quinta-feira, 2 de março de 2023

EVOCAÇÃO

O ano vai, de fato, começar. No Brasil é assim. O carnaval passou, os brasileiros se entregaram à folia e extravasaram os desejos reprimidos durante o retiro imposto pela pandemia. Agora é trabalhar. Vi noticias dos milhões de turistas que vieram ao Recife e dos milhões de Reais que o reinado de Momo proporcionou ao mercado local. No meu voluntário retiro carnavalesco recordei os bons tempos que já vivi no Reinado de Momo. Sempre fui muito folião. Questão de berço. Minha família é típica pernambucana e, por conseguinte, amante da folia e do frevo. Recordo que meu carnaval começava sempre ao raiar de cada novo ano. Não perdia as inúmeras previas carnavalescas que, de modo geral, se multiplicavam durante os janeiros e fevereiros da vida. E quando o carnaval se estendia até os primeiros dias de março a farra era dobrada. A coisa era de tal forma que quando a quarta-feira ingrata chegava dava-me uma sensação de vazio e, por vezes, provocava lágrimas. Nada mais natural, depois de boas doses de uísque. Como uma coisa tão divertida e gostosa durava tão pouco? Arroubos de uma juventude dourada e inesquecível. Hoje, quando as coisas não passam de evocação, por deliberação pessoal, fico intrigado e imaginando como pude abdicar dessa tão grande curtição do passado.
Bom... fui do tempo do corso na avenida, do uso do lança-perfume, da transição para o abominável mela-mela e dos saudosos carnavais de salão, nos clubes Internacional e Português, do Recife. Com muito entusiasmo dei boas-vindas ao carnaval das ruas em Olinda e no Velho bairro do Recife e ao Galo da madrugada. Tudo virou algo sem limites. Sinto saudades dos últimos anos ’90 e principio deste Século 21. Daí em diante, nosso carnaval se transformou numa violenta exploração de mercado, difícil de lidar para quem viu e viveu o dantes da folia. As tradicionais manifestações folclóricas – grandes blocos de rua, blocos líricos, troças, ursos, caboclinhos e maracatus, bumba-meu-boi, entre tantos outros – foram perdendo espaço na folia local e sufocados pela infeliz ideia de promoverem um tal de carnaval multicultural que, na verdade, não passa de uma injustificável estratégia de faturar de modos financeiro e eleitoreiro que grassa nas cabeças dos políticos de plantão, sem a mínima noção de que estão assassinando impiedosamente a cultura local. É doloroso perceber que a “prata da casa” está sendo posta à margem e os incentivos outrora a estes reservados vêm sendo carreados para artistas de fora sem qualquer vinculo com nossas tradições. Fiquei pasmo ver que Caetano Veloso veio abrir o nosso Carnaval deste ano de 2023. Nada contra este artista. Pelo contrario sou seu velho apreciador. Mas, por que não Alceu Valença? Outro ano, dentro dessa estratégia equivocada, trouxeram Zeca Pagodinho... Francamente... o próprio artista disparou ao declarar “por que eu, se não entendo de frevo e de carnaval pernambucano”. Queria ver as caras desses promotores desavisados. Caí fora deliberadamente e passei a viajar nesses feriados. Outra coisa que me afasta do carnaval local é que deixou ser uma festa participativa e bailável.Com certa melancolia tomei emprestado ao Maestro Nelson Ferreira este titulo de Evocação para esta postagem, visto que cabe bem para apaziguar meu espirito inquieto diante do que testemunho nos dias de hoje. Sem querer ser saudosista, mas, culturalmente honesto, resta-me, tão somente, que surjam cabeças iluminadas decididas e orientadas que não esqueçam dos lendários Batutas de São José, Vassourinhas, Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Madeira dos Rosarinho e tantos outros e que se monte um Memorial para que sejam preservados os nomes de Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon, Nelson Ferreia, Zumba, Capiba, Severino Araújo, Claudionor Germano e muitos que estão sendo ignorados pelas gerações recentes. NOTA: Foto de Capiba e Nelson Ferreira (acima) obtida no Google Imagens.

6 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Queria ver esse passado. Figuras ilustres fantasiadas de baianas. Deus do céu. Viva Girley!!!

Júlio Silva Torres disse...

Caro Hermano Girley, muy interesante tu análisis. La pérdida de tradiciones efectivamente es algo abrumador. Acontece en todas partes y lo peor es que nuestros hijos no lo tienen en cuenta, y cuando ellos sean mayores ni siquiera van a recordar lo que sus padres les decían de los bellos tiempos.
Un gran abrazo y cariños a la familia

Ieda Almeida disse...

Gostei bastante . Também não fui e não assisti nada de carnaval .
Sinto muita saudade, pois gosto muito do frevo !

Geraldo Magela Pessoa disse...

Com a postagem de hoje, você faz a nossa faixa etária rememorar um passado glorioso e inesquecível . No Internacional conheci Suely em julho / 68 e brincamos o nosso primeiro Carnaval juntos em 1969 e depois só brinquei carnaval com ela. Até hoje namoramos e espero continuar ainda alguns anos pela frente.

Toinha Lucena disse...

Girley querido, realmente, não foi só o Carnaval de Recife que passou por grandes transformações, o do Rio de Janeiro também está bem diferente. O Carnaval se transformou em um mercado de turismo. Claro que sentimos um impacto muito grande se compararmos aos carnavais antigos. Infelizmente, tudo hoje em dia sofre transformações, nem sempre do agrado de todos nós, assim como a vida. Temos que nos conformar com a evolução. Em meus quase 96 anos de idade já tive várias vivências. Procurei evoluir, caso contrário, ficaria perdida neste mundo de meu Deus. Ainda bem que tive cabeça e espírito forte para aceitar tudo de novo que surgiu nessa minha longa existência. Um abraço, meu primo, dando um viva a vida.

Wirson Santana disse...

Excelente análise amigo. Sou testemunho do quanto você gostava do frevo, em suas demonstrações no CRUSP

Haja Cravos

Neste recente 25 de abril lembrei-me demais das minhas andanças em Portugal. Recordo da minha primeira visita, no longínquo verão de 1969, ...