Bastião (nome fictício) é deficiente físico – anda com ajuda de muletas rudimentares – e fez da “profissão” de pedinte seu ganha-pão. Seu “estabelecimento comercial” é num movimentado cruzamento, no bairro dos Aflitos, Recife. Todo santo dia o sujeito está por lá pedindo um trocado aos que param em atenção ao semáforo e, dessa forma, ganha a vida e sustenta uma família de vários rebentos. Só vendo como o pobre “trabalha”. Acho que tem o sovaco mais sofrido da cidade.
Penalizado com o infeliz ofereci, certo dia, uma oportunidade de emprego na fabrica de vassouras de um amigo. Salário mínimo, carteira assinada, INSS, FGTS, vales transporte e refeição, cesta básica, salário família e tudo mais que um trabalhador formal recebe. Para minha surpresa recebi um tremendo NÃO. “Tá brincando dotô... saláro mínimo? Tô fora! Dá não... aqui eu tiro muito mais...” O sinal abriu, passei uma primeira e segui minha trajetória, abestalhado com o que ouvi e disposto a nunca mais, digamos, colaborar.
Passado algum tempo, na época em que mudaram o transito na área e o fluxo de veículos diminuiu, parei meu carro atendendo ao sinal amarelo de atenção e lá me vem Bastião com uma insólita conversa. A coisa foi mais ou menos assim: “Dotô, tudo bem? Colabore aí, hoje. Tô meio atrapaiado. A loja mandou me dizer que tô inadiprente... Acontece que o movimento por aqui diminuiu muito, só passa carro prum lado e o movimento tá ruim demais. Deixei de pagar três prestação da televisão e da geladeira... parece que vão lá em casa tumar tudo de vorta.”
Nem preciso comentar o tamanho do meu espanto. O cara estava me explicando o motivo da sua inadimplência na praça! Um simples esmoleiro! Quase não acreditei no que ouvi. Ainda de olhos, certamente, bem arregalados escutei a melhor parte: “Dotô, eu sei que o Sinhô é devogado, por favor me ajude...” Respondi, apressado, que não era Advogado, que era Economista, passando uma primeira e partindo. Ainda deu tempo de vê-lo com olhos arregalados, bem espantado, e exclamando: “Vixe Dotô! O Sinhô é comunista! Nunca pensei!” Dali prá frente ele não quis mais negócio comigo. Quando eu passo por lá, ele olha desconfiado... deve dizer, lá vai aquele comunista. E, continua por lá. Há, pelo menos, 30 anos. Isto é um exemplar retrato do Brasil!
Nota: Imagens colhidas no Google Imagens
domingo, 2 de novembro de 2008
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11 comentários:
Companheiro GIRLEY, estamos ligados a “picaretagem financeira” e nela vamos viver por força da mídia. Você viveu à “crise” em frente ao sinal.Não tecer comentários sobre ela.
Pensou no companheiro Mariberto que perdeu um bom funcionário (acredito) mas a “oferta salarial” de um mínimo nem esmoler aceita. Todas sabem que o “trabalho de pedinte” ( autônomo) nos sinais rende bem .
No caso – possível deve ter comprado “TV a Plasma 40” e uma Consul abastecida no Wall... Tens duvidas. A “crise “ dele acredito que deve-se a campanha da igreja e do próprio governo. Muitos aceditam que “dar aos pobres é emprestar a Deus” ( mas jogam na bolsa celestial).ABRAÇOS
Carlos Antonio (RC Casa Amarela)
Companheiro GIRLEY, estamos ligados a “picaretagem financeira” e nela vamos viver por força da mídia. Você viveu à “crise” em frente ao sinal.Não tecer comentários sobre ela.
Pensou no companheiro Mariberto que perdeu um bom funcionário (acredito) mas a “oferta salarial” de um mínimo nem esmoler aceita. Todas sabem que o “trabalho de pedinte” ( autônomo) nos sinais rende bem .
No caso – possível deve ter comprado “TV a Plasma 40” e uma Consul abastecida no Wall... Tens duvidas. A “crise “ dele acredito que deve-se a campanha da igreja e do próprio governo. Muitos aceditam que “dar aos pobres é emprestar a Deus” ( mas jogam na bolsa celestial).ABRAÇOS Carlos Antonio (RC Casa Amarela)
Girley - Homem de Deus!
Depois de ter almoçado diante de uma placa com seu nome, em restaurante de bom movimento, encontro esse primor de crônica. Você conseguiu fazer do cotidiano um texto ameno e gostoso, dando conta do que sucedeu e sucede nas ruas deste Recife buliçoso.
Ótimo!
Geraldo Pereira
É caro Girley,
Aconteceu comigo também.
Alguns anos atrás , quando estava para inaugurar nossa clínica, passei mais uma vez pelo sinal e ofereci um emprego ao dito aleijadinho das pernas finas (cruzamento Rua Amélia x Rua do Futuro). O mesmo me respondeu depois de alguns dias:
Desculpe doutor, aqui não tenho hora prá chegar e sair, não tenho patrão e ganho muito mais que o salário...Prefiro ficar pedindo.
Fiquei com cara de besta só em pensar que todos os dias passava por lá, dava uma pequena ajuda e tinha uma pena danada do coitado!!!
Paulo Miranda
É verdade, Girley, nesse país, nem mendigo quer ganhar o salário mínimo.
Tá louco, seu Dotô, aqui eu tiro muito mais... se fizermos a conta por baixo 30,00 reais de moedas ao dia um mendigo no sofrido nordeste brasileiro ganha 900,00 e dá sim pra ter as coisinhas que fazem tão bem a qualquer mortal, TV, DVD, geladeira e porque não?!?
Um grande abraço da amiga, Mary.
Girley, você não tem noção de quanto faturam estas pessoas. Evidentemente que não são todas, o sucesso depende do espírito empresarial, carisma, etc. O Sebastião quando se estabeleceu naquela área era jovem, hoje tem cabelos grisalhos.
Lembro de uma “empresária” na década de 60, estabelecida na calça da Avenida Guararapes, próximo ao BB, que todos os dias, por volta das 7:00 h, chegava de táxi. Tem outro, nas Graças, que me faz lembrar sempre da estória do médico que se prontificou em tratar a perna (com visual terrível) de um desses “empresários” – ele disse: faça isto não “dotô”, o “senhô tá lôco”, “qué” “acabá” comigo, tirando meu ganha-pão?
É isto aí, “ce sont les choses de la vie”.
M. Aurélio
Prezado Girley.
Precisou que “Bastião” descobrisse sua verdadeira ideologia (“comunista”) para eu entender sua torcida pelo camarada “Moa”.
Parabéns pelo gostoso relato “tragi-cômico” que demonstra a face oculta do desemprego estrutural do Brasil.
Um abraço.
José Otávio.
Girley,
muito bom.
Beijo de Maria
Amigo Girley, penso que pode ser sugerido ao homem do sovaco mais sofrido do Recife ,que mude de ponto ,quem sabe próximo do estádio do glorioso Santa Cruz ,(time do grande Alexandre Valença ) Acho que pode ser mais lucrativo ! Pelo menos até 2010.
Abs. André Mozetick
Girley , igual ao que você falou em sua bonita cronica, tem vários,em diversos locais do Recife. No Banco do Brasil, ag. Recife Centro ou Marco Zero , tem o famoso Cabeleira, na escada, com flanela na mão, de sandália japonesa velha, roupa suja e costurada . Parece um liso, morto de fome que dá pena a todos que por lá passam no dia a dia. Cabeleira é cria do Banco do Brasil, porque atua por lá desde o ano de l962, na inauguração daquela agência, onde eu e João Alberto Sobral, seus amigos, tomamos posse no início de l964. Há mais ou menos 20 anos, Cabeleira me procurou e disse que precisava tirar certidão de nascimento de um novo filho,se não me engano,tinha mais de 11, de mais de uma mulher. Ele, morava para as bandas de Cavaleiro. Então solicitei documento e conta de luz com endereço para ver como iria ajudar.Dias depois, tudo me entregou, numa pasta bonita, tudo muito bem organizado. Neste espaço de tempo, uma senhora vendedora de bilhete de loteria federal, também, com mais ou menos o tempo de Cabeleira, circulava em todas as dependências do banco, gente boa, simpática, sempre chorando a situação financeira,rtc.., querida pelos funcionários do BB, me disse:Cabeleira mora perto de mim e tem casa,com terreno grande, tv, carro, tudo do melhor . Vá até lá checar a situação real. Acreditei nela é fui num dia de semana até o endereço fornecido e lá encontrei tudo do bom e do melhor, inclusíve,a mulher dele naquela casa disse que na outra casa (da amante)também tinha igual a ela que era a mulher ofícial.Detalhe importante, Cabeleira vivia só pedindo dinheiro e nem tomava direito conta dos carros nem passava a flanela para limpar.E assim ainda vive até hoje, passando dos 70 anos e bote força. São coisas da vida. Abraço amigo, Luiz Felipe Moura
Estimado amigo Girley:
Excelente o seu artigo!
Vivemos no dilema: se ajudamos, concedendo esmola, fomentamos a
mendicância: se nos omitimos, a consciência forjada pelos valores
que abrigamos, ou que nos impuseram, começa a doer.
Você, tentou uma terceira via e deu no que deu!
É a realidade da vida.
Um cordial abraço de
Lucas
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