domingo, 6 de fevereiro de 2022

Sonho Interrompido

A semana que passou, excetuadas as futricas politicas intermináveis, o que marcou, de fato, a vida brasileira foi o bárbaro assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mais uma vez o abominável preconceito racial e suas nefastas consequências ganha as páginas policiais dos meios de comunicações brasileiros, com sérios rebatimentos no cenário internacional. A vítima chegou ao Brasil, junto com sua família, fugindo de uma sangrenta instabilidade politica vigente na Republica Democrática do Congo (RDC), após a guerra civil que ocorreu naquele país entre 1996 e 2003. Foi o conflito mais letal que o mundo assistiu, depois da segunda guerra mundial. O Congo é um país rico em recursos minerais e, ao mesmo tempo, paupérrimo socialmente falando. Tem um dos piores IDH registrados entre centenas de países. A origem dessa dramática história tem origem na época da colonização belga, que, ao desistir da colônia, deixou a população entregue ao abandono, sem mínimos meios de sustentação. Até hoje conflitos entre grupos armados e forças de segurança espalham o terror na população que sofre todo tipo de perseguição e atrocidades. Em jogo está sempre a busca pelo poder e do tesouro mineral do país. Entre 2000 e 2003 morreram cerca de 3,8 milhões de pessoas, a maioria de inanição e doenças endêmicas. A malária é o maior problema de saúde do país. A alternativa que resta para muitos congoleses é fugir para países vizinhos ou pedir asilo humanitário a outras nações. Este foi o caso de Moïse Kabagambe e sua família ao buscar asilo no Brasil.
Segundo o Comitê Nacional de Refugiados (Conare), o Brasil já recebeu mais de 850 refugiados do Congo que optam por viver em São Paulo e Rio de Janeiro, locais tidos como hospitaleiros e de grandes oportunidades. Nem por isso, esses refugiados – na ocasião gritante do assassinato de Kabagambee – deixaram de relatar fatos de preconceito racial aos quais vivem sendo sujeitos. As oportunidades com as quais sonhavam se resumem a serviços de faxineira, emprego doméstico, varredor, ou similares, mesmo para aqueles portadores de diploma superior e falar dois ou três idiomas. Todos recebem uma auxilio do governo que mal paga um humilde aluguel. Ao jovem Moïse coube uma “oportunidade” de trabalho numa barraca de praia, no Rio de Janeiro. Após trabalhar dois dias cobrou do “patrão” sua remuneração e, como pagamento, foi morto a pauladas. Pobre congolês! Coincidentemente terminei de ler o segundo volume da trilogia “Escravidão”, da autoria de Laurentino Gomes, onde o escritor, numa linguagem leve no estilo e duro nas narrativas, historia a situação do cidadão negro na formação da sociedade brasileira. Gomes fez um dos trabalhos mais completos que se tem conhecimento. Viajou pelo mundo afora, sobretudo pela África, colhendo dados e documentos para compor sua obra. Se no primeiro volume tive contrações estomacais e náuseas em certos trechos, neste segundo volume, que abrange o período da época da corrida do ouro em Minas Gerias até a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, pude me dar conta das infames raízes do preconceito racial neste Brasil. Recomendo a leitura da obra que já vai no segundo volume. É doloroso perceber que este estigma social nunca se apaga e que a sociedade pouco faz no sentido de exterminá-lo. A começar por muitos dos negros espalhados pelo país que, inexplicavelmente se diz moreno e nunca negro, como se isso fosse uma desonra. O assassinato desse congolês desponta como mais uma ponta de iceberg, numa sociedade corroída de preconceitos centenários que se perpetuam por gerações inconscientes e malvadas. As vozes que se levantam em denúncias parecem ser algo corriqueiro e sem relevância, tal como uma nuvem de fumaça escondendo uma realidade doentia e perversa. O sonho de Moïse Mabagambe, interrompido na flor da sua idade, deve ser sempre lembrado porque muitos sonham de modo igual. Seus algozes devem ser julgados e condenados, como uma lição a essa nação inconsciente e alheia aos grandes problemas sociais.

5 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Mais um belo texto, mestre Girley. Assino em baixo. Só duvido que cumpram penas longas. Vamos ver. Abraços.

Regina da Fonte disse...

Uma verdadeira aula!!! Gostei!
E me indignei, tremendamente com a atitude desumana que tiveram com esse rapaz.Nem animal faz isso! Animal mata pra garantir sua sobrevivência,pra comer....mas esses monstros matam por prazer,pra descarregar seu ódio,seu preconceito!Sem perdão,uma coisa dessas!

Ina Melo disse...

Parabéns amigo pelo texto humano e esclarecedor! Mais o que fazer com um País em que matar, passou a ter o aval do Presidente, quando permitiu que qualquer Zé Ruela comprasse uma arma?

Francisco Brito disse...

Texto curto e direto.

George Araujo disse...

Muito oportuna e boa essa matéria Comp. Girley.
O mundo atual prima por tudo que quebre os princípios conservadores e Cristãos, daí ser a vida algo cada vez mais desvalorizada. Falamos com relação ao aborto, o qual é mais uma das tristes e irracionais formas de controle populacional imposto por aqueles que querem forçar uma limitação populacional, pouco importando as consequências disto.
Tivemos agora recente o exemplo da imposição de experimentos que antes eram feitos em animais antes de por em riscos vidas humanas, mas que resolveram fazê-lo nos humanos, exatamente pelos mesmos motivos, isto é, se os efeitos nocivos levar a mortes, estas são simpáticas ao iluminismo/globalista doentio, que tem em seus mentores o interesse já explicitado de uma pretensa necessidade de redução da população do planeta (vide declarações de Bill Gates e George Soros, além de outros).
Boa noite, e obrigado por nos enriquecer com tão abalizadas ponderações.

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