sábado, 26 de abril de 2014

Ravel à Cabocla

Há coisas com as quais não me convenço facilmente. Uma dessas, recentemente, é o fato de que João Pessoa, capital da Paraíba, esteja incluída entre as cidades mais violentas do mundo. Logo do mundo... Se pelo menos fosse do Brasil, eu até ponderaria. No recente feriadão fui conferir essa coisa, in loco.
Para quem mora no Recife é uma vantagem ir àquela cidade. Pouco mais de 100 km, por uma BR 101 em bom estado, e eis que se chega à cidade mais oriental da América do Sul, lugar onde o Sol nasce primeiro. Hospedado num hotel à beira mar, fiquei de olho atento ao movimento da cidade.  Só vi muita tranquilidade... Trânsito fluido, povo hospitaleiro, praia do Cabo Branco com mar sereno, nem ondas para agitar um pouco. Turistas por todo lado. Muitos pernambucanos se deliciando com a placidez da cidade e eu lá, buscando ver sinais de violência e nada! Nem no centro da cidade! Mesmo num sábado movimentado, na zona mais antiga da cidade e pelas imediações da Estação Rodoviária, não vi qualquer vestígio de violência. Pelo contrário, vi famílias, com muitas crianças altas horas passeando no calçadão da praia, fazendo seresta e bebericando na areia, sem medo de assaltantes ou outro qualquer tipo de malfeitor. Cheguei a conversar com alguns e indagar sobre a violência local. As respostas foram taxativas: “isto aqui é um paraíso. A cidade inteira é calma! Aqui se vive tranquilo”. Tudo coincidindo com a minha ideia. Cabe então, questionar: qual a base tomada pela ONU? A metodologia declarada se ateve nos registros de ocorrências policiais.  Fiquei desconfiado. Vai que, em João Pessoa, os registros são honestos e termina por penalizar a cidade. Há pessoas ou comunidades das grandes cidades que, de tanto sofrerem, com a violência banalizada, sequer vão à busca de auxilio policial para registrar os crimes cometidos. Minha secretária doméstica cansa de afirmar que, por onde ela vive, bairro de favelas do Recife, mata-se, rouba-se e estupra-se  com a maior “tranquilidade” e tudo fica por isso mesmo. Deve ser isto. Sub-registro das ocorrências. Só pode.  Rio e São Paulo com tantos queima- ônibus, assaltos, balas perdidas e atrocidades similares não estarem elencados na lista negra é no mínimo estranho.
Mas, João Pessoa além de tranquila, aos meus olhos, oferece ao visitante algumas atrações bem interessantes:  o Cabo Branco e a Ponta do Seixas são locais de um tour obrigatório. A mata atlântica do entorno do Cabo, a visão do mar, as praias e parques enchem a vista do turista.
Por outro lado, ouço sempre falar sobre um famoso pôr de sol às margens do rio Paraíba, na praia fluvial do Jacaré, entre João Pessoa e Cabedelo. Fui conferir, também. Lá um cidadão de nome Jurandir toca num saxofone afinado, todo santo dia e na hora que o sol se recolhe, o Bolero de Ravel. Quando o dia vai caindo, para dar lugar ao manto escuro da noite, ele aparece do nada, navegando numa canoa quase tosca e tasca o famoso Bolero. O cara arrepia. É bonito. 

Por conta disso, uma dezena de bares e restaurantes se instalou naquele exato ponto do rio, nos quais uma multidão (no dia em que estive lá calculei cerca de 10 mil pessoas) se posiciona para assistir a performance do artista. Ele consegue criar um clima romântico para os enamorados, nostálgico para os solitários, ameno para a criançada, curioso para outros e pitoresco em termos turísticos. É surpreendente o silencio que se faz quando ele toca. Ao final, uma verdadeira ovação.
Conversei com o Jurandir (vide foto acima) que me contou a origem daquele movimento. Tem mais de quinze anos. “Fui convidado, numa tarde, por Dona Eleonora, uma Senhora da alta sociedade da cidade, para tocar o Bolero, lá no restaurante dela. Ela estava com uma porção de amigos que vieram ver o por do sol e todo mundo era louco por essa musica. Tem um filme muito famoso que essa musica é tocada. E esse pessoal gostava de ver o por do sol escutando a musica que eu tocava. Repeti isso várias vezes para ela.” Segundo Jurandir, quando D. Eleonora resolveu fechar o restaurante (as instalações estão abandonadas – Vide foto a seguir) e ele, de gostar tanto da experiência, assumiu um compromisso pessoal de tocar todo dia. Nasceu daí um dos mais interessantes cases de economia criativa que vi ultimamente. 

Por conta de Jurandir, seu saxofone e o Bolero de Ravel formou-se naquela comunidade ribeirinha uma base econômica sustentável, dinâmica e conforme a cultura local. Na beira do rio, além dos bares e restaurantes, surgiram lojinhas de artesanato, pousadas, lanchas e barcaças para passeios no rio, catamarãs, entre outros pequenos negócios. “Antes nós só fazia pescar pra comer. Hoje a coisa é diferente... tem de tudo pra nós fazer.” Foi o que ouvi do barqueiro que me conduziu num passeio pelo rio. Parabenizei Jurandir, um cara simples, afável, sem vaidade e disponível a todo cidadão que se aproxime para uma conversa. Grande figura.
Jurandir, seu saxofone e o Bolero de Ravel, à moda cabocla, são, hoje, a maior atração turística de João Pessoa. Vale ver. Tenha mais uma ideia com a foto a seguir.

NOTAS: Fotos da autoria do Blogueiro e de JPAllain

6 comentários:

maria helena disse...

Girley, meu amigo, como "sintonizei"com esta sua visão de João Pessoa, e como gostei de saber a história do Bolero de Ravel, lá no Jacaré!É um lugar que realmente gosto de ir, e as suas ponderações sobre a pesquisa da ONU, faz todo sentido!A foto do por do sol,me comoveu,pelas boas lembranças e por uma iluminação abençoada deste nosso nordeste querido!

Rosa Perez disse...

Este bolero de Ravel ao por do sol é imperdível!!!!
Rosa Perez

Paulo de Tasso Moraes e Souza disse...

Girley
O bolero de Ravel, de João Pessoa, é uma demonstração de que,com criatividade,competência e perseverança é possível sair do rame-rame e da mesmice e produzir espetáculo de primeiro mundo a custo baixíssimo !
Paulo de Tasso Moraes e Souza

Susana González disse...

Me gusto mucho tu crítica y relato, voy hacer un poco de investigación sobre ciudades designadas por la ONU como violentas para encontrar los parámetros q siguen para hacer su designaciones. Gracias por regalarnos sueños q algún día se puedan hacer realidad. Besos
Susana González (México)

Danyelle Monteiro disse...

Interessante case de economia criativa!
Danyelle Monteiro

Jussara Monteiro disse...


Olá Girley:

O fato de ser Pernambucana de S.Joaquim do Monte, conhecer
até bem PE, compreendendo seu interior e interiores, sinto que
somos chatos mesmos, o que caracterizam de orgulho, no dia-a-dia reflete-se em chatice.

Basta viajar 100 km ir a Caruaru ou João Pessoa, a distancia é a mesma, mas
as pessoas em sua delicadeza no receber quanta diferença!
Some-se a beleza natural do seu passeio que, culminou no belo por do sol.
Já curti varias vezes o por do sol no Jacaré.
Sugiro qdo fizer um outro passeio, veja na internet um domingo que a maré estiver baixa por entre 10 e 14 horas e vá a camboinha (exatamente praia vermelha) é uma experiência e tanto. Nesse intervalo de maré surge uma ilha, concomitante com seus bares e barcos que povoam instantaneamente o lugar. É bom inclusive prá crianças.
E na volta curta mais uma vez O jacaré (ravel).
Prá fechar o passeio melhor ainda, dorme-se em tambaba, uma das
praias mais lindas que vi.
É acordar nu e viver a natureza bela mesma. Até parece que
renascemos, ali.
Prá quem tem problema com nudez, por isso sugeri dormir
no domingo lá, porque na segunda-feira não tem ninguém e
fica-se à vontade...
É a minha dica na Paraíba.
abraços
Jussara monteiro

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