Tenho sido muito critico nos anos recentes quanto à
programação do carnaval do Recife. Sinto-me coberto de razão diante do
desprestigio que se atribui aos autênticos traços culturais locais e em
particular ao ritmo do frevo. Tranquilizo-me quando vejo que não estou sozinho
nas denúncias, diante das severas observações que são feitas por críticos
respeitados e formadores de opinião.
Neste período pré-carnavalesco de 2014 já se confirmam a
manutenção de um estado de descaso para com as tradições locais. É lastimável
ver o lamento do Maestro Duda – um ícone do frevo pernambucano – “são tantas as
injustiças com a nossa cultura: saímos das ruas, nos afastamos do público” (Diário
de Pernambuco - 04.02.14). A Secretaria de Cultura da Prefeitura de Geraldo
Julio prometeu rigor no inicio do ano passado e se desculpou por não poder
corrigir a situação naquele inicio de gestão, herdada dos petistas ignaros.
Agora, ao apresentar a programação deste ano, garantiu que 98% dos artistas
contratados é “prata da casa”. Contudo, examinando a dita programação,
desconfio que este cálculo pode revelar equívocos. Vi que artistas do Sul estão
vindo – com altos cachês, é claro – para “animar” a festa dos recifenses. Entre
esses, só tiro Elba Ramalho que, embora radicada no Rio e haver nascido na Paraíba,
nasceu artisticamente no Recife, interpreta frevos e anda muito por aqui. O
restante, francamente, não merece qualquer prestigio. Maria Gadu? Considero
isto uma desacato.
Outra coisa incrível que li recentemente num dos nossos
jornais diários foi de que o Bal Masquê do Clube Internacional, uma das mais
tradicionais festas da cidade, se “baianizou” de uma vez por todas. Este ano
foi animado por banda e artista baianos. A verdade é que este baile deixou de ser
o BAILE de carnaval genuinamente pernambucano, há muito tempo. Perdeu o encanto do passado e o charme que
durante décadas ostentou. Hoje virou um pagodão, axézão, sem limites, nem tamanho. Elitista?
Quem, eu? Coisa nenhuma... Valorizo um autêntico Bal Masquê, assim como valorizo
um bloco de rua, com o povão fazendo o passo, suado e empurrando uns aos outros,
às cotoveladas, na conquista do espaço. Entro com vontade... Na verdade,
pretendo ser, tão somente, um guardião ou uma tênue voz no meio de uma gente
que tem a pachorra de apagar sua história. O pernambucano está cada vez mais
alienado e sem noção de cultura e patrimônio histórico. Doe-me ver a geração
atual declarar que frevo é muito chato. Ligo o rádio e procuro escutar um
frevo, e nada! Nem mesmo nessa época de carnaval. Só dá axé e rock da pesada. Maestro Duda tem razão.
Fico imaginando do que seria Veneza se seu povo, ou sua
prefeitura, resolvessem “apagar” seu autentico carnaval e seus bailes de
máscaras. Ao contrário, preservam a cultura e o ano inteiro lembra seu famoso
carnaval! Aqui é no sentido inverso.
Outra ironia é lembrar que o tão exaltado trio elétrico
baiano foi inspirado no frevo pernambucano. A história registra que em 29 de
janeiro de 1950, o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife, a caminho para uma exibição no
carnaval carioca, a bordo do navio Santarém, parou em Salvador e resolveu desfilar
nas ruas da cidade. Foi um furor. Os baianos nunca haviam visto o frevo. O
carnaval lá era uma coisa apática e sem traço cultural definido. Segundo
jornais da época, 80.000 pessoas saíram pulando e fazendo o passo atrás de
Vassourinhas. No meio da multidão, um cidadão de nome Osmar Macêdo deslumbrado
com aquele sucesso, convidou o amigo conhecido por Dodô para engendrar, numa fobica Ford 29, dois autofalantes e sair
pela rua, durante o carnaval, tocando Vassourinhas, o hino do carnaval
pernambucano, com seus instrumentos de
corda, conhecidos como guitarras baianas. Foi um sucesso estupendo. Criaram, na
verdade, um novo formato de brincar carnaval na Bahia. Com o tempo a dupla Dodô
e Osmar, já muito famosos, agregaram nova figura – Armandinho – e daí prá
frente ninguém segurou o que veio a ser denominado de Trio Elétrico. A
fabricante de refrigerantes Fratelli Vita, na pessoa do seu proprietário Miguel
Vita – pernambucano – resolveu patrocinar o Trio de Dodô, Osmar e Armandinho. Foi um sucesso retumbante. Ao mesmo tempo, a concorrente
Coca-Cola resolveu responder na Terra do Frevo colocando nas ruas um Trio
Elétrico, sem que surtisse qualquer efeito. O povo do Recife olhava com
desprezo àquela invenção estranha. “Guitarra tocando frevo? Ôxente, que coisa
mais idiota...” Mas, os baianos, ao contrário, desenvolveram o projeto, com
forte esquema de negócio comercial e olhe no que deu. Fizeram da Bahia o polo
emissor de carnavais o ano inteiro: os famosos carnavais fora de época. Falam,
com a maior naturalidade, da existência de frevo baiano. É de lascar.
Trabalharam bem, reconheço. Já os pernambucanos foram passados para trás e hoje
vivem correndo atrás do trio elétrico. É danado... Veja as fotos, a seguir.
Vejo com tristeza que não se diz mais que em
Pernambuco se faz “o melhor carnaval do mundo”. Havia nisto muito bairrismo, é
claro, mas significava fidelidade à cultura do torrão natal. Ficou tudo no
passado. Os pernambucanos de hoje – começando pelos que ultimamente governam –
não sabem o que é a real tradição da sua terrinha. É um bando de alienados. Vivo
sem muitas esperanças. Mas, vou continuar contando a história. Quem manda viver
o tanto que já vivi?
Ah! Um registro especial: depois que fechei este artigo,
visitei o recém-inaugurado Passo do Frevo, no bairro do Recife Antigo. Confesso
que gostei apesar do excesso de vermelho na ambientação. É um museu de conceito
moderno, interativo e reunindo peças relevantes que contam a história do ritmo
pernambucano. Foto ao lado. Quem sabe, brote dali uma esperança! Ponto positivo para a Prefeitura
atual. Tomara que adotem outras providências honestas e compatíveis com a
cultura pernambucana. Para o Baile Municipal, por exemplo, prometem uma noite pernambucana. Vamos ver.
Ainda não é este ano que volto a brincar o carnaval do Recife.
Até que me “balancei”... Zarpo pra bem
distante.
Nota: As fotos dos baianos foram obtidas no Google Imagens. A do Passo do Frevo é da autoria do Blogueiro.
5 comentários:
Mi querido Girley, desde tan lejos es difícil opinar sobre sus argumentos, pero le sugiero que en chiquito organice su propio carnaval una fiesta pequeña con la música tradicional y digiéralo a sus amistades inconformes, esto poco a poco se corre y te aseguro que resurge. Así aquí se rescatan tradiciones. Suerte porque cuando yo te visite quiero bailar frevo. Besos
Recentemente, assisti ao programa Opinião Pernambuco, que teve no violonista e regente da Banda Sinfônica da cidade do Recife, NENÉU LIBERALQUINO, um dos 3 convidados. Para mim, foi útil saber que o "choro" e o "frevo" são músicas com partitura, músicas orquestradas, e uma sintaxe genuinamente brasileira e, no caso do frevo, sintaxe pernambucana, representativa das nossas origens. Bossa nova, por exemplo, muito sincopada e difundida no mundo inteiro, é um jazz tupiquinim - a batida, a linha melódica não difere dos jazzes.
Frevo, não. Frevo e choro são marcadamente nacionais. Num desses carnavais de Recife, um americano, com ouvido requintado para a busca de novos sons nos lugares ponde ele anda, em todo o mundo, ficou encantado e procurou, de toda maneira, encontrar escolas de frevo. Debalde. Queria conhecer o arcabouço técnico musical do frevo, pois queria estudá-lo. Não encontrou chance. Lá, nos EEUU, quem quiser estudar as muitas faces do jazz (porque não existe JAZZ, E SIM, JAZZES) encontra escolas que ensinam. Aqui, não. Seria o caso de incluir o frevo e o choro como matérias que deveriam ser ensinadas nas escolas - é o que se poderia chamar de nosso eruditismo musical autêntico. Seria uma forma de levar uma cultura a mentes jovens que, por desconhecerem o próprio valor musical de suas origens, embarcam em ritmos midiaticamente divulgados, extremamente pobres do ponto de vista melódico e de música de fato. Já ouve quem comparasse a sequência melódica do frevo PERNAMBUCANO a peças de Bach. No mundo ocidental, há dois gêneros musicais típicos e com marca única: o flamengo e o jazz. O frevo, seria outro desses gêneros. Creio que muita culpa, por total ignorância e desinteresse, têm os responsáveis pela divulgação da nossa música, que não são agressivos como deveriam ser na defesa da nossa cultura musical. Os governos não estão nem aí. Resultado: Descaracterização do nosso valor musical, genuíno, rico, mas pobre em divulgadores. Com a palavra os que entendem, verdadeiramente, de música. Porque perde Pernambuco, perde o País, perde a Música GENUINAMENTE BRASILEIRA. O resto é periferia, adaptações, sem dna próprio.
Caro Girley! Eu de novo. Nunca apreciei o carnaval. Mas aprecio que se preservem as tradições culturais de um povo. Permita-me publicar comentário que fiz a um dos programas do Opinião Pernambuco, recentemente levado ao ar.
TVU Recife
Curtir esta página · 17 de fevereiro · Editado
Em retrospectiva, o Opinião Pernambuco de hoje fala sobre o mercado de música instrumental.
Para discutir o tema foram convidadas o professor do departamento de Música da UFPE Sérgio Godoy, o violonista e regente da Banda Sinfônica da Cidade do Recife Nenéu Liberalquino e o assessor da coordenação de música da Secretaria de Cultura de Pernambuco André Freitas.
Apresentado pelo jornalista Valdir Oliveira, o programa vai ao ar daqui a pouco, às 19h30, na TVU/TV Brasil - Nossa TV Pública.
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Regi Dubeux Muito esclarecedoras as declarações do violonista e regente da Banda Sinfônica da Cidade do Recife, Nenéu Liberalquino. Para mim, que não estou muito ligada ao tema, de forma assim, digamos, mais especializada, foi útil saber que o "choro" e o "frevo" são músicas com uma sintaxe genuinamente brasileira. Talvez se devesse dizer à TV Pública - TV Brasil, que seria de bom alvitre abrir aquele espaço, se não me engano, diário (ou criar espaços semelhantes em nível nacional), do programa Samba na Gamboa, que, apesar de simpaticamente apresentado e com gente muito alegre como coadjuvante, bem como contando com cantores e músicos populares cometentes, não corresponde a uma filosofia de TV Pública "brasileira", sendo, mais uma tv pública regional. O Opinião Pernambuco, cuja temática e filosofia são outras, se restringe a Pernambuco, embora esteja na web. Mas não está nas telinhas; nada contra, se a mídia dominante no país não nos empurrassem, APENAS, suas visões, seus personagens políticos, culturais, seus artistas, professores, empresários, acadêmicos, como se o resto do país não tivesse esses personagens - e muito bem preparados, por sinal. Por isso gosto tanto de assistir ao Opinião Pernambuco, que traz a público gente da nossa terra e nos faz conhecedores de que por aqui há também gente com opinião - técnico-científica, cultural, artística, literária.... Na minha opinião o Samba na Gamboa não deveria ter essa exclusividade DIÁRIA em nível nacional. Uma verdadeira tv pública brasileira, deveria fazer um rodízio desse horário do samba na gamboa, apresentando outros grupos musicais - que são milhares - espalhados pelo Brasil. Aí, sim, teríamos um panorama do que é música popular brasileira. Eu disse: Brasileira. Samba, é um segmento; muito divulgado, sem dúvida. Mas, como o regente falou: Choro e Frevo são músicas com sotaque brasileiro, genuinamente falando. E são músicas com partitura. Que se ensinem Choro e Música nas escolas, como jazz é ensinado nos States, para quem se interessa por esse gênero - multifacetado - jazístico. Parabéns, Regente Nenéu Liberalquino. Só mesmo alguém com sua visão para me esclarecer pontos que eu desconhecia. Grata.
Curtir · Responder · 19 de fevereiro às 00:06 · Editado
Carloshermes Lemos qual espaço hoje da música nas escolas?
Curtir · Responder · 17 de fevereiro às 20:13
Regi Dubeux
Pois é amigos, as coisas são de tal modo gritantes que não consigo calar. Imaginem que meu filho mais novo esteve participando de um Baile de Carnaval a fantasia muito famoso, na noite passada(21.2.14)e chegou em casa as 8 da manhã. Perguntei: que tal a festa? tocou frevos? A resposta: não pai, o que é isso? tocou musica sertaneja e rock.
Tive que rir... Para não chorar...
Você está coberto de razão, Girley
Liliana Falangola
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