Desde muito jovem, tenho ido muito ao Rio de Janeiro. Perdi a conta. Tanto com propósitos turísticos, quanto em missões de trabalho.
A primeira vez foi em 1965, quando a cidade festejava seus 400 anos de existência. Foi um ano de festas por todo lado e o ano inteiro.
Hospedado na casa de uns primos, o que tornou a coisa bem mais econômica, no ponto mais “quente” de Copacabana – esquina da Avenida Atlântica com Hilário Gouveia – terminei ficando por lá, pelo menos, 40 dias. Foram, até então, as melhores férias da minha vida.
Naquela época, ir ao Rio de Janeiro era o mesmo que visitar o paraíso. O sujeito que fazia isso era tido como um privilegiado, invejado e, quando voltava, não falava noutra coisa. Virava um chato. E eu devo ter passado por essa idiotice.
Recordo que naquele ano, era inaugurado o Parque do Flamengo, num fantástico aterro na Baia da Guanabara, deslumbrando meio mundo. O maior parque urbano do mundo, com monumentos, equipamentos sociais (dezenas de quadras de esportes) de primeira linha e uma iluminação nunca vista por aquelas bandas e que, até hoje, encanta o visitante.
Copacabana ainda não tinha seu calçadão e a Avenida Atlântica era uma via simples com quatro faixas de rolamento, duas para ir ao centro e duas voltando. Nas horas do rush o transito era feito em mão única.
Ao longo desses anos todos, vejam que já são 43, tenho notado, atentamente, as mudanças pelas quais passou a Cidade Maravilhosa.
Dos anos 90 para cá, me impressiona e causa temor a pressão da “guerra” entre os traficantes de drogas, as balas perdidas e a onda de arrastões e assaltos, tornando a cidade quase que proibida. Eu mesmo fui assaltado uma noite, na porta do hotel e, de outra vez, tive arrombado um carro locado, na frente do hotel, durante a madrugada. Tudo em Copacabana.
Hoje, quero comentar coisas que vi, nesta mesma Copacabana, numa passagem recente.
Inicio de noite, num fim de fevereiro, caminhei pelas imediações do meu hotel – por coincidência, na mesma região onde fiquei na primeira vez – e pude avaliar como aquele bairro mudou, lamentavelmente, para pior.
Alcancei a Avenida N. S. da Copacabana, entrando pela Rua República do Peru, tomando o rumo da Praça Serzedelo Correia. O comércio, antes muito elegante, deu lugar a lojinhas de R$ 1,99 , lanchonetes de cara pouco confiável, botiquins sem charme, supermercados e farmácias. Esse era, antes, um trecho de boutiques famosas e elegantes.
Era, ainda, muito cedo, menos de oito horas da noite, e encontrei uma avenida suja, cheia de detritos, papéis, sacos e copos plásticos descartados, fruto de um movimentado dia de comércio. Centenas de camelôs, que não havia no passado, guardavam suas tralhas e tratavam de se recolher. Num beco escuro, uma espécie de depósito recebia os malotes desses ambulantes, certamente confiados até o dia seguinte.
Chegando à Praça Serzedelo, esquina com a Rua Hilário Gouveia, tive certamente a maior das surpresas. Nos anos 60 o que havia nessa esquina era uma bela igreja, a Matriz da Paróquia de Nossa Senhora de Copacabana. No melhor do estilo gótico, esse templo, com belos vitrais, pontificava naquela região e atraia, a cada domingo, a fina flor da zona sul carioca, para a missa dominical. Dava gosto ver a freqüência que para lá acorria. Inúmeras vezes, entrei lá e fiz minhas preces.
Nos anos 70, quando intensifiquei minhas idas ao Rio - porquanto morei em São Paulo, por um ano e meio - lembro da surpresa que tive ao ver a Paróquia, seguindo a onda do modernismo e da especulação imobiliária, que grassava no bairro, resolver demolir a bela igreja e construir um imenso complexo comercial e de escritórios, com lojas no térreo, incluindo um supermercado como âncora. Claro que incluíram uma nova matriz numa plataforma térrea do imenso edifício, voltada para a Praça. Uma igreja moderníssima, sem lembrar em nada a jóia arquitetônica demolida. Imagino a grana que deve ter rolado para a administração paroquial.
Mas, como falei antes, a surpresa muito maior, veio agora, em fevereiro de 2008. Incrédulo, dei de cara, nesse complexo de lojas, exatamente na esquina, sob o altar de Nossa Senhora de Copacabana, com uma boate de strip-teases – anunciando o show de uma sósia da bailarina Alzira, da novela das oito, fazendo suas performances numa barra de ferro – com uma lojinha de artigos eróticos, estrategicamente acoplada, ali, bem à mão dos freqüentadores. A iluminação feérica e os cartazes chamam muita atenção aos transeuntes. Tudo bem escancarado. Só vendo para crer.
Olha, sinceramente, por essa eu não esperava. Fico me perguntando se será, mesmo, a Paróquia o senhorio dessa “respeitável” casa de espetáculo.
Decepcionado, voltei à Avenida Atlântica e me deparei com o burburinho que, hoje em dia, caracteriza aquela artéria. Muita gente, muitos turistas, bares, restaurantes e, por fim, o que parece ser a grande atração do calçadão, as garotas e rapazes de programa. No meio deles, os homossexuais, travestis e outros GLS da vida. Um cenário insólito. Nada que se compare com o que a Globo colocou no seu Paraíso Tropical. Até que procurei ver Bebel. Desconfio que, naquela noite, ela tirava uma folga. No lugar dela, avistei grotescos “tribufus”. Sinceramente, não sei como fazem negócios. Só mesmo turista estrangeiro, cheio de caipirinha na cabeça, embarca numa roubada dessa.
A “catedral” dessa tribo moderninha é uma discoteca chamada Help, que tem, pelo menos, vinte e cinco anos de existência, no próprio calçadão.
A Copacabana da minha juventude era bem diferente. A Avenida Atlântica era uma tranquilidade. Calçadão não passava pelas nossas cabeças. À noite, passeávamos na antiga e bela calçadinha, a beira mar, namorávamos respeitosamente e recebíamos a brisa do mar, às vezes até o raiar do dia, sem medo de assaltos, balas perdidas ou assédios de mercadores do sexo. Algumas vezes, tomávamos drinks inocentes ou prosaicos sorvetinhos, num bar de hotel da avenida, incluindo, quando a grana estava elástica, o do Copacabana Palace. Por coincidência, num desses lugares, podíamos esbarrar com algum ídolo da época, como, Nara Leão, Elis Regina, Simonal, Chico Buarque, Edu Lobo, entre outros. Lá no inicio da praia, na ponta do Leme, a Pizzaria La Fiorentina recebia, diariamente, levas de atores de teatro, que, depois dos respectivos espetáculos, iam tomar um chopinho e comer a melhor pizza da cidade, em meio ao melhor buxixo da época. Este programa era um must na noite carioca. Estive muitas vezes por lá, levado pelos tios atores Ilva Niño e Luis Mendonça. Eu achava aquilo muito cheio de glamour, diferente do Recife provinciano da época. Nos sábados, muitas vezes, era possível uma esticada nas boates que marcaram aquela época, como a Le Bateau (na Praça Serzedelo) e o Jirau, numa rua bem próxima, cujo nome foge da minha memória.
Ah! um negócio engraçado, naquele tempo, e era programa obrigatório: assistir ao maior número possivel de filmes, porque só seriam exibidos, no Recife, dois ou três anos depois. E, quando isso acontecia, o sujeito enchia a boca e, com tom snob, dizia: “ah! Já assisti, faz muito tempo, lá no Rio”. Era uma graça. Ainda bem que as coisas mudaram.
Hoje, resta a memória de um tempo bom, de um Rio mais brasileiro e mais tranqüilo. Sem calçadão, guerra do tráfico, sem bala perdida, arrastões ou assaltos.
De todo modo, e antes de encerrar, não posso negar que o Rio de Janeiro (no geral e apesar de tudo) continua lindo!
Quem esperou neste Terceiro Tempo que eu voltasse ao assunto dos estaleiros, capacitação de empresários e metalurgia, me perdoe. Peraí gente... eu também sou filho de Deus e Ele me deu olhos para admirar e criticar outras coisas.
NOTA: Duas fotos de Copacabana. Uma atual e outra, em preto e branco, dos anos 60. As duas obtidos no Google Imagens.
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4 comentários:
Girley,
Faz tempo que vc não vai ao Rio ou faltou assunto para o blog de merecida pesquisa do amigo???? kkkkkkkkkkkk Estou deveras impressionado, o Rio turístico e belo não fala o mesmo idioma do seu desenvolvimento econômico, político social. Pergunto, vc foi pra ver o Recife contado na fatídica "escola de samba" dos 3 milhões de impostos pagos a Prefeitura e mais a comissão da empresa de consultoria?
Ah! meu velho amigo, me conta eu prciso estar informado. Eu preciso obter um desconto enorme pra num sobrar nada. Afinal, estão me cobrando muito, fazendo muito pouco e gastando além do normal sem me consultarem. Girley amigo, bonito Rio e uma aventura mal contada de contratações milionárias e mal sucedidas acontecem em Recife.
Alberto Brayner
Meu caro Brayner,
Acho que você não entendeu bem a materia. Eu digo que tenho ido sempre, ao Rio. E os meus comentários podem não ser fruto de uma pesquisa, mas,foi de minhas observações in loco.
Não, eu não fui desfilar na Mangueira. E critiquei severamente aquela aventura do nosso burgomestre. Vc deve lembrar disto.
Finalmente, não foi por falta de assunto que escrevi essas observações à Copacabana. Foi consciente do que estava falando. E lamentando, é claro, a decadencia do bairro. Pelo menos na minha visão, é óbvio.Deve haver muita gente que ache, aquilo lá, uma maravilha.
meu abraço,
Girley Brazileiro
Caro Girley:
Amei sua retrospectiva!
Como você sabe, nasci e me crie no Rio, de onde saí em 1970 vindo para o NE. Em 1965 eu tinha 15 anos.
Pensando em Copacabana, lembrei Paquetá, Baia de Guanabara transparente, São Conrado, Barra da Tijuca, Bar e Restaurante Dançante Bem(bem alí, em São Conrado), Rádio Mundial (5 músicas sem intervalo) onde fui loutor por quatro dias.
Belos tempos e bela cidade que não existe mais, assim como a imagem de meus filhos pequenos (a caçula hoje tem 26 anos). Não existe mais...
Babei de saudades!
Muito obrigado, amigo.
Um abraço, Corumbá
Corumbah,
Gostei do seu depoimento. Frequentei o Bem, em São Conrado, também. Eu tinha uma namoradinha motorizada e nós íamos, de vez em quando, por lá. Bons tempos!
Hoje a Barra é uma nova cidade. Fui lá, nessa última ida ao Rio. Tenho um irmão que mora por lá. É uma viagem! passei quase duas horas para chegar. Transito incrivel.
Meu abraço.
GB
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