sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Infância Abandonada

Era um dia bem quente do verão de Teresina, capital do estado do Piaui (BR). Os termômetros marcavam algo próximo aos 40 graus. Desejando um lugar agradável e fresco fui, a convite de um amigo companheiro de trabalho, almoçar uma peixada de tucunaré, num restaurante típico à beira do rio Poti. Decorriam os anos de 90 do século passada. Como comum naquelas bandas, apareceu-me uma garota com imensa barriga pedindo um auxilio para comer. Fiquei muito impressionada com o perfil da menina. Dei uma ajuda e comentei com o garçon que aquela criança devia sofrer de hidropisia dado o tamanho da barriga. “Nada doutor, isso é barriga de menino! E a criança está pra nascer com um pouco mais”. Parei de beber e comer diante daquela cruel verdade. Incrédulo, mandei chamar a garota de volta com quem levei um diálogo doloroso. Quantos anos você tem? “Tenho dez anos.” Respondeu com um sorriso largo. E o que é isso na sua barriga tão grande? “Vou ganhar um neném”. Fiquei chocado. “Tomara que seja um menino feme, pra brincar mais eu”. Uma criança de dez anos sem seios ou pelos pubianos! Perdi o apetite e fiquei, por dias, com aquela imagem dantesca e diálogo na cabeça.

Infância abandonada e grávida
Semana passada, com o episódio da garotinha capixaba de dez anos trazida ao Recife para fazer um aborto autorizado pela Justiça do seu estado, minha memoria trouxe de volta as imagens daquela experiência que vivi em Teresina. Igualmente doloroso é claro. Acompanhei o noticiário e fiquei provocado a escrever este artigo aqui no Blog. Contudo, em se tratando de um tema delicadíssimo, envolvendo ética profissional e princípios religiosos ortodoxos, confesso que tive sérias precauções. Sou católico e me considero praticante da religião e tenho muito respeito aos princípios éticos que são, também, esteios dos meus princípios religiosos. Por estas razões não tenho coragem de tecer considerações mais profundas. Acredito que seja uma questão para todo e qualquer cidadão ou cidadã amadurecer no seu íntimo.
Foi imensamente chocante tomar conhecimento da declaração do obstetra que assistiu e executou o aborto, ao afirmar que “começou por injetar uma droga que paralisasse o coração do feto” e a após algum tempo proceder uma curetagem. Deu-me náuseas. Por onde andou a cabeça desse profissional? Aos manifestantes religiosos e populares que empreenderam um protesto contrário ao procedimento, diante do Centro de Obstetrícia, minha revolta ao classificarem essa criança violentada e estuprada, por um familiar e desde seus seis de vida como sendo uma assassina. Coisa inominável. Decisão cruel. Lembrei-me da Escolha de Sofia, no romance de William Styron. Se essa garotinha, no desabrochar da vida, for uma assassina, o que dizer do delinquente tio que se aproveitou da pobre coitada e inocente, por tantos anos?

O tio estuprador
Paralelo aos fatos reais, as conversas que tive com meus botões encorajam-me a fazer algumas considerações a respeito dessa cruel sociedade brasileira, sempre alheia às misérias que campeiam nas franjas remotas das nossas cidades e grotões escondidos.
Infelizmente, para espante da nossa alienada sociedade e desprezo dos irresponsáveis governantes de plantão, o caso da capixaba é bem mais comum do se imagina. Em Teresina, em São Mateus (ES), no Recife e qualquer outra cidade brasileira a coisa se repete, aos olhos alienados da Nação. Observemos as crianças pedintes nos semáforos das nossas grandes cidades e facilmente veremos muitas crianças portando bebês, próprios filhos gerados e paridos nas ruas da vida “severina” que levam.
A falta de politicas governamentais, dos diferentes níveis, vem formando ao longo dos tempos uma população à margem – não marginal! – do processo de educação e segurança. Na prática e infelizmente, estão sendo reproduzidos animais com formato humano com comportamentos de primatas selvagens com instintos animalescos sem respeito aos seus semelhantes, sobretudo crianças indefesas. Esse tio animalesco, lá no estado do Espirito Santo, é exemplo vivo.
O que merece destaque e lembrando que "todo mal traz um bem", a esperança é que esse exemplo recente – exposto de forma cruel e dolorosa na mídia nacional e estrangeira – sirva de referencial para que sejam adotadas medidas de politicas educacionais e assistenciais secundadas por legislação punitiva rigorosa aplicável a essas bestas humanas.

NOTA: Essas fotos foram obtidas no Google Imagens

13 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Esse é um tema complicado, amigo. Opinião corajosa. Abraços.

Monica Mendonça disse...

Muito bom querido! Tocante. Bem escrito. Bravo!

Antônio Carlos Neves disse...

Primo no meu entender não se trata de aborto e sim um parto forçado após seis meses o nascituro já é uma criança formada.

Cristina Carvalho disse...

Criança abandonada a própria sorte e infância perdida é “comum” no Brasil
e nos países subdesenvolvidos. Não existe uma política voltada para proteção e educação
“do menor” e os Conselhos Tutelares não atuam como deveriam e como devia ser função deles. Aliás, tem nos seus quadros gente apadrinhada sem a menor qualificação para estar no cargo. Tem muito mais a dizer, mas por enquanto fico por aqui.

Cristina Carvalho disse...

Quanto ao aborto, prefiro não comentar. Agora, os estupradores , pedófilos, não são uns animais, pois isso ofenderia aos animais irracionais que não “agridem as fêmeas”. Não sei como qualificá- lós. Tratamento??? Não resolve. Cadeia, sem apelação. Mas, precisa ser observada s questão de quem cuida. Como não “ver” o que está acontecendo??? Essas são questões que envolvem muitas outras variáveis, que não “cabem literalmente” nesse espaço. Questão polêmica, amigo Girley. Mas, atualíssima. 👏👏👏👏👏

Vanja Nunes disse...

Bom dia
Parabéns, excelente texto...
E nos faz refletir sobre que mundo vivemos ....

Claudio Targino disse...

Aí eu voto na pena de morte

Edson Junqueira disse...

Amigo Girley li o assunto de meninas brasileiras , e cada vez me convenço mais . Sou religioso também , mas confesso que nestas horas sou pela lei de Taliao . Ou corta ou castração química . E duro , mas se souberem que vai acontecer isto não farão .

Regina da Fonte disse...

👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻 texto maravilhoso! Penso como vc.

Ana Inês Pina disse...

Tema difícil, terrível e infelizmente comum no país. 😞T

Fabiano Toquetão disse...

Girley como sempre um texto “ straight from the guts” sensacional abordar um tema delicado que miopia intelectual de uma dos brasileiros escolheu por não ver.
Eu assisti uma entrevista com a ministra Damaris junto com o Bolsonaro que esclareceu-me que na época da copa das confederações o PT enviara ao congresso um projeto de lei para diminuir para 12 anos a idade mínima para considerar estupro, pior junto no texto dizia que deveria regulamentar a prostituição e que zonas de meretrício deveriam ser fechadas quando existissem exploração de sexo de menores com idade abaixo dos 12 anos . Um horror pois e aquelas de com menores de 12 a 18 anos ? Fiquei assustado com tudo contextualizando com o seu texto.

Geraldo Magela Pessoa disse...

Me fizeste viajar a margem do Poti onde estive algumas vezes. A vivência e experiência é magnífica. Por isso permitiu a exelente analogia que foi feita do caso Teresina × o São Mateus, o que demonstra, esses tipos de ocorrência acontece desde sempre. O importante é fazer o que preciso for necessário para evitar novos acontecimentos desta natureza. O início da solução começa com investimentos em EDUCAÇÃO. PARABÉNS e continue nos textos tão bem escritos e atuais e por te visto ao vivo na década de 90

Júlio Silva Torres disse...

Esta columna de la menina violada y embarazada por un maldito pedofilo es muy conmovedora... me trae tristes recuerdos de los ‘meninos de rua’ que rondaban el predio donde morabamos en Piedade, a los que Cristina les hacía preparar comida todos los días para evitar que tuvieran que escarbar en búsqueda de alimento en el lixo.
Un abrazo afectuoso querido Hermano!
Me siento muy feliz y agradecido de ser tu amigo-hermano!

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