terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Tragédia Anunciada

Impossível passar esta semana sem comentar a tragédia que arrasou a cidade de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, deixando centenas de mortos, desaparecidos e flagelados. Indiscutivelmente, uma tragédia anunciada e mais uma dor de tamanho nacional. Petrópolis, a cidade imperial, sofre historicamente episódios dessa monta e tem sido tema recorrente, inclusive neste espaço, com o agravante de que, a cada ocasião, os relatos se tornam mais dantescos. O desta semana vem sendo considerado como o mais dramático pelas proporções descomunais. Na verdade, como já referido, não se trata de uma novidade para a população da região serrana daquele estado fluminense. O Museu do Império, instalado na mesma Petrópolis, guarda registros do diário do Imperador Pedro II narrando, de modo apreensivo, ocorrências de alagamentos e severas enchentes na cidade, como quem anunciava o que se testemunha nestes tempos recentes. Isto, por volta de 1850! Pelo retrovisor ainda se enxergam fortes marcas de grandes tragédias, como as de 1971, 1979, 1988, entre outras, que ao longo dos tempos vem destruindo a tradicional e aprazível cidade serrana. Aliás, sem esquecer que, não apenas Petrópolis é castigada pelas intempéries severas da estação das chuvas, mas, também, por situações, não raras, semelhantes passam as belas cidades de Teresópolis e Nova Friburgo, no mesmo estado. Sem ater-me aos dolorosos números da tragédia desta semana, porque isto os meios de comunicações não param de mostrar, a cores e ao vivo, prefiro arriscar comentários sobre essa condição desafiante que vem sendo o viver no Brasil do século 21.
Tragédias como esta recente e outras mais, tão difíceis quanto, são a resultante de um país cujos governos, nos três níveis administrativos, pouco se preocupam, salvo raríssimas exceções, em adotar politicas sociais e de infraestrutura eficazes em apoio à sociedade como um todo e, em particular, a grande parcela dos menos favorecidos, através de ações diretas e fundamentalmente básicas. Curioso, porém, é notar que na ocasião de cada tragédia, belas ideias e ajudas financeiras aos vitimados se multiplicam, erros são constatados e promessas animadoras rolam. Tudo com verve politica e manipulação eloquente, logo esquecidas à medida que a situação se acalma, isto é, os mortos são sepultados, as casas são limpas e recuperadas, o comércio reabre e a cidade volta a se movimentar. Tudo é passado! As propostas corretivas são esquecidas e por “sorte” coincide com uma eleição de novos gestores e a memória coletiva cai na velha e carcomida vidinha utópica. O manso brasileiro alimenta sempre uma boa esperança. Bom, neste inicio de século, as grandes cidades brasileiras estão abarrotadas de pobres em condições de vida subnormal, consideravelmente agravadas em face da crise gerada pela Pandemia do novo Coronavírus. O processo de urbanização, iniciado na segunda metade do século passado, continua intenso e tende a se elevar. Conforme o IBGE, na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) realizada em 2015, a maior parte da população brasileira - 84,72% - vive nas áreas urbanas. O restante, 15,28%, vive nas áreas rurais. Tem sido difícil fixar o homem no campo devido a uma serie de fatores bem evidentes, dos quais destaco três dos mais expressivos: a) intensificação das correntes migratórias incrementadas pelos modernos meios de transportes, pelas vias de circulação abertas, interligando regiões e o advento das modernas formas de comunicação e facilmente disponíveis; b) jovens que decidem não mais viver aos moldes roceiros dos seus ancestrais e, sem tardar, procuram viver aonde amenidades, formação e progresso profissional, além de vida mais lúdica prometem ser melhor, e c) o progresso acelerado do agronegócio e a mecanização intensa das lavouras afugentando a grande parcela da população economicamente ativa que, juntando o útil ao agradável, procuram soluções nas grandes metrópoles e cidades de porte médio. Petrópolis é um exemplo concreto desse movimento e não está isenta deste processo socioeconômico transformador. O mesmo pode ser dito sobre muitas outras cidades bem localizadas no território nacional e que ofereçam oportunidades de viver ou, ao menos, sobreviver. O resultado é que cidades sem condições infraestruturais são literalmente invadidas por levas de migrantes que se viram, ao modo que podem, correndo os riscos da chamada urbanização selvagem, caracterizada por habitações subnormais, comumente em íngremes e frouxas encostas e sem autorizações devidas. Naturalmente que nunca será tarde para lembrar que, como pano de fundo, falta educação básica e noção de civismo dessa população (incluindo a classe politica) que vive de forma renitente anunciando tragédias.

9 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Belo texto, amigo. Bem pensado, bem pesquisado, informativo, se permitir assino em baixo. Abraços.

Nininha Brasileiro disse...

Grande e terrível tragédia infelizmente o sofrimento das famílias desaparecidas e muito triste.

Ieda Almeida disse...

Não aceito essa , de ajudar . Precisam resolver esse problema. Poder Municipal , Estadual e até Federal .

Geraldo Magela Pessoa disse...

Muito contextualizado , referências históricas, prejuízo s, econômicos, sociais e emocionas inseparáveis . No ensejo informo ao amigo que estou lendo sua postagem da Flórida, onde devo até 15/04 em visita a filha, neto e genro , para quem enviou a publicação do Blog do GB , com frequência . Parabéns por tão completa abordagem. Abraços

Simone Monte disse...

Parabéns!!!! Infelizmente a nossa memória é muito “curta”. Precisamos mudar isso.

Elizabeth Carneiro Leão disse...

Texto Excelente ! Sinto uma tristeza. Profunda com essa tragedia.

José Otávio de Carvalho disse...

Descrição e diagnóstico preciso do problema. Ausência do planejamento urbano, de políticas públicas para fixação do homem no seu habitat original, de programas demográficos e visão humanista de nossos governantes. Parabéns amigo Girley.

Jorge Fernando de Santana disse...

Girley, achei muito bom seu comentário sobre a tragédia de Petrópolis. Infelizmente, vivemos sob o tacão do imediatismo em todos os níveis e em todas as dimensões da aventura humana. Por isso mesmo, nossas lideranças tencionam apenas conquistar poder. O que fazer com ele nada importa. Não temos um projeto nacional (muito menos estadual e municipal). Não temos uma perspectiva de futuro. Como, então, podemos ter esperança? Parecemos condenados a viver, quando muito, de espera... Até quando?

Edson Junqueira disse...

Amigo Girley , não podemos chamar isto dr tragedia .
São fatos previsíveis .
Entendo que somente mudaremos quando o governante municipal fir responsabilizado por homicídio .
Não há outra firma de acabar com a irresponsabilidade
Grato

Haja Cravos

Neste recente 25 de abril lembrei-me demais das minhas andanças em Portugal. Recordo da minha primeira visita, no longínquo verão de 1969, ...