sábado, 17 de fevereiro de 2024

Confete e Serpentinas

E lá se foi mais um carnaval. Já curti muitos desses. Sempre achei que não existe festa melhor do que essa. No passado, quando chegava a quarta-feira de cinzas eu marejava os olhos ao som dos últimos acordes do hino de Vassourinhas. “Como uma coisa tão boa assim só dura três dias?” perguntei muitas vezes. Arroubos da juventude, claro. Hoje a visão que tenho é outra. Há pelo menos dez carnavais estive ausente da folia local. Viajei, retirei-me ao refugio interiorano e evitei as multidões. Este ano, porém, por razões familiares fiquei no Recife e dei rápidos giros por Olinda e Recife. Senti-me quase como um “peixe fora d´água”. Achei tudo muito diferente do passado. E passado recente, mesmo. Indiscutivelmente, não posso negar, foi um belo festival de cores, músicas e fantasias tudo quanto assistimos, no Recife e Olinda, na semana que finda. Ainda assim, muita coisa merece ser lembrada por quem já viveu o tanto que já vivi e curtiu o tanto que já curti. Haverá quem me entenda. Começo por uma coisa simples e esquecida na recente semana de folia: confete e serpentina. Não posso entender essas ausências. Quantos amores nasceram de um punhado de confete? E muitos outros com “ataques” de serpentina atirada de distante? Pode parecer ingênuo para os jovens de hoje, mas, funcionava. Pelo meu retrovisor, recordo que cheguei a alcançar o corso na avenida e nas ruas dos bairros de São José e Boa Vista do Recife. Do janelão da casa dos meus avós paternos observei desde criança o desfilar dos foliões, carros enfeitados, jovens e velhos fantasiados, blocos e troças carnavalescas, numa alegria contagiante que como um vírus se impregnou no meu corpo e na minh’alma pernambucana. Quando proibiram o uso do lança perfume e inventaram as cabulosas bisnagas d´água como uma infame substituição, o clima de alegria sofreu um inesperado debaque. Não durou muito e surgiram as famigeradas pistolas d´água, que terminaram deteriorando a beleza do corso tradicional e instaurando a volta do historicamente proibido entrudo (tipo de carnaval, comum no século 19, em que os brincantes lançavam uns aos outros baldes d´água, farinhas, limões de cheiro, areias finas). Nos anos 60 e 70, essa modalidade de corso se desenvolveu e participei com entusiasmo, até o momento em que elementos deletérios, marginais da sociedade, resolveram misturar produtos químicos prejudiciais à saúde pública e individual. A coisa ficou perigosa e o carnaval da sociedade foi arrastado de vez, com toda força e animação para os salões dos clubes sociais. Decorriam os anos 70 e 80 do século passado. Foram carnavais formidáveis. As noites de folia lotavam os salões das principais agremiações sociais da cidade e deixavam saudades. Nada podia ser comparado àquela animação contagiante. Contudo, importante lembrar, as associações carnavalescas populares resistiram ao tempo e às mudanças sociais mantendo viva a cultura popular pernambucana. Blocos de frevo, maracatus, caboclinhos, as debochadas troças carnavalescas e os blocos líricos foram resilientes e atentos, alimentando os bons costumes da época.
Nessa onda do movimento de manutenção das tradições, um grupo de moradores do bairro de São José, liderado pelo folião local, Enéas Alves Freire, idealizou e fundou o Clube de Máscaras Galo da Madrugada. Foi certamente a mais bem sucedida ideia para resgatar o carnaval de rua do Recife. De uma simples agremiação, com poucos integrantes, que percorria as principais ruas do bairro, ao amanhecer do sábado de Zé Pereira, o bloco tomou folego, cresceu e se tornou, segundo o GuinessBook, no maior bloco de carnaval do mundo, além de símbolo macro do nosso contemporâneo carnaval. Fala-se de 2,5 Milhões de brincantes, neste recente carnaval. É uma marca ainda discutida.
Mas, por questão de justiça, convém destacar que essa resistência teve na Velha Olinda seu quartel general, preservado até hoje. Ali ocorre a cada tríduo momesco uma explosão de alegria atraindo foliões do Brasil e do exterior, subindo e descendo ladeiras, atrás dos tradicionais blocos, como Pitombeiras dos Quatro Cantos, Elefante, Homem da Meia-Noite e Bonecos Gigantes. (Vide Foto acima). Este ano foi estimada uma afluência de 3 milhões de pessoas. E no Recife, desde os anos 90, as autoridades municipais promovem festividades em diferentes polos de animação, com destaque para o que se leva a efeito no bairro Antigo, da cidade. A cidade para com a chegada de Momo! (Vide foto a seguir, Marco Zero do Recife)
Mas, aproveitando a esteira do assunto da falta de confete e serpentina, não posso deixar de criticar, lamentando, o desprestigio que o ritmo do frevo vem sofrendo. Ouve-se muito pouco frevo nos nossos atuais festejos. Ora, o frevo é uma identidade raiz do nosso carnaval. Não tenho noticia de novas composições. Quando muito se ouve Vassourinhas. Desapareceram os concursos pré-carnaval. Lastimável. Pior é perceber que ritmos alienígenas invadem nossa festa de modo escancarado em detrimento dos valores locais e com a aquiescência das autoridades competentes. Nas festas de espaços privados, então, que se multiplicam pela cidade, com ingressos a peso de ouro, o frevo é esquecido e substituído por axés, raps, bregas, sertanejos, forrós, entre outros ritmos. Sinceramente, carnaval pernambucano sem confete, serpentina e frevo deixa muito a desejar. Vá lá que haja “modernização”, com trios elétricos no Galo e equipamentos de ponta nas festividades. Isso é tolerável e necessário. Mas, não deixemos o frevo morrer. No próximo ano, aqui estando, vou montar um posto de venda de confete e serpentina na esquina da Avenida Rio Branco, no Recife Antigo, auxiliado por uma caixa de som tocando somente frevos. NOTA: As fotos ilustrações foram tiradas do Google imagnes. A do Galo foi publicada pelo Jornal Folha de Pernambuco.

13 comentários:

Antonia Corinta de Lucena disse...

Muito interessante tudo que está contido em seu blog , sobre o Carnaval. Meu primo os tempos são outros. Acho justo essa saudade que atormenta todos aqueles que viveram um outro dipo de Carnaval. Apesar dos meus quase 97 anos, procurei aceitar todas as inovações que a vida passou a me oferecer. Não pense que não lamento as transformações. Mas nossas cabeças, têm que aceitar todas as inovações. Já passei por tantas mudanças na vida, vou aceitando todas elas com a minha alegria secular.

Ana Inês Pina disse...

Vejo q os organizadores tentam agradar o povo, mas concordo que o frevo deveria ser mais enaltecido. Bjs e sdd das nossas prosas…

Fabiano Toquetão disse...

Que maravilha de ensaio
Obra prima
Deveria ser o editorial de muitos jornais Brasil afora
Infelizmente os jornais perderam a luz , perderam a capacidade estampar as verdades sinceras e hoje vivem na míngua de seus patrocinadores que não se importam com a crueza da realidade, como se olhassem em um espelho que revela sua podridão , explicitando a moral perdida.

José Paulo Cavalcanti disse...

Separe um de cada para mim, mestre Girley. E vamos juntos assistir a folia. De longe, se possível. Abraços fraternos.

Júlio Silva Torres disse...

Caro Girley, qué bonito espectáculo!! Y qué buen recuerdo!
Acá en Chile no se celebra el carnaval, por ende sólo nos queda recordar cuando fuimos al Galo de madrugada y al British contigo, Sonia y los Morandi. Inesquesivel!!

Édson Junqueira disse...

Meu Amigo Girley , parabéns . Artigo excelente , bem estruturado
Parabéns

Susana Gonzalez disse...

La vida es una continua transformación y hay que vivirlas con optimismo para ser feliz.

Ina Melo disse...

Para mim que fiquei em casa, foi um dos mais bonitos Carnavais do Recife!

Thereza Leal disse...

Girley como sempre vc sempre fantástico dando seu comentário magnífico Vc é Especial.Tudo que vc Serpentinaescreve me emociona fantsstico com a sua capacidade .Muito obrigada por ter me enviado Confete e Serpentinas

Moisés Wolfenson disse...

Maravilha de crônica ! Além do confete e serpentina , tenho saudades da lança Roudouro !

Celso Baptistella disse...

Belo Artigo caro amigo

Ieda Almeida disse...

Achei muito interessante seu Blog, também reclamei muito as músicas , acho que devemos valorizar mais as nossas músicas carnavalescas . OBS : vamos vender confete e serpentina juntos !

Jorge Santana disse...

Caro Amigo Girley, você é mesmo bamba, nos textos do seu blog. Parabéns. Eu também sinto o frevo minguar. E acho difícil reverter sua decadente trajetória. Falta-lhe criatividade. Falta-lhe modernidade. Falta-lhe publicidade. Falta-lhe capilaridade. Falta-lhe paternidade.
O que temos produzido de qualidade e inventividade, em matéria de frevo, nos últimos tempos? (Onde as novas composições arrebatadoras de frevo de bloco, frevo-canção, frevos de rua?)
O que nos tem sido dado a conhecer dos frevos atuais pouco ou nada revela de temática e tratamento compatíveis com as exigências e condições contemporâneas. É tudo desinteressante, desgracioso, repetitivo.
Se alguma produção escapa da mesmice, infelizmente não merece promovida e divulgada pelos meios de comunicação de massa; some no desconhecimento.
Os ritmos e canções que fazem sucesso no carnaval não são lançados no carnaval; são os amplamente cantados e memorizados o ano inteiro e por toda a gente, o inverso do que se dá com o frevo... pernambucano.
Enfim, o frevo não tem um patrocinador público que, na defesa do seu papel e valor sócio-cultural, crie mecanismos e incentivos de promoção efetiva desse patrimônio vivo e promissor do desenvolvimento do nosso Estado (como o axé na Bahia, e o samba, no Rio de Janeiro).
No mais, torço por que você continue acertando na mosca, nos próximos blogs.

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