quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

AINDA RESTA ESPERANÇA

Já fui um grande folião. Quando o carnaval se aproximava, eu tratava de montar minha programação para curtir o que sempre considerei a melhor festa do ano. Brinquei muitos carnavais. Ocorre, porém, que aos poucos fui me desencantando devido, sobretudo, a descaracterização da nossa festa, aqui em Pernambuco.
No principio, digo, na época em que me enfronhei (terminho antigo...) por participar dos folguedos de Momo a festa era basicamente nos salões dos clubes sociais. É verdade que havia o corso, nas ruas do Recife, que na época se caracterizava por uma coisa herdada dos portugueses e denominada de entrudo. Consistia numa brincadeira de melar os foliões que passavam pela frente com produtos do tipo talco, farinha de trigo, goma de mandioca, ovos, mel entre outros. Essa época foi denominada de carnaval do mela-mela. Era divertido... mas, até certo ponto. Refiro-me ao ponto em que pessoas mal-intencionadas resolveram participar usando produtos nocivos à saúde e integridade física dos foliões. Até soda caustica usaram. Foi, então, a época de me retirar dessa folia prejudicial. A coisa ficou de tal modo perigosa que a Policia Estadual coibiu de modo severo dando fim àquele carnaval de bárbaros. Nesse cenário, o carnaval de clubes ganhou força e as quatro noites de festa ficaram na história dos nossos carnavais. Isso, sem falar nas prévias, entre as quais o Bal Masqué e o Baile Municipal que tinham formatos de maior charme e elegância. Com a modernidade que adotaram, perderam muito... O Bal Masque de hoje é uma festa do gênero popular e tipo “pagou, entrou”. Paciência!
Eis que de repente veio um novo tempo e o carnaval de rua tomou novo impulso, dessa vez mais civilizado, dando condições aos desfiles de blocos, troças, cabocolinhos e maracatus populares. Com mele-mela isso era impossível. Em Olinda e Recife ressurgiram movimentos com todo esplendor popular. No caso do Recife, coincidiu que foi a época em que o Governo Municipal recuperou o centro histórico do Bairro Antigo (hoje está tudo abandonado), que passou a servir de palco para desfiles das agremiações e restaurar o verdadeiro carnaval pernambucano. Na Rua do Bom Jesus passou acontecer tudo de mais pura tradição. Por conta disso, o carnaval de clubes entrou em declínio e, na prática, desapareceu.
Mesmo assim, nos últimos tempos, tenho tido decepções com o que estão fazendo com a nossa festa pernambucana. As autoridades municipais de plantão no Recife insistem num tal de carnaval multicultural, incluindo shows com artistas de fora e marginalizando os valores da terra. Sambistas cariocas, roqueiros importados e DJs famosos que o povo não conhece são as atuais estrelas da festa. O frevo baiano sufoca o pernambucano com o beneplácito de uma alienada prefeitura da cidade e com o conformismo dos nativos. A turma da nova geração nem se anima para fazer o passo ou entoar as musicas verdadeiramente pernambucanas. É uma lástima.
Na tentativa de reviver o passado de gloria da nossa festa maior, fiz, este ano, a concessão de participar de dois momentos carnavalescos: fui ao Baile do Eu acho é Pouco, em Olinda, e ao lançamento do CD de Almir Rouche, no Palácio do Galo da Madrugada. No primeiro constatei que, enquanto tocou frevo o salão ficou vazio. Saiu a orquestra de frevo – ótima por sinal – e quando entrou uma escola de samba, não sobrou espaço no salão. Claro que gosto também de samba e alguns são perfeitos para a festa. Mas, essa de preterir o frevo é inaceitável. Tudo tem limite. Já no Galo da Madrugada a coisa foi mais pernambucana. Embora que saí desconfiando que o Rouche não faz muita diferença entre frevo pernambucano e baiano. Apesar disso a festa de lá foi mais autêntica, porquanto o artista se preocupou em cantar frevos-canção famosos, homenageando as figuras de Capiba, Nelson Ferreira, Gildo Branco, J. Michiles, este presente à noitada, entre outros. Para completar a autenticidade chegou o Bloco das Ilusões fazendo evoluções com suas figurantes bem fantasiadas. Dona Mira (nome fictício) com 92 anos de vida, não parou um instante. Dançou o tempo todo e ainda incentivava os presentes a cair no passo. Veja a carinha dela na foto ao lado. Fiquei admirado com aquela vitalidade, tipo menina-moça. Uma autêntica pernambucana. Bela! Diante daquilo e dependendo dos nossos remanescentes foliões, como me considero, além de muitas Miras soltas por aí, ainda resta esperança. O frevo não pode morrer.
NOTA: Foto da autoria do Blogueiro

4 comentários:

Danyelle Monteiro disse...

Boa noite professor,

Apesar de me considerar eclética, também acho que tem hora pra tudo e que deveríamos valorizar mais as pratas da casa; de qualquer forma, os foliões de plantão como eu não perderam tempo e foram frevar com Alceu Valença, Elba Ramalho e maestro Spok no Baile Municipal e toda a turma fantasiada claro. No mais, estou treinando a nova geração da família nas cantigas carnavalescas. Pelo menos durante o dia tem troças, blocos, cabloquinhos, maracatus no Recife antigo e essas "lindas meninas dos blocos tradicionais" e suas belíssimas evoluções, lindas de se ver, quero eu chegar a certa idade com a jovialidade dessas meninas. O colorido do nosso autêntico carnaval é único, não há em lugar nenhum, sem falar que temos o maior bloco de carnaval do mundo, o Galo da Madrugada e o majestoso e calunga Homem da Meia Noite... da parte Multicultural, quero ver Nação Zumbi, do nosso movimento mangue beat, no mais, apoteose do frevo com os nossos maestros craques pelas ruas do antigo até amanhecer...

Grande abraço,
Danyelle Monteiro

Newton Melo disse...

Prezado Girley,

Gostei dessa sua crônica sobre os carnavais pernambucanos. Sua crônicas, Girley, eternizam memórias e isso é muito bom. Parabéns!

Abraços,

Newton de Mello

(Um paulista que tinha uma avó sergipana, Dona Maria Conceição de Mendonça Mello, nascida em Laranjeiras - SE em 1880 e falecida em Araraquara - SP em 1960, e que sabia tecer a renda de bilros, acredito eu que é uma tradição holandesa, tendo em vista a pintura de Vermeer, do século XVII, denominada "A Rendeira".)

GENILSON RIBEIRO disse...

CARO AMIGO GIRLEY, TAMBÉM VIVI ESSA ÉPOCA EM QUE O CARNAVAL ERA DA FAMÍLIA,QUANDO TODOS SE RESPEITAVAM E SE DIVERTIAM COM TROCA DE AMABILIDADES E GENTILEZAS. É TRISTE VER EM QUE SE TRANSFORMOU, EXIGINDO UMA QUANTIDADE ENORME DE POLICIAIS, NA EXPECTATIVA DE MINIMIZAR OS INCIDENTES. HOJE EVITO SAIR ÀS RUAS NESSE PERÍODO. NÃO TEMOS O DIREITO DE TER UMA ARMA PARA NOS DEFENDER, E NÃO TENHO CONDIÇÕES FINANCEIRAS DE ADQUIRIR UM AUTÓVEL BLINDADO. ASSIM, O RECESSO DOMICILIAR AINDA É A MELHOR SOLUÇÃO.

Mary Caldas disse...

Girley
Sua crônica retratou bem o melhor do carnaval de outrora. Era uma alegria preparar as fantasias uma pra cada noite. E as prévias nos clubes eram uma animação só. A primeira era "Carnaval começa no Cabanga", depois o Bal Masque (todos fantasiados e com máscara)e o Baile Municipal. A orquestra de frevo com o maestro tocando as marchinhas de compositores famosos e os foliões cantando e dançando ou nas mesas e cadeiras ou no salão. Maravilha! Carnaval nos dias de hoje aconselho sentar no sofá e assistir filmes e a leitura de um bom livro.
Abraço e bom descanso, Mary.

Voltando

Tenho tido dificuldades para emitir uma postagem semanal. Confesso. De tempos em tempos, essa dificuldade bate e termina cravando um estranh...