domingo, 7 de agosto de 2011

Up-grade Social

O up-grade social operado pelo governo de Lula é, de fato, notável. A expansão do mercado interno é indiscutível. O boom das atividades econômicas é visível no dia-a-dia de todo brasileiro e em qualquer ponto do país. Até no Nordeste, tradicional bolsão de pobreza, as coisa mudaram bastante. As diversas bolsas governamentais, que tiram milhões de pobres das faixas inferiores de renda, inclusive da miséria, terminam por gerar mudanças no aparelho produtivo dos três setores mais importantes da economia. Confesso que tenho sido critico da estratégia de distribuição de renda, dado seu caráter paternalista e porque não vejo como isso vai se sustentar. Mas, a coisa está aí... e pronto. Tudo bem.

Acontece que não é sobre o mérito da política social implantada pelo Governo Federal que vou pautar meu “bate-papo” semanal. Ao invés disso, relato fatos pitorescos – cômicos, até – das mudanças de costumes sociais e novos hábitos do cidadão brasileiro no Século 21.
Quem viaja, com freqüência e por via aérea, já deve ter notado o novo perfil dos passageiros. Antes, viajar de avião era um luxo reservado a poucos dos mortais. Aqui no Nordeste, nem se fala. Agora, tem sido mais freqüente aparecer, entre os viajantes, pessoas visivelmente simples e humildes, com olhares curiosos, alguns meio assustados, “marinheiros de primeira viagem”, sempre carregados com bagagens de mão descomunais e mal-embaladas, além de cobertores e travesseiros pessoais. São os antigos passageiros de transporte rodoviário que mudaram de modal. As empresas aéreas, por outro lado, já descobriram esse nicho e não perdem tempo em promover vendas que se ajustam, como luvas, ao novo estrato social.
O resultado dessa mudança – muito bem vindo, claro – é que cenas inéditas têm sido registradas nas aeronaves que cortam, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, os céus brasileiros.
Hoje à tarde (sábado, 6/08/2011) embarquei, com minha esposa, no Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, de volta ao Recife, após uma rápida viagem à Cidade Maravilhosa (nem tanto, ultimamente...) e assistimos cenas impagáveis. O vôo trazia muitos passageiros com destino final na cidade de Petrolina (cerca de 700 km. do Recife, Sertão do São Francisco de Pernambuco). Logo na operação de embarque percebi o agito de alguns companheiros de viagem. Dona Josefa (nome fictício), idosa e de estatura pouco privilegiada, portava um matulão (espécie de rústica bagagem comum nos confins brasileiros) desproporcional à referida estatura. Dava dó ver o sacrifício da viajante. Senti remorso de portar confortavelmente minha maleta levíssima (fibra de carbono) e provida de rodinhas bailarinas. Dona Zefinha adentrou a aeronave e foi logo procurando assento, sem saber que havia uma reservada somente para ela. Orientada pela comissária de bordo foi levada para uma poltrona, bem próxima a minha. Agradeceu as atenções daquela moça solícita, bonita e bem trajada e, sem cerimônia, pediu que ela a ajudasse, também, arranjar um espaço para o matulão: “ô mocinha, você pode me ajudar a guardar minha bagagem ali em cima, que em num alcanço...” “Senhora, sua bagagem está muito pesada e dificilmente vou conseguir acomodar aqui... Por que não despachou?” “Vilge minha fia, eu prifiro carregar meus pertence cumigo mermo. Dixeram qui é mai seguro... Vosmicê me ajuda aqui e meu fio carrega pra eu, quando noi chegá lá em Petrolina” A aeromoça, talvez como num gesto de solidariedade, ajustou, empurrou e conseguiu guardar a bagagem de Zefa.
Passados poucos instantes entra uma família bem caipira e, com certeza, na primeira viagem de avião. O chefe da família orientava, orgulhoso, a acomodação da esposa e dos dois filhos menores nas poltronas situadas uma fileira diagonal à nossa. Vaidoso, puxou do bolso uma câmera fotográfica digital e disparou fotos e mais fotos da família na sua primeira experiência aérea. “Surria mininos. Olha o passariiiinho.... Ei, Maria (nome fictício) tu tá tão seria hoje... que foi que deu, nimtu, heim? Ri também, vai” Fotos prá cá, fotos prá lá, inclusive do restante do avião, chegou a hora da decolagem e ele toma assento justo na frente da minha esposa. Quando vieram as recomendações de apertar cintos e colocar a poltrona na posição vertical, o cidadão faz ao contrário e reclina o encosto. Toquei no ombro dele e recomendei voltar à posição vertical. Olhando à retaguarda resmungou com um “Ôxente, e tô atrapaiano?” “Não cavalheiro é que não é permito esta posição no momento da decolagem” “Ah! Eu num sabia... tá bom, então...” Era ou não era a primeira viagem? O tempo passou e aí veio o melhor da história: quando o Comandante anunciou os procedimentos de descida no Recife e começamos a sentir aquela habitual e suportável pressãozinha nos ouvidos, Maria botou prá reclamar e dizer que não estava agüentando. Que, daquele jeito, ia morrer com os miolos estourados e, aí, entrou em desespero. O marido, meio aperreado, chamou a aeromoça e pediu orientações, que gentilmente explicou que aquilo era normal e que ela se acalmasse, porque logo estaríamos aterrissando e tudo passaria. A mulher não se acalmou... “Mas Zé, num sei prá que tu inventô esse tá de avião”. Já pensou? Ela confundiu o marido com Santos Dumont! “Deixa de teu pantim, mulé cavilosa... Ôxe, desse jeito num te trago mai pa viajá, visse?” Não me contive. Minha mulher me recomendava comedimento. Maria urrava, sacudia a vasta cabeleira e vi a hora dela decolar pelo teto do avião. Eu, não conseguia segurar.
Adorei a viagem desta tarde. O avião não tinha Classe Executiva, mas D. Zefinha e a família de Zé e Maria fizeram o maior up-grade que já tive noticia: deixaram de viajar de ônibus e embarcaram num cilindro voador! Num foi legal? Quem tiver o email de Luis Inácio, encaminhe para ele. Ele vai babar... de alegria, com razão! Até eu...se fosse ele.
NOTA: Ilustração obtida no Google Imagens.

10 comentários:

Edvaldo disse...

Caro Girley. Escrever com humor é fácil. Qualquer humorista o faz. Difícil é aliar humor sem deboche, elegância e acurado poder de observação, sem cmprometer o sério e a realidade dos fatos. Por essas, entre outras razões, repassei seu blog para vários amigos interessados em assuntos dessa natureza, inlusive Izaías Rosemblatt, homem culto a quem admiro muito. Abraços, Arlégo.

Luiz Bezerra de carvalho Jr. disse...

Girley:
Seu “bate-papo” desta semana está uma delícia. Tenho vivenciado experiências idênticas.
Certa vez ao chegar a minha poltrona reservada do avião estava lá aboletada uma senhora simples cercada por toda a família.
Ela foi dizendo sem o recomendável ”por favor”: “o senhor se senta aí nesta cadeira (corredor) que eu vou aqui (janela) apreciando o cenário.
Não tive dúvidas, obedeci e não briguei pelo meu direito junto ao pessoal de bordo.
Viajei “curtindo” a algazarra dos antigos viajantes de pau-de-arara.
Salve os bons tempos!
Luiz Bezerra de Carvalho Junior

Simone Wanderley Lustosa disse...

Hilário Girley. Já viajei em situação semelhante. Mas apesar de certas cenas serem engraçadas, assim como você fez, temos que tratar estas pessoas com respeito. São fruto da nossa sociedade. Investir na educação prepara as pessoas para novas experiências e oportunidades. parabéns pelo post e saudades amigo!
Simone Wanderley Lustosa

Mauro Gomes disse...

Caro Girley,
Vamos torcer para que essa seja uma nova realidade sem volta.Você está se mostrando um cronista muito competente.

Abraço,

Mauro Gomes

Baiano disse...

Prezado Girley,
Essa sua coluna foi a mais hilária de todas que ja li!!! Francamente, embolei de rir mesmo!!
Parabens!!!
Baiano

ZehGeraldo disse...

Confessso que não ri... Fico num misto de atenção e preocupação... Neste contexto nacional contraditório - não bstante oas "evidências" de que nos fala o Girley.
Duas semanas atrás - não escondendo que usei o tal sistema de "milhagem" para podermos participar da Anual da SBPC, em Goiânia - na volta para Imperatriz-MA, presenciamos "figuras humanas" mais ou menos como as pintadas (de modo um pouco caricatural, convenhamos)... No entanto, mais com aspecto de TRABALHADORES, não sei se "empregados" ou não...
Prefiro repetir o que disse a SIMONE: "apesar de certas cenas serem engraçadas, assim como você fez, temos que tratar estas pessoas com respeito. São fruto da nossa sociedade. Investir na educação prepara as pessoas para novas experiências e oportunidades."

Domingos Savio disse...

É isso aí Girley, depois que conseguimos estabilizar a nossa moeda, as diferenças diminuíram. Na epoca da inflação descontrolada não dava mesmo. O Presidente Lula foi inteligente em manter a política econômica do governo anterior e tivemos sorte com um cenario econômico favoravel. Agora vamos ver se os Americanos e Europeus não venham atrapalhar com essa crise que se apresenta. Parabéns pelo maneira leve e bem humorada do artigo.

Danyelle Monteiro disse...

Bom dia professor,
Não contive a risada, é assim mesmo, com “pantim”, com essa humildade desenfreada da dona Zefinha e com a epopéia da família matuta... recentemente fui em visita técnica à região do Araripe, extremo oeste de Pernambuco e lá vi de perto “o jeito sertanejo de ser”, sempre recebendo bem os visitantes, com muita fartura por mais humilde que seja o lugar, povo festeiro, que gosta de tomar umas cervejinhas... esse perfil hospitaleiro geralmente é típico do interior do nordeste, não só do sertão, mas também do agreste, pelo menos do central, região onde fui “criada” como se diz por lá; as diferenças são mais acentuadas quanto mais distantes das regiões metropolitanas se situarem tais cidades ou vilas. E são nessas pessoas que penso quando realizo meu trabalho, em melhorar suas vidas de alguma forma, nem que seja promovendo de alguma forma o lugar, seus produtos ou através do turismo ou fornecendo informações regionais a alguns empresários, enfim... uma coisa é certa, lá a máxima de Rousseau de que “o homem nasce puro e a sociedade o corrompe” graças a Deus ainda não chegou, é terra de gente honesta e trabalhadora... e concluo com uma frase de Euclides da Cunha: “O sertanejo é antes de tudo um forte” e acrescento, “e sabido oxente”...
Grande abraço de uma matuta do agreste central,
Danyelle Monteiro

Vera Lucena Moura disse...

Girley
Adorei e ri muito com todo o seu relato, engraçadissimo.
Vera Lucia Lucena Moura

Luiz Augusto Perman disse...

Caro Professor Girley
Seu blog tem apresentado temas muito interessantes que se complementam com um somatório de opiniões diversas dos visitantes, umas mais simples, outras ilustrativas, as quais agregam informações por demais interessantes, pessoas cultas adicionam os conhecimentos sobre os temas pontuados.
Dessa forma seu objetivo de difundir e até mesmo de provocar, com sutiliza salomônica, promove o agrupamento dos conhecimentos dos seus amigos e admiradores, consequentemente colaborando com enriquecimento singular na divulgação da cada matéria escolhida.
Sua iniciativa vem promovendo seguidores pela diversidade dos assuntos expostos no seu veículo de comunicação. A prova disso, é logo-logo atingir os 100.000 acessos.
Dessa maneira apresento os sinceros agradecimentos em partilhar do rol dos privilegiados que recebem o Blog do Girley.
Aproveitando a data desejo muita saúde e felicidades pelo transcurso do seu aniversário.
Atenciosamente
Luiz Augusto Perman

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