantes e suas diferenças.Um abraço Joe
Girley,
Seu blog é cultura. Parabéns!
Excelente reportagem, Girley. Abro o seu blog na certeza de uma boa leitura, sempre.
Um abraço.
Wilame Jansen.
Girley:
Muy interesante tu historia, también en México es de los vinos más consumidos y muy apreciado.
En cuanto a la construcción en la época prehispánica aquí en México ya se utilizaba, entre otros, ese tipo de pegamento, no necesariamente era de gallina, seguramente de guajolote (pavo). Te voy a mandar información.
Te quería proponer que hables de las selvas de Brasil y su desforestación, que se esta haciendo para terminar con eso o como se sustituye en caso de que se requiera.
Me encanta leer cada lunes tu artículo.
Besos. Susana González
Girley,
É como disse o Sr.Evandro, leitor e comentarista do seu blog: seu blog é CULTURA! Eu, particularmente, aprendo mais a cada dia.
Beijo.
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