domingo, 17 de março de 2013

Simplesmente Francisco

Acredito que algo de novo ocorre no seio da Igreja Católica Romana. O Vaticano já pode não ser o mesmo e poderá, inclusive, mudar bastante. Passado o fato da inesperada renúncia de Bento XVI, veio o Conclave para eleição de um novo Papa, que, por todas as circunstâncias registradas, inspirou muitas emoções entre os fiéis católicos, assim como muitas expectativas no mundo político ao redor do Globo. O Papa, além de ser o representante de Cristo e sucessor de São Pedro é também um chefe de Estado. As especulações se multiplicaram durante vários dias e, sobretudo, à medida que somente a fumaça negra se espalhava nos céus de Roma.
Encurtando a conversa, vimos, por fim, o surgimento de um novo nome. Foi uma surpresa, sim. Sinceramente, eu não esperava. Do mesmo modo que nunca alimentei a possibilidade do Cardeal brasileiro. Para mim os nomes que eram suscitados não teriam chances. Só ocorria-me a idéia de que poderia sair um Papa negro africano. Talvez um “efeito Obama”. Andei sonhando com uma guinada maior. Mas, honestamente, terminei gostando da escolha. E lembro que o Cardeal argentino sempre era lembrado no pré-conclave. Mereceu e estou apostando no sucesso. Não sei se ele promoverá as mudanças desejadas porque, segundo se diz, é um conservador. Mas, o fato de ser latino-americano já foi um passo adiante. O modelo dos papas ligados à velha cultura européia já se esgotou há muito tempo e não vem ajudando muito.
Além da surpresa da sua origem, vem o fato de ser um jesuíta – o primeiro no trono de São Pedro – e a escolha do nome de Francisco, homenageando os dois santos com este nome: Francisco de Assis (Úmbria – Itália, em 1182) e o jesuíta – vejam bem – Francisco Xavier. Ambos se notabilizaram na história católica e, com essa homenagem de Bergoglio, ressurgem no cenário católico como que para anunciar, de forma indelével, um novo tempo. Somente para lembrar: Francisco de Assis, embora pertencente a uma família rica, despojou-se das comodidades da casa paterna e, fazendo voto de pobreza, dedicou a curta vida (morreu com apenas 44 anos) pela opção de proteger os pobres e oprimidos. Causou uma verdadeira revolução no catolicismo da época, entregue ao fausto e ostentação da nobreza européia. Já o Francisco Xavier, se notabilizou como missionário no Oriente levando a mensagem de Cristo à possessão portuguesa de Gôa, na Índia, à China e ao Japão. Morreu na China em 1552. Sobre ele contam-se inúmeros milagres. Xavier era jesuíta como o Papa Francisco. Conclusão: combater a pobreza e promover a evangelização podem ser objetivos chaves no pontificado de Francisco. Nas suas mensagens pastorais insiste muito na ideia de que “a Igreja tem que ir ao povo e não o povo vir à Igreja”. Sendo um latino-americano e conhecendo de perto a pobreza da região e a precária evangelização destes tempos, muito se pode esperar do novo Pontífice.
Ouvindo os relatos sobre a vida do Cardeal Jorge Mario Bergoglio, vendo pela TV seu comportamento simples na hora da Urbi et Orbi e nos momentos que se seguiram à sua proclamação muito me impressionei com sua simplicidade e visível humildade. Voltar ao alojamento no mesmo ônibus dos companheiros cardeais foi somente uma primeira tirada de Francisco. No dia seguinte, ao se deslocar para a Basílica de Santa Maria Maggiore, onde orou e pediu proteção para seu pontificado dispensou a limousine papal e usou um veiculo comum da gendarmeria vaticana.
Como era de se esperar, não tardou para que tomássemos conhecimentos sobre o Cardeal Jorge Mario Bergoglio. Como quem fez voto de pobreza, vivia solitário, em Buenos Aires, num apartamento acanhado, anexo a Catedral de Buenos Aires, cozinhando o que comia e se deslocando para sua missão pastoral nos transportes públicos, isto é, ônibus ou metro. Ao se tornar cardeal, por decisão de João Paulo II, preferiu não usar novos paramentos e usou os já usados pelo seu antecessor falecido. Rogou aos argentinos dispostos a ir ao Vaticano assistir a sua entronização (próxima 3ª. Feira -19.03.13) que empreguem o dinheiro que gastariam na viagem em obras das ações sociais.
Acredita-se que, um homem dessa formação e caráter, enfrentará imensas dificuldades para conviver no luxo e ostentação que os palácios do Vaticano oferecem e foram aceitos pelos Papas europeus até hoje. Fala-se que poderá retomar a idéia de João Paulo I que, surpreendendo a todos, teria manifestado a vontade de morar, distante do fausto e da riqueza palaciana, num subúrbio de Roma. Como morreu com 33 dias de pontificado não deu cabo do seu projeto. Quem sabe, Francisco o concretize, sobretudo, inspirado em Francisco de Assis. E aí, então, operará um verdadeiro tremor nas bases vaticanas, além de mandar um recado direto para os que fazem do dinheiro e do consumismo moderno a base das suas crenças.
A propósito, lembro que na história recente da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, ao assumir seu posto, decidiu que não viveria no Palácio Arquiepiscopal dos Manguinhos e foi morar nos fundos da Igreja das Fronteiras, num compartimento simples e conforme seus ideais e voto de pobreza. Vide foto a seguir. O Palácio ficou em franco abandono, sendo restaurado quando da vinda de João Paulo II ao Recife e lá se hospedou, em 1980.
Por fim, é de se destacar que sendo um Jesuíta, de filosofia disciplinar rígida, fiel seguidor de Inácio de Loyola, um ex-soldado que fundou a Companhia de Jesus, Francisco terá, certamente, condições de tratar os problemas centrais do catolicismo com o rigor que exige, neste momento.
Tudo quanto ouvimos e vimos nesses últimos dias – desde a renúncia de Bento XVI – se constitui num rico momento de debates sobre a figura de um Papa, a infalibilidade deste, a aura de santidade, as questões morais que se exige de um prelado ou de um simples sacerdote, os preceitos religiosos, a questão desenfreada da pedofilia, os desfalques no Banco do Vaticano, celibato dos padres, o casamento gay, o aborto, o divórcio e, finalmente, o futuro da própria Igreja Católica.
Resta a esperança que deste momento repleto de colossais desafios saiam novas idéias e novos tempos para o mundo cristão, incluindo aí, a comunicação fraterna entre as várias igrejas cristãs. O Papa Francisco terá muito com que se preocupar.

N OTA: Foto obtida no Google Imagens

3 comentários:

Adalberto A S. disse...

Excelente e muito oportuno este teu comentário. Registro referências à idéias do novo Papa no livro "Sobre el Cielo Y la Tierra", publicado recentemente. Contra casamento de homossexuais por ser questã fechada de Igreja, mas, ao que se diz,calado ou aberto à pílua e camisinha. Ali tamabém afirma que bispos e padres têm que sujar os pés de barro"

Rogério Mota disse...

Amigo Girley, meus parabéns pelo contéudo de muita riquezas da sua matéria. Sim, o Papa Francisco trará uma grande transformação para o bem do mundo cristão. Vamos acreditar.

Assis Bezerra disse...

Caro Girley, li e reli "SIMPLESMENTE FRANCISCO" (gosto imensamente do nome "FRANCISCO", em meu entendimento de hoje, o primeiro nome que ouvi, e gravei, ainda no colo da minha mãe). e rogo-lhe aceitar a minha admiração a sua clarividência.
Um forte abraço - Assis

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