Tem gente que adora perturbar a população espalhando boatos calamitosos, metendo medo nos inocentes e ignorantes. São verdadeiros fabricantes de pânicos. Por incrível que pareça existem uma imensa parcela de pessoas que caem no conto e embarcam de cabeça na onda da boataria.
Hoje ocorreu um desses casos. Circula na Internet (que se presta para isto, como nada antes na história deste país) um boato de que o gigante acelerador de partículas, inaugurado hoje, na fronteira entre a França e a Suíça (foto ao lado), vai servir de acelerar a velocidade de rotação da Terra, ao ponto de arremessá-la num buraco negro no firmamento, que vai sugar o planeta num abrir e fechar de olhos. Com outras palavras: o mundo vai se acabar! Pense no desespero que se espalhou, em certas camadas sociais, pelo Brasil afora. Sintonizando uma dessas estações paulistas, que transmitem programação para o país todo, escutei depoimentos patéticos, estimulados por locutores cínicos, de um Programa denominado Pânico. Fizeram do assunto a festa do dia, na emissora. Entrevistaram pessoas na rua, em casa, no comércio, entre outros lugares e, somente no final, um cientista que colocou as coisas no devido lugar.
Se bem entendi a tal máquina que foi acionada esta manhã, lá na Europa, chamada de Grande Colisor de Hádrons, é uma versão gigantesca de muitas outras espalhadas no mundo, inclusive no Brasil, que se prestam para desvendar os mistérios das menores partículas que existem na natureza, incluindo o corpo humano, com finalidades das mais diversas a serviço do homem. Este Grande Colisor, instalado a 120 metros de profundidade e num túnel cilindrico de 27 Km., foi construído para desvendar os mistérios do universo. Pense no tamanho dessa máquina, que foi batizada, pelos boateiros, de Máquina do Fim do Mundo. Haja criatividade!
Esse negócio de espalhar o pânico é uma brincadeira de muito mau gosto e irresponsabilidade. Vez por outra, marcam uma data para o mundo se acabar. Quando era menino, fiquei apavorado com uma dessas ondas. Os mais velhos falavam com tanta seriedade que quase não durmo na véspera do fim do mundo. Não faz muito tempo, ocorreu um desses boatos. Meu filho mais novo, ainda inexperiente, veio, meio conformado e triste, me dizer: “Pai, que pena, eu sou tão novinho, ainda, e o mundo já vai se acabar. Quase não aproveitei o mundo. Será que vão dar um jeito?”. Tive vontade de rir, mas, ao invés disso, abracei meu inocente e procurei tranqüilizá-lo. Fala-se que, nessas ocasiões, as orientadoras psicológicas das escolas primárias têm muito trabalho para acalmar a garotada. Imagino, porque o coletivo infantil é uma parada.
Quem viveu a passagem do ano de 1969 para 1970 deve lembrar que espalharam o boato de que os indivíduos de cor negra virariam macacos no romper do ano novo. Nós tínhamos em casa uma secretária preta, atuando na nossa cozinha, que não gostou nada de viver aquela situação. Meus irmãos pequenos ficaram penalizados com a Severina, ao mesmo tempo que esperavam ansiosos, e no maior frisson, a passagem do ano para vê-la saltando de um lado para outro, arrastando um rabão (ela tinha nádegas imensas) pela cozinha e descascando uma banana atrás da outra. Pense na marmota. Na casa da minha Tia Ritinha, Miroucha, cria da casa, de cor morena bem queimada, a meia-noite do dia 31 de dezembro de 1969, trancou-se no banheiro e para arrancá-la de lá, para festejar o ano novo, foi uma mão-de-obra. “Mira, minha filha, saia prá fora... ôxente menina, tu num tais vendo que num aconteceu nada contigo. Num tá vendo não?” implorou minha tia, por muito tempo, batendo à porta do banheiro.
Pois é... naquele ano, os negros, graças a Deus, continuaram normais e o que restou do episódio foi, apenas, a lembrança e uma marchinha de carnaval, cantando o boato.
Outro pânico, inesquecivel, foi o do boato do estouro da Barragem do Rio Tapacurá (foto ao lado), em 1975, na entrada do Recife. Este, nem é bom lembrar. A cidade virou um hospício generalizado, diante da perspectiva de ser invadida por uma descomunal massa de água, que dizimaria a população. Mães abraçavam os filhos e se despediam do mundo. Carros eram abandonados nas avenidas. Gente caia pra trás e morria de colapso cardíaco. Outros queriam se suicidar para não sofrer o afogamento. O Hospital de Pronto Socorro bateu o recorde de atendidos e de não atendidos. Um caos geral, dirigido pelos fabricantes de pânico. Quanta perversidade e irresponsabilidade.
Pena que seja difícil identificar pessoas desse gênero, porque para eles só há um destino adequado, que é a cadeia e por muito tempo.
Nota: Fotos do Google Imagens
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
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9 comentários:
Girley
Junte os fomentadores de Pãnico com os que praticam a teoria da conspiração que você tem um magote de gente ruim para botar na cadeia.
Para almentar a sua lista de pânico tem a notícia famosa da invasão da terra por marcianos transmitida por Orson Welles nos EUA.
Aproveito para lembrar o final da temporada este fim de semana,13 e 14, às 16:30Hs no Teatro do Parque, do O Quebra Nozes No reino Do Meio Dia
Um abraço Joe
Amigos,
O Diário de Pernambuco de hoje (11.09.08) traz, ao lado da noticia do acelerador de particulas europeu, a do suicidio da adolescente Chhaya, de 17 anos, em Nova Delhi (India)com medo do fim do mundo, depois de assitir na TV as noticias do primeiro teste da "máquina do fim do mundo" européia. (Caderno D4 do Diário).
Como se pode ver, o boato já roda o mundo, antes de chegar ao Brasil.
GB
Oi Girley,
Estou recebendo....que maravilha!!!! Essa história de que os negros virariam macacos, eu não conhecia... Como também seu inquestionável talento para escrever.
Beijos,
Mônica Mercês
Oi Girley,
Estou recebendo....que maravilha!!!! Essa história de que os negros virariam macacos, eu não conhecia... Como também seu inquestionável talento para escrever.
Beijos,
Mônica Mercês
Olá, Girley!
Adorei o texto!
Muito bom conhecer outros boatos.
O fato é que eles sempre existirão, seja para divertir alguns como ocorre com a turma do Pânico e dos seus ouvintes, seja para colocar um pouquinho mais de "aventura" nas nossas vidas ou aterrorizar boa parte da população.
Mesmo de longe, estou he acompanhando!
Beijos, Rapha!
Girley:
Você é fantástico!
Ri demais agora relembrando o ano em que os negros vivariam macacos. Tenho irmão negro e sofri demais imaginando-o tornar-se macaco. Veja bem, eu na época já tinha 27 anos, era "letrada" e acreditava piamente nessa estória. Quando começou a passagem do ano,fiquei de olhos fechados com medo de ver o estrago.
Quanto a enchente de 1975, fui vítima dela, pois estava grávida de 9 meses e diante de tantos boatos, entrei em trabalho de parto e quase minha filha nascia na rua porque as maternidades estavam alagadas, foi um sufoco!
Rinalva Silveira
Poxa, Girley! Justamente essa quarta estava jantando com um primo meu que é engenheiro e comentamos sobre o sensacionalismo que se faz por cima de boatos infundados. Ia justamente comentar a morte da menina indiana, horrorizada ao ver a notícia na televisão. O próximo "fim do mundo", que vem de 6 em 6 anos, calculo eu, provavelmente falará que os pacientes que foram cobaias no uso de células tronco virarão zumbis comedores de cérebros e carne humana. Heheheh.
Brilhante texto!
Abraço
Girley, perdi o bonde do comentário. Eu só quero tirar uma dúvida. Aquele infeliz boato sobre os negros não foi de 1959 para 1960? A sua origem foi uma música carnavalesca, se não me falha a memória, de Nelson Ferreira (negro) e Sebastião Lopes - “Dizem que em 60/ negro vai virar macaco/ ora vejam, só, que grande confusão/..../penca de banana vai custar um milhão/...” Apesar dos meus 16 anos, na época, tomei como piada de mau gosto.
Marcos Aurélio
Girley
Visitar o seu blog é sinônimo de diversão, deleite e aprendizado.
Até antes de ler a sua matéria sobre o concerto em Gravatá,
eu imaginava que fondue era uma palavra masculina.
Mas, você mostrou que não. Esta eu não sabia, como não sei tantas coisas.
Agradecida mais uma vez.
Passei uma mensagem para vários amigos meus visitarem o seu blog,
fazendo destaque para a matéria dos boatos.
Como me delicio lendo o que você escreve!
Continue escrevendo, pois esta é uma forma maravilhosa de fazer
as pessoas felizes. Parabéns!!!
Rinalva Silveira.
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