quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

O COMANDANTE SE RETIRA E NASCE O MITO.

Os jornais de hoje, no mundo inteiro, não falam de outra coisa, a não ser: “Fidel Castro renuncia e se recolhe”.
Os spots se apagaram, o pano caiu e o astro se retirou, virando uma página, cheia de controvérsias, da recente História das Américas. Chegou ao fim uma Era, neste lado do mundo. Por mais que queiramos criticar, o Comandante Fidel gravou seu nome na História. Virou um mito (é o que dizem) e o mundo não vai esquecê-lo. Fez escola, colheu flores, por um lado, e espinhos, por outro, ao longo da sua trajetória governando – com mão de ferro – a aprazível ilha caribenha.
Foram quase 50 anos de resistência e persistência. Neste 19 de fevereiro de 2008, diante de um mundo surpreso, o povo cubano se acha dividido e postado, digamos, numa encruzilhada do destino. A nova geração cubana, que ainda não sabe o que é democracia, deve estar perplexa e cheia de interrogações. O que vai acontecer agora?
Acompanhei, desde garotão, as façanhas e peripécias de Fidel e, também, do seu camarada Che Guevara.
Por voltas dos 20 anos de idade, e entendendo melhor a história, fiz parte de uma mocidade que admirava e se encantava com esses dois personagens. Coincidentemente, fui mandado pela SUDENE (onde eu já dava meus primeiros passos profissionais) para um treinamento na Escola Interamericana da Zona do Canal do Panamá, um enclave norte-americano no istmo centro-americano, com o objetivo de administrar o canal inter-oceânico e manter uma base militar estrategicamente situada. Fui fazer um curso de cartografia, inútil para meu futuro como economista, mas, válido como experiência de vida.
Foi ali, distante do Brasil, que descobri o tamanho da coisa que envolvia o nome e a figura de Fidel. Numa zona dominada pelos americanos, percebi melhor as reações contra estes e a admiração pelo Comandante em Chefe de Cuba. Nas rodas de bate-papos, nas conversas de bares, clubes noturnos, parques e sala de aulas, na Zona do Canal ou na Cidade do Panamá, o homem era venerado e incensado como um verdadeiro Salvador do Universo. Venezuelanos, colombianos, nicaragüenses, costa-riquenses, guatemaltecos, entre outros, não perdiam oportunidades de enaltecer as qualidades daquele homem, cheio de carisma e capaz de manter um grupo de latinos ao redor de um receptor de rádio, escutando os intermináveis discursos por ele proferidos, desde Havana. Fidel mantinha, acho que até hoje, uma emissora potentíssima para alcançar meio mundo. A turma se reunia nas salas de jogos do alojamento da Escola, sistematicamente, para este fim. Escutavam atentamente e, por muitas vezes, bradavam uníssonos, como torcidas em campo de futebol, gritos de guerra. “Viva Fidel”, “Cuba Libre” e “Abajo Tio Sam” eram os mais comuns. Ficavam horas a fio, escutando um discurso repetitivo e maçante. Eu dizia que aquilo era bem ao estilo cubano, tipo “O direito de nascer”. Ou seja , uma novela sem fim. Aquilo tudo me impressionava demais.
Sabedor das restrições que o governo militar brasileiro, da época, fazia ao Homem Fidel e sendo portador de um Passaporte (que conservo até hoje) com um ostensivo carimbo declarando “Não é válido para Cuba”, a única opção que me restava era tomar cuidado. Mesmo porque entre os colegas, treinandos brasileiros, havia oficiais do exército. Gente fina, mas, sem dúvidas de olhos e ouvidos bem abertos. Quem viveu aquela época sabe do que estou falando. Tempinho difícil para um jovem, sem ganas políticas, sedento de explorar o mundo. O que haveria de tão errado naquela Ilha? Por que tanto temor a este líder das novas gerações latino-americanos? Voltei ao Brasil sem respostas convincentes. Mesmo porque, naqueles tempos, esse tipo de resposta nunca era dado.
Mais tarde, cursando meu pós-grado na Universidade de São Paulo, deu para perceber a admiração da estudantada paulista, daquela época, pelas figuras de Fidel e do Che Guevara. Eram tempos mais difíceis ainda. Plena vigência do AI-5 e uma repressão assustadora. Mas, a turma não perdia a vibração e a vontade de resistir. Frequentemente, o DOI-CODE baixava. Naquele cenário lembro de duas figurinhas bem conhecidas, tempos depois: Zélia Cardoso de Melo, horrenda, com uma axilose desmedida, vestida de hippie e aluna da graduação, panfletando no saguão da Faculdade de Economia, e Aluisio Mercadante, treinando para a vida parlamentar de Brasília, presidindo o diretório acadêmico.
O tempo passou e, bem mais maduro, já no final da década de 80, em plena democratização do país, a mesma SUDENE me escala para prestar uma cooperação técnica internacional, junto a uma entidade governamental de fomento regional, na Venezuela, desenhada aos moldes da nossa agencia de desenvolvimento.
Parti para a Venezuela, cheio de orgulho e vaidade profissional, me fixando na cidade de Barquisimeto, capital do estado Lara. Nunca me passou pela cabeça, que nesse local fosse ouvir tanta exaltação a Fidel. Aquilo me deixou, outra vez, impressionado. Esse homem é, mesmo, um gigante. O tempo passa e ele se mantém cada vez mais firme e forte, pensei muitas vezes. Descobri que levas de técnicos venezuelanos estavam indo ou haviam regressado de Cuba, onde passavam por longos treinamentos, ministrados por especialistas russos e, mais, em idioma russo. Impressionante. Estudar russo era comum naquela comunidade cientifica. Fidel era um verdadeiro deus para aquela gente. Um ídolo.
Graças a essa experiência venezuelana, entendo, com facilidade, a atual relação Venezuela-Cuba ou Chávez-Fidel, que dá no mesmo. Naturalmente que o fim da União Soviética mudou muito esse quadro. Mas, o resultado está aí.
Quando vejo o que acontece atualmente em alguns países latino-americanos – Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua – vejo que o Velho Comandante fez escola. Uma escola fora de época e sem qualquer futuro, posto que segue um modelo testado e desaprovado. Uma quimera, portanto.
Ele, Fidel, possivelmente não terá tempo para se convencer do fracasso do seu modelo, o fim da sua escola e, quem sabe, se retira da cena para não ser testemunha ocular do ocaso da sua própria empreitada. Os exemplos da União Soviética ou da China não foram suficientes para convencê-lo.
O Homem sai de cena e o Mito ganha espaço. É assim que estão dizendo, mundo afora.
Para me assegurar melhor, consultei o dicionário Michaelis e vi que MITO quer dizer: “coisa inacreditável, enigma, utopia, pessoa ou coisa incompreensível”. Já pensou?


NOTA: Foto de Fidel, obtida no Google Imagens e foto do caribão "Não é válido para Cuba" do meu velho passaporte, que é, aliás, uma relíquia, testemunho de uma época.

5 comentários:

Geraldo Pereira disse...

Dessa vez, nobre amigo Girley, vou discordar de suas posições. Ditador algum pode se tornar um mito, sobretudo depois de ter executado 17 mil pessoas. O que ele fez de bom - a saúde e a educação -, faltou em liberdade para o povo e sobretudo em liberdade de expressão. Leia Wilfred Gadêlha - JC 20 de fevereiro - cujo título é: "Totalitarismo enfraquece os avanços sociais."
De mais a mais, Fidel apenas saiu de cena, permanece e permanecerá nas coxias.
O tema é polêmico. Valeu, então, o artigo.
Geraldo Pereira

Anônimo disse...

Meu caro amigo Geraldo,
Nós estamos com uma mesma idéia, pode crer. Eu acho o mesmo. Ao escrever (é o que dizem), quis mesmo pôr em dúvida essa coisa de mito. E, no final, ao transcrever o significado da palavra MITO, fiz de propósito, buscando provocar o leitor quanto ao conceito que possa ter sobre Fidel.
Ele de fato foi cruel desde os primeiros momentos.
Esse debate é bom. Tomara que outros se manifestem, também.
Meu abraço amigo, Homem de Deus.
Girley Brazileiro

Anônimo disse...

Girley,
MUITO INTERESSANTE sua materia sobre Fidel!!!!
É preciso ter vivido no tempo de entao para entender o mito. Discordo de Geraldo, Fidel é e por muito tempo será O MITO de enfrentamento aos tao poderosos yanques.
Vejo como desconheço o passado do meu amigo Girley e suas peregrinaçoes latinoamericanas!!! Talvez ainda comente mais sobre o Comandante, mas por agora me limito a mandar em anexo uma materia sobre o Canal do Panama - tb só quem lá esteve pode avaliar seu fascinio.
E quando vira seu blog com o tema Canal do Panama??? Ha um projeto avançado de amplia-lo, e uma firma brasileira participa da concorrencia.
Celina

phcosta disse...

Amigo Girley,
Você me fez sentir sua experiência, dada a riqueza de detalhes com que descreve àquela época.
Mas, me acho no dever de ofertar opinião mais contundente: Cuba hoje é o resultado de 49 anos de tirania, repressão e tolhimento dos direitos de liberdade, propriedade e justiça.
O que fico pasmo é que ainda há quem defenda e chame de "Mito Vivo" (elogiosamente!!) um dos maiores bandidos da história, que subjuga seu povo num massacre ideológico de meio século.
A renúncia de Fidel não tem qualquer repercussão nesta situação lastimável que vivem os cubanos, uma vez que seu irmão, que é igualmente um tirano ditador, assumiu o poder e assim se perpetuará a dinastia castro - cubana.
Não me admira ver os farsistas daqui louvarem Fidel. Sinto vergonha de ver meu país presidido por um calhorda que tem a audácia de venerar PUBLICAMENTE um bandido. Essa é mais uma desonra à minha nação, aos ideais republicanos e a democracia brasileira.

Girley, amigo, por favor me responda: - ONDE ESTÁ A OPOSIÇÃO NESTE PAÍS?????

Philipe Costa
phcosta@gmail.com

Anônimo disse...

Você tem toda razão na sua análise. Fidel é um nome que ficou na história do século XX. Seus erros foram muitos, mas os seus acertos também o foram. Acontece que as pessoas só vêm os aspectos negativos. Eu estive em Cuba, antes do final do regime comunista na União Sovietica, e o que vi foi um povo pobre, mas digno. Nessa época Cuba se abria ao turismo e nesse sentido havia cursos de inglês para todo mundo, de graça. Assisti a shows, um dos quais me impressionou - La Tropicana- com mais de 80 anos de existência, um verdadeiro espetáculo, de nível internacional.Tenho um vídeo.No hotel em que estávamos em Havana, nos finais de semana a boite abria e o povo cubano divertia-se pra valer. Até aprendi a dançar com eles a rumba, cumbia, sei lá o quê. Estive em Varadero, praia, num hotel tipo resort, com apartamentos, muito bom. Aliás, Varadero é muito bonito. Fiquei informada que na alta estação a preferência era dos cubanos. Estive também em Trinidad, a cidade mais antiga. Parecida com Olinda em alguns trechos. Assistimos apresentações folklóricas também semelhante às nossas, pela influência africana. Vi uma escola técnica de cítricos, onde os adolescentes permanecem durante a semana e vão para casa nos finais de semana. Lá aprendem todo o processo de produção, desde plantar, colher,e industrializar. As crianças que encontravamos brincando nas ruas estavam calçados e bem vestidos. Corriam para pedir chicletes. Falar da educação e da saúde, é dispensável, porque tudo já se sabe a respeito.Vi vários canteiros de obras e você tinha que ver o galpão dos empregados da construção, inclusive com cantina (bem parecido com os nossos, cujos empregados dormem entre o material de construção, e comem ao relento um feijão com arroz preparado ali mesmo, num fogão improvisado). As cidades são limpas e há muito o quê se ver. Lembro de uma farmácia centenária, com móveis, frascos e potes antigos, uma verdadeira preciosidade. Visitei o museu de Ernest Hermigway, muito bonito e conservado. O comércio é pobre, o artesanato é pobre, e isso o brasileiro acostumado a consumir não perdoa. Conversei muito com pessoas as mais diversas. Alguns mais velhos, insatisfeitos por terem tido seus imóveis imensos divididos. Outros, satisfeitos por não lhe faltarem nada. Não têm o supérfluo,mas têm o necessário. Vi o cartão de compras ( tipo cesta básica). Tem tudo, exceto verduras e frutas que podem ser adquiridas segundo o desejo de cada um. Calçados e roupas, tem uma cota anual para cada um. Ninguém anda maltrapilho. Enfim, são pobres, mas não miseráveis. Muito poderia dizer, mas seria muito longo. Quanto a ser considerado mito, ídolo, herói, isso fica por conta da imprensa que logo fez a sua manchete. Se ele é tudo isso para os cubanos, que seja. O que é inegável é que ele teve a coragem de depor Fulgêncio Batista que, macomunado com os Estados Unidos, fazia de Cuba um grande puteiro comandado pela máfia.O grande erro dos EstadosUnidos foi não apoiá-lo, e deixar que a União Sovietica assumisse suprir as suas carências.Isso está muito bem analisado no livro "Reflexões sobre a Revolução Cubana" escrito, com imparcialidade, por vários jornalistas internacionais.O fato é que, sem dúvida, Fidel Castro ficará para sempre na história de Cuba e do mundo. Beijos de Leo

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