sábado, 13 de setembro de 2008

Saudades (do Recife) da aurora da minha vida

Depois que eu completei 17 ou 18 anos, ganhei total alforria dos meus pais para freqüentar os embalos da época, na maioria das vezes nos clubes sociais da cidade e nos assustados, nas casa de amigos. Era um tempo sem a violência dos dias de hoje e uma juventude mais comedida, longe da liberdade que a turma de hoje experimenta.
Digo isto, porque tenho um filho jovem, baladeiro ao extremo, que todo fim de semana, e muitas vezes durante a semana, entra de cabeça nos bares e boates da cidade. Motorizado, entra sai de casa, num abrir e fechar de olhos. “Os tempos são outros pai”, vive me avisando e eu resistindo por entender esses novos e assustadores tempos.
Para nós, os pais, que hoje ficamos em casa, muitas dessas noites se transformam num suplicio. Será que ele vai beber, beber até cair? Será que não vai ser assaltado? Vai dirigir embriagado? Com quem está saindo? Com quem está ficando? É um estresse danado. Claro, que confiamos na educação que demos, mas, muitas vezes, as companhias e a ocasião levam o cidadão aos extremos. Graças a Deus as coisas estiveram sempre sob controle. Na minha casa...
Lembro com pesar, que tenho amigos (eu disse no plural) que, não tendo a mesma sorte, já perderam filhos em assaltos e por conta do binômio bebida e direção. Vendo esses casos, faço sermões e advertências a toda hora, dentro de casa. Estou um pouco mais tranqüilo com a atual Lei Seca. Mas, essa tranqüilidade deixa, ainda, a desejar.
Conversando com companheiros de farras na juventude, recordamos a inocência daqueles tempos que não voltam mais. Não havia exageros na bebida, a moda era Cuba Libre (Rum com Coca-Cola) e bastava uma dose por noitada. Namorávamos sem ultrapassar os limites. Essa história moderninha de ficar era inimaginável. Ao contrário de hoje, que o namoro começa com um beijo tipo “desentupidor de pia”, beijar, naquela época, só depois de muito tempo. Bote tempo nisso. Algumas garotas tinham nojo e muitas pensavam que beijando perdiam a virgindade. Cama, nem pensar! Nem cama, nem outro móvel qualquer. Ir morar na casa da namorada ou do namorado, impossível. As moças, numa maioria esmagadora, casavam virgens, cheias de orgulho e confiança. Ou seja, namorar era um ato inocente, de conversas bestas e poucos amassos. E, quando a gente, o varão, não agüentava mais, ia tirar o sufoco hormonal na zona do Recife Antigo! Ou com a colaboração das empregadas domésticas, mais conhecidas por peniqueiras, soltas nas noites suburbanas da cidade. Essa coisa horripilante que é a Aids, não era nem sonhada. O pavor das doenças sexualmente transmissíveis ficava por conta da blenorragia e do cancro. Tudo perfeitamente curável e jamais mortal. Camisinha? Para que? Troço mais insólito... E, tem mais, raro! Hoje, tem até no supermercado. Eu, mesmo, só vi a primeira depois de bem madurinho. Achei engraçado e comprei só para exercitar o uso numa hora H oportuna.
Naqueles tempos da maravilhosa Bossa-Nova, como poucos rapazes tinham automóvel, o percurso de casa ao local do embalo era feito de ônibus ou mesmo a pé. Eu, por exemplo, morava no Rosarinho e ia para as festinhas, do Circulo Militar, em Ponte d’Uchoa, caminhando. Eu e os colegas de colégio, entre os quais lembro de Joe Gonçalves, Fred Moreira, Carlos Nobre, Marcos Cesário de Mello e Jorge “El Congo”. Era incrível a tranqüilidade que se vivia. Na volta para casa, de madrugada, ou dia já claro, a única coisa que nos amedrontava eram os cachorros de guarda soltos nos jardins das casas. Ah! Só havia casas. Essa coisa de condomínios de apartamentos só veio depois de algum tempo. Os bairros do Espinheiro, Aflitos e Rosarinho eram verdadeiras belezas. Pacatos, aprazíveis, menos quentes do que hoje, pouco trânsito, casas magníficas, jardins bem cuidados, ruas iluminadas, limpas e bem cuidadas. A cidade pulsava nessas bandas da zona Norte. Boa Viagem e Piedade ainda estavam começando a ser construídos. Eram lugares distantes, onde, praticamente, só íamos para veranear ou então para ir a “Putizzaria” Boate Samburá, quando aparecia uma carona, era muito longe, de um colega rico motorizado. Virgilio se chamava um desses. Ou então, mostrar aos visitantes forasteiros, a praia e uma casa em forma de navio (Foto ao lado), na beira mar, em Boa Viagem.
O Recife cresceu, virou metrópole, e com o crescimento – que é bom, não vou negar – vieram as dificuldades, a insegurança e a insustentabilidade. Nossa sociedade e governantes precisam reagir. Não dá mais para viver numa urbe que marca presença no topo do topo do ranking da insegurança nacional. Tenho saudades (do Recife) da aurora da minha vida.

Nota: Esta cronica é dedicada aos meus colegas Joe Gonçalves, Fred Moreira, Marcos Cesário de Mello, Carlos Nobre, Jorge El Congo, marcos Rufino Ferreira, Paulo Sergio Petis Fernandes e Virgílio (já falecido), meus companheiros de Colegio Marista e de farras inocentes nos anos 60.
Foto obtida no Google Imagens

6 comentários:

Anônimo disse...

Girley - Hombre de Dios
Bonita crônica! Ao mesmo tempo o conturbado hoje e as lembranças de um ontem distante já. Os contrastes físicos da arquitetura moderna com os desenhos clássicos das velhas mansões e do casario de classe média.
Bravo!
Geraldo Pereira

Anônimo disse...

Girley, obrigado por ter recordado nosso velho Recife,moravamos no Derbi ,e vivemos tudo aquilo que você escreveu ,Eramos felizes e não sabiamos !Um abraço
Anibal Rolemberg

Anônimo disse...

Girley, daqui a quarenta ou cinqüenta anos, os jovens de hoje terão o mesmo sentimento. Vai-se envelhecendo e adaptando-se, com um resmungo aqui outro acolá.
Os primeiros edifícios era tipo caixão (década de 50 mais ou menos). Tempos depois surgiram os que tinham garagem coberta, entre os pilotis (muito chic). Um detalhe: não tinham muro ou grade, o acesso era direto sob o prédio. Parecia casa de condomínio americano que vemos nos filmes. O mercadinho Quitandinha (esquina da rua Conselheiro Portela com João de Barros) inovou com gôndolas - pegue e vá ao caixa. Era muito avançado para a época, não vingou.
Propostas sexuais que a mulher de “vida-fácil” repreendia irritadíssima, hoje, banalizou-se a prática. Na sexta-feira santa a brincadeira só começava depois de meia-noite, não tinha acordo.
Jovens são irresponsáveis, uns mais ou outros menos. Sempre se tem a sensação de que o comportamento de ontem era “light”. Lembro de um colega/amigo que, vindo de uma balada, virou seu Aero Willys. Carro virado, som alto, o pirata do Montilla no teto do carro (agora era assoalho) e quase o papagaio voa. Felizmente só restou uma lembrança e uma boa história para contar.
Marcos Aurélio

Unknown disse...

E muitas vezes, nós meninas, não entendíamos a rápida despedida do namorado, meia volta volver, MÃO NO BOLSO! e iiiia emboooora...

Anônimo disse...

Caro amigo Girley
Quantas lembranças gostosas.Andar as 5 da matina pela praça Fleming onde só havia casa e na frente da casa malassombrada do ´Padre Roma, hoje o começo ou fim da rua do Futuro, depois de acabar as garrafas de rum Montilla com os garçons no final das festas no Círculo Militar> Não choro o passado e se curto o que a gente fez e tem feito de bom pela vida.
Um grande abraço
Joe

Anônimo disse...

Caro Girley,
Obrigado pela maravilhosa viagem no tempo igualmente vivido por mim e alguns amigos nas mesmas plagas suas. Como sempre você foi felicíssimo na crônica Saudade (do Recife) da Aurora da Minha Vida. Costumo lembrar-me de igual tempo e guando alguém que comungou a mesma época está presente divido essa saudade gostosa no lembrar. Para o ouvinte jovem creio que lego uma beleza vivida que os anos (presente ou futuro) não trazem mais. Você bem que poderia desdobrar o assunto e todos nós seus contemporâneos faremos novas viagens no tempo bonito que a vida nos presenteou.Forte abraço, Manoel Quintas.

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