Tenho acompanhado, nesses últimos meses, a recuperação da imagem de D. João VI, que reinou no Brasil, há duzentos anos.
Todo mundo lembra bem desse personagem da nossa história, mostrado sempre de forma patética e, até mesmo, grotesca.
Agora, porém, alguma justiça começa a ser feita e a primeira conclusão é que houve um forte exagero e muito folclore. Recentes debates e publicações sobre os duzentos anos da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, melhor fundamentados, dão conta de uma história mais digna ao monarca que, sem dúvidas, mudou o Brasil.
Tive a curiosidade de ler a obra de Laurentino Gomes, intitulada “1808”, primeiro lugar entre as mais vendidas, no seu gênero.
Numa linguagem leve e moderna, a figura de D. João VI é mostrada de forma mais correta. Segundo Gomes, o homem não era tão idiota como mostrado na TV ou pelo filme de Carla Camurati, embora não chegasse a ser um grande exemplo de monarca ou chefe de estado.
D. João VI chegou ao poder de uma forma indesejada: a principio ocupando o lugar de herdeiro, devido à morte do irmão mais velho e depois, assumindo o posto de Príncipe Regente no lugar da mãe, Dona Maria, a Louca. Aguardou a morte dela, para, enfim, ser coroado Rei do Reino Unido do Brasil e Portugal, em 1816.
Foram muitas agruras na vida desse homem, que sem querer e sem ter vocação, tornou-se um monarca movido a espasmos de governante, que, de um modo ou de outro, terminaram dando certo.
Casado com a espanhola Carlota Joaquina, causadora de inúmeras dificuldades, inclusive políticas, D. João comeu do “pão que o diabo amassou”. Tanto ela, como a Rainha Mãe, foram, na prática, “duas cruzes” carregadas por D. João, à vida inteira. Duas loucas numa porta só. Uma já é ruim e não tem quem agüente. Imagine duas!
Doidas à parte, vou lembrar dos feitos e das vantagens, para o Brasil, resultantes das decisões desse nosso Rei.
Ninguém podia imaginar, naquela época, o que poderia acontecer à Família Real e ao reino de Portugal, depois daquela fuga açodada, no dia 29 de novembro de 1807. As tropas de Napoleão ainda avistaram as embarcações, zarpando do cais de Belém, em Lisboa, rumo ao Atlântico e com destino à Colônia do Brasil. Chegariam ao destino? Voltariam algum dia? O que seria daquele reino, dali em diante?
Com muitos percalços, a comitiva Real encostou no Brasil após mais de três meses navegando em condições sanitárias deploráveis, além das situações adversas e inseguras, num tempo em que os meios de comunicação eram mais do que rudimentares. A Inglaterra, a rainha dos mares, à época, tradicional aliada de Portugal, escoltou a esquadra Real e garantiu a chegada ao seu destino.
A Colônia não passava de celeiro do reino de Portugal. Ouro, pedras preciosas, madeira de lei, açúcar, entre outros poucos itens eram levados para comercialização na Europa e sustentavam um Portugal combalido e cada vez mais decadente. A cartada final estava nas mãos de Napoleão Bonaparte, que naquela ocasião invadia todos os paises europeus e ampliava seu Império de forma nunca vista. Ao ser coroado na Notre Dame, em Paris (02/12/1804), o sujeito foi considerado “o mais poderoso sopro de vida humana sobre a face da Terra”.
O Rio de Janeiro, onde D. João se estabeleceu, era uma cidade com aproximadamente 60 mil habitantes, vivendo em condições subnormais, sem qualquer estrutura urbana. Um verdadeiro caos. Na intenção de transformar o Brasil na sede do Reino, o Regente D. João, tinha que mudar esse quadro e assim procedeu. Desde os primeiros momentos, ainda na sua parada em Salvador, começou a por em prática uma série de mudanças que transformariam, completamente, os padrões geo-políticos e sócio-econômico da, até então, subjugada Colônia do Brasil. Abriu os portos às nações amigas, criou um curso de medicina – a medicina era, naquela época, exercida por barbeiros e curiosos – outros de técnicas agrícolas, um laboratório de estudos e analises químicas, a Academia Real Militar, que ensinava Engenharia Civil e Mineração, fundou a imprensa nacional e o primeiro jornal, a Gazeta do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, criou, ainda, o Jardim Botânico, o Real Teatro de São João (hoje João Caetano), o Banco do Brasil, liberou e incentivou as atividades comerciais e industriais, que eram proibidas, construiu as primeiras estradas do país e tratou de expandir e fixar as fronteiras do país. Para completar ainda mandou vir da França uma plêiade de artistas para criar um ambiente europeu nesse reino tropicalista. São famosas, por exemplo, as obras de Debret e Taunay.
Coube a D. João, portanto, o importante papel de dar uma forma digna à antiga Colônia, para adequá-la às condições exigidas para sede do seu Reino. Em suma, o Brasil saiu da condição de colônia subjugada e alçou vôo que, depois, o levou à independência, em 1822, pelas mãos do herdeiro de D. João, o principe D. Pedro.
Mas, pensando direitinho, eu acho que isso tudo se deve mesmo é a Napoleão Bonaparte. Claro! Se ele não tivesse investido contra Portugal, essa família real teria, certamente, ficado por lá, depredando a Colônia do Brasil, até que esta se transformasse num grande “barril de pólvora” explodindo na forma de inúmeras republiquetas, como ocorreu na América espanhola, amargando maiores problemas do que os que hoje administramos. Não é mesmo?
Se essa minha tese ganhar fôlego, vamos ficar devendo homenagens ao Bonaparte, além da rede pernambucana de fast-food. Avenidas, estátuas, praças... sei lá, o que mais.
Por isso, por via das dúvidas, pelas voltas que o mundo dá e por enquanto, Merci Beuacuop Napoleão!
NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens: em cima, o feio D. João VI e, abaixo, Napoleão, que era feio também, mas tinha um belo e famoso cavalo branco.
8 comentários:
Girley você é ótimo e competitivo. Até no livro que lê você mostra que não fica por trás, porque leu o livro que é "primeiro lugar entre as mais vendidas no gênero" Gostei muito do título porque de fato se tudo se passou dessa maneira só temos a agradecer a Napoleão.
Caro Girley,
Parabéns pelo Blog. Li o livro l808e o seu comentário está perfeito. Escrevi um conto Os Passageiros do Tempo que retrata um pouco desse Rio de Janeiro que tanto amamos, apesar da violência.Quando livro for lançado eu mandarei um convite. Abraços.
Ina Melo
Caro Girley,
Seu artigo é a pura realidade. Podemos dizer que, na verdade, D. João legislou, ou melhor, administrou em causa própria. Pois com certeza ele não sabia quanto tempo iria ficar no Brasil, talvez décadas, se Napoleão não tivesse cometido a besteira de ir se meter com os russos. Pofr isso, procurou melhorar as condições do local onde viveria.
Prezado Girley,
Também li o livro 1808.A sua tese está muito bem argumentada,além de bem escrita.
Um abraço,
David Leal (Belém-PA)
PREZADO GIRLEY
Saúde & Paz
Desculpe por somente agora está acusando e agradecendo o
previlégiuo de ter sido presenteado com o Blog do GB. Parabéns
pelos ótimos artigos, muito interessantes os links.
Mais uma vez muito obrigado.
Um abração
Gabriel D'Anusio Rolemberg = gadaro@oi.com.br
Prezado Girley,
Também li o livro 1808.A sua tese está muito bem argumentada,além de bem escrita.
Um abraço,
David Leal (Belém-PA)
Caro amigo Girley,
Entrar no seu blog é o mesmo que adentrar num espaço de sabedoria e competência. Você, como nenhum outro, sabe buscar até dentro de livros consagrados, ou não, detalhes minuciosos capazes de elucidar dúvidas e interpretações nem sempre precisas. Parabéns, caro companheiro e até o próximo blog. Edvaldo Arlégo.
Para alumas duvidas podem consultar:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_VI_de_Portugal
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