Fiquei impressionado como essa coisa é intensa na periferia da cidade do Rio de Janeiro, fora dos cartões postais e longe do Centro limpo e organizado que descrevi na postagem anterior.
Querendo viver perto do emprego ou da zona central da cidade o carioca (ou migrante) mora perigosamente “pendurado” nas favelas dos morros e pedras que circundam a cidade, criando uma zona residencial marginal, muitas das quais com regras próprias de convivência, quase sempre nocivas à comunidade ou à cidade, no seu todo.
São estratégias “imobiliárias” mirabolantes e arriscadas. No meio dessas, a que mais me impressionou foi a da especulação imobiliária da laje. Nas periferias do Rio de Janeiro, o sujeito, depois de muitas buscas, encontra um chão (alguns perigosamente situados), ocupa e constrói a moradia coberta por uma laje de cimento. Só Deus sabe como ele pode chegar até ali, como pode levar o material da construção e como obteve água e luz. Haja “logística”.
Obra concluída e ocupada, o cara põe uma placa de “vende-se a laje”. Sim, aquela que cobre a casa que ele construiu que, por sua vez, pode servir de piso para uma nova moradia. O primeiro tem, desse modo, o retorno do investimento que fez. Dependendo do seu talento como vendedor, esse retorno vem com bom lucro. O segundo adquirente do espaço, digo, da laje, procede do mesmo modo, isto é, constrói, se estabelece e vende – junto com o primeiro! – a segunda laje e assim por diante, várias vezes. Existe construções nas encostas de morros e pedras cariocas com seis pisos ou mais. É incrível. São verdadeiros edifícios erguidos, sem projeto ou cálculos seguros, pondo em risco um grande contingente populacional. Vez por outra, em tempos de chuva pesada, uma erosão inesperada leva morro abaixo construções desse tipo, vitimando muita gente, fazendo a festa da mídia, tirando o sono dos governantes e sensibilizando Deus e o mundo. A maioria tem, como bônus, o esplendoroso cenário do mar atlântico ou da baia da Guanabara, melhor do que qualquer penthouse de Ipanema ou da Barra da Tijuca.
Eis aí mais um jeitinho brasileiro. Digamos que um brazilian way of life.
Ah! antes que eu termine, lembro que, como bons brasileiros, esse habitante pendurado no morro não perde tempo e, enquanto não vende a laje, promove, nos fins-de-semana, um churrasquinho, regado a uma cervejinha gelada e ao som de um pagode, extraído de um “maneiro” três em um, comprado em trinta e seis prestações.
E você, quer comprar uma laje, voltada para o mar de Copacabana, Ipanema ou São Conrado?
Vá lá... deve haver alguma dando sopa... Vidigal e Roçinha são duas boas sugestões.
Nota: Fotos do blogueiro
2 comentários:
Caro Girley
Com muita graça e bom gosto voce coloca uma dura realidade de abandono que está grande parte da população brasileira.
Imagine o dia que houver um investimento grande em educação a vocação criativa e transformadora aplicada a criação de um Brasil sempre melhor.
Quando li o título me lembrei de Vinicius de Moraes . Por cima uma laje escura....
Prezado Girley
Ao tempo em que o cumprimento, parabenizo-o pelo seu blog. O parabenizo pela organização e estética, e sobretudo pelo seu perfil intelectual ao ponto de brincar com coisas sérias e tornar sérias brincadeiras, o que não é fácil para ninguém. É preciso talento, mesmo, e muita sensibilidade. E depois, meu caro Girley, se tudo isso é pouco, ou for pouco, o seu estilo simples, que é outra coisa gostosa (e nada simples), enxuto e direto, acredito mesmo qiue nos basta a todos. Suas crônicas são sua vida resgatando vida como assim Deus quer. Só nos fazem bem.
Parabéns - A S S I S
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