sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Retrato Velho

Eu cresci, posso dizer, no meio da politica. Neto de um chefe politico de interior, coronel velho e "manda-chuva" do lugar, me empolgava com a permanente movimentação, que se tornava mais dinâmica nos dias de eleições, como os de hoje. Foi, não foi, lá se dava um comício. Seu Epaminondas Mendonça – era este o nome do meu avô – se empolgava e saindo de trás do balcão do seu estabelecimento comercial, trepava num tamborete, garrava do microfone (que estava sempre a postos) e largava seu discurso inflamado para a matutada de Fazenda Nova (180km. distante do Recife). Era uma cena bem comum, principalmente, nas sextas-feiras, dia da feira do lugarejo. A matutada se apinhava diante daquele líder-matuto se empolgando e pedindo a chapa do candidato defendido, para depositar na urna eleitoral. Não perdia uma eleição e sempre fazia seus vereadores e prefeito, além de empurrar deputados e governador. Ele próprio era, muitas vezes, o candidato. Sistema arcaico e cheio de vícios, é verdade. Mas sem as patifarias de hoje. Só se às escondidas. Não sei o que diria – aquele homem que foi prefeito e vereador nos interiores de Pernambuco, tirando do próprio bolso o sustento das campanhas que fazia, prejudicando muitas vezes a própria família – diante dessas bandalheiras, deslealdades, roubos e assaltos aos cofres da Nação, do hoje. Morreu sem deixar fortunas, salvo uma dúzia de casas, poucos hectares de terra e a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Morreu sem laivos e sem quem dissesse um “tantinho assim” de desonestidade dele.
Nos dias de eleição, quando eu estava em Fazenda Nova, minha excitação era tamanha que sequer conseguia dormir direito, dado o rebuliço na casa. A mulherada varava a noite preparando a comida do eleitorado, no dia seguinte. Quando o dia amanhecia já era um corre-corre, um falatório danado, um entra e sai desmedido de eleitores, dentro de um clima de comes e bebes sem fim. Matavam-se boi, carneiros e bodes e o galinheiro ficava vazio. À la cabidela, assada ou guisada, não sobrava uma penosa sequer. A matutada chegava amontoada nos caminhões escalados para transportá-la desde as brenhas onde vivia até a vila e se esbaldava tirando a barriga da miséria. Todo mundo nos trinques, ou seja, bem vestido, em roupa de gala, brilhantina colgate ou glostora na cabeleira ou chapéu de massa, perfumados e cheios de pose. Era uma festa. As mulheres, affe Maria, caprichavam e, sobretudo, carregavam no batom e no pó de arroz e rouges da marca Royal Briar. Aquilo era o máximo e elas se achavam... Ah! A grande maioria fazia questão de sorrir um sorriso brilhante, por trazer um monte de dentes de ouro na boca. Isto existia antigamente e o matuto que tinha um dinheirinho qualquer investia imediatamente numa dentadura de 18 Kilates. Minha mãe dizia, logo, “lá vem um boca rica”. Imagino o que diria a turma jovem, de hoje. Daria boas gaitadas. E eu, ia lá voltava cá, garrava duma garrafa de Crush e enchia a cara... Também. Em dia de eleições eu era fi-de-deus e podia beber mais.
Encerrada a votação esperava-se, no maior frisson, a apuração dos votos que só acontecia muitos dias depois. Resultado publicado, a festa rolava mais grossa ainda, porque era sempre vitória. Uma graça. A tímida oposição do lugar trancava-se em casa e se mal-dizia da situação. Dos partidos da época minha lembrança só passa por duas siglas a do PSD (Partido Social Democrático) e da UDN (União Democrática Nacional). Havia outras, mas, somente essas duas me marcaram, porque a guerra entre elas era de feder a sangue. Meu avô era do PSD e quem fosse da UDN eu nem devia cumprimentar. Fuxico de interior era de lascar. Aliás, ainda é, visse...
E, por falar em chapas contadas, lembro demais da quantidade de papelotes impressos com nomes de candidatos e cargos postulados. Era com um desses papeizinhos que o eleitor votava. Muito artesanal demais, se comparado com o sistema eletrônico atual, além de inseguro, pois favorecia a fraude. Que certamente havia! Lógico! No meu pensar infantil, torcia para que sobrassem muitas chapinhas com as quais inventaria vários tipos de diversão – barquinho, aviãozinho, sabe lá o que mais – na ressaca da eleição. Com os tempos vieram a cédula única e, hoje, a urna eletrônica que, indiscutivelmente, é um fantástico avanço no processo eleitoral brasileiro, motivo de orgulho da inteligência tupiniquim e que está sendo adotada em muitos países.
Progresso por um lado e obstáculos por outro, porque muita gente – os de baixa instrução, particularmente – se ressente com um sistema que exige um esforço maior da mente e produz impasses para aqueles que têm aversão à máquina. É complicado para os menos letrados e resulta em muitos votos nulos.
O tempo passou e isto eu não discuto, porque o espelho me lembra a cada dia. Mas, sempre tem festa no interior, no dia de eleições. Domingo que vem é dia de eleições. E é dia de festa. Festa da democracia. A farra é tamanha que instituíram a chamada Lei Seca. Desmoralizada, meu Deus... Vou guardar este meu velho retrato do passado, com carinho e saudade.
NOTA: Fotos/reclames obtidos no Google Imagens.

5 comentários:

Geraldo Pereira disse...

Um texto enxuto, bonito e bem redigido, de estilo nas medidas do desejado pela clientela. Está ótimo Girley, me fez lembrar, também, os meus idos e bem vividos tempos, quando Agamenon, o líder maior do PSD, mandava e desmandava. Era um rolo do peru! Ainda é!
Geraldo Pereira

Mestre Giobosco disse...

Girley, fotógrafo do tempo... e de retrato para ser emoldurado e bem guardado na memória, pois é um belo documento, pintado com as cores de um tempo distante mas atual, e eivado de saudades e que, de certa forma, também vivenciei, só que no Recife, mas com suas eleições viciadas, discussões que às vezes acabava em pancadaria e sangue.

Tereza Viana Gadelha disse...

Girley
Esse filme já tive oportunidade de ver em Sousa - PB, essas mesmas cenas que você descreveu com riquezas de detalhes;
apesar dos pesares tenho até saudades, porque em tudo tem seu lado positivo.
Tereza Viana Gadêlha

Regina da Fonte disse...

Girley
Você falando assim do seu avô me fez recordar as férias que passava em Fazenda Nova e de um fato ocorrido quando fui à farmácia dele(seu avô),comprar "modess"! Fiquei um tempão ensaiando para pedir a ele,morta de vergonha e ele sabia o que eu queria e se fazia de desentendido com aquele ar de riso...Até que teve pena daquela pobre garota de 13 ano,prestes a desistir da compra e disse:"Perai'que eu vou buscar o seu modess!!Eu fiquei vermelha de vergonha e ele às gargalhadas.Muito legal,Seu Epaminondas!Vovô Eugênio era muito amigo dele! bjsRegina. Deu saudade daquele tempo...
Regina da Fonte

Susana González disse...

Lindisimo articulo y como me hizo recordar aquel viaje tan lindo que hicimos a Fazenda Nova.

Gracias de verdad por traernos ese lindo recuerdo.Besos
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