segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Fim de Uma Era

A temporada de verão do Brasil, em 1968, começou com uma grande novidade: a Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, agendou uma visita oficial ao país. No imaginário popular essa coisa rendeu milhões de fábulas e quimeras. Aqui no Recife essa coisa se tornou um fascínio sem precedentes, inclusive porque a cidade seria o primeiro ponto de parada da Monarca britânica. Os preparativos se desdobraram meses e dias para a grande recepção que se daria à ilustre visitante, apesar das poucas horas da visita.
Quando falo de imaginário popular refiro-me ao tradicional culto aos ares de nobreza que, sem perceber e ainda hoje, povoam as cabeças plebeias dos brasileiros, desde o berço, quando os recém-nascidos são tratados como “príncipes” ou “princesas”. Essa coisa, indiscutivelmente, faz parte da cultura dos habitantes de Pindorama. E não fica por aí! A meninada cresce sempre ouvindo histórias de reis e rainhas, príncipes e princesas, incutindo um traço de pensamento arraigado e que se transmite por gerações de modo continuo. Todo pai orgulhoso ou toda mãe vaidosa, no Brasil, exibe seu rebento novinho com um “chegue ver meu príncipe!” ou “venha ver minha princesinha!”. Pode ser herança dos tempos do Império, também, mas que acontece assim, isso acontece. Foi nesse clima e aura ambiente que Elizabeth II aterrissou na cidade numa bela e ensolarada tarde de novembro de 1968. Já reinava por aproximadamente quinze anos. Eu já era um sujeito amadurecido, cursando uma universidade, apoiando os movimentos de oposição à ditadura militar “reinante” no país, que tendia endurecer e perseguir de maneira inclemente o cidadão que falasse em democracia. Foi justamente o ano do AI5 e o General Costa e Silva ocupava a cadeira principal da Praça dos Três Poderes, em Brasília, de modo totalmente “poderoso”. A visitante foi chamada, por muitos, de fascista e monarca decadente, sem poder qualquer e num cargo anacrônico, em pleno século 20. Lembro que quando alguém queria denigrir um politico sem prestigio ou um detentor de cargo sem poder efetivo era logo comparado à Rainha da Inglaterra, que, segundo muitos, fazia um papel decorativo.
Muito embora tudo isso, a população entrou na vibe da visita real e fez bonito para receber Sua Majestade. Aqui no Recife, o pernambucano se encheu de orgulho – coisa comum na gente da minha terra – porque a cidade estava como primeiro ponto de parada na programação de visita. Lembro, aliás, com saudades, de ver minhas irmãs mais novas cheias de entusiasmo e olhos brilhando sob a perspectiva de ver de perto a Rainha da Inglaterra. Com razão, porque afinal de contas não era qualquer um que podia ver de perto uma Rainha. Esperavam certamente uma daquelas dos contos de fadas que cresciam escutando. Alguma coisa teria de ser feita para matar os desejos das manas. Chegado o dia D, o Governo do Estado decretou feriado local e colocou todas as facilidades para que a população fosse às ruas saudar Elizabeth II. Noticiou-se, à época, que cerca de 200 mil pessoas foram receber a visitante. Bandeirinhas do Brasil e do Reino Unido em punhos, estudantes e populares não mediram esforços para ver de perto uma rainha em carne e osso, no trajeto entre a Base Aérea do Recife e o Palácio do Campo das Princesas (Eita!), sede do Governo Estadual, no Centro do Recife. Eu também fui para Avenida Boa Viagem (posicionei-me no muro do casarão de um tio) pra ver a Rainha passar. Com uma Yashica em punho documentei o Cortejo Real bem de próximo. Hoje lamento não saber onde foram parar essas fotos que bem poderiam estar ilustrando este post. Claro, que tive o cuidado de levar comigo minhas irmãs e irmãos menores para assistir ao desenrolar daquela história. Sem dúvida foi uma visita histórica e marcante na sociedade. Divertido, foi saber depois, que muitos sonhavam em ver passar uma rainha com manto, coroa e cetro. Viram passar, num carro aberto, uma Senhora com traje comum e sóbrio, ao lado do governador biônico da ocasião. “ Lá vem a Rainha!”, “cadê, cadê?!!!” “Ôxe, é aquela mulé?” “ E cadê a coroa dela?”. “Acho mais bonita e melhor ver Dona Santa, Rainha do Maracatu, no carnaval, gente!”. Que decepção ... Hoje com a noticia da morte de Elizabeth II, no 8 de setembro de 2022 recente, essa história é revisitada e se repete na mídia que não cessa de render homenagens à mais longeva monarca que se tem conhecimento. Aos 96 anos Elizabeth II deixa um legado histórico, reconheça-se, invejável. Encerrou uma Era Histórica.
Foi-se a Mulher e surge um Mito. Teve a altivez e a coragem de reinar até a última hora. Com altos e baixos não cedeu um instante sequer. Cedeu, acredito que esperneando, à fatídica Senhora Morte à qual ninguém consegue resistir. Poderia ter renunciado bem antes a favor de Charles – agora Rei Charles III – mas, não. Preferiu deixá-lo de molho. Dizem as línguas ferinas que matou de raiva, por longos anos, a hoje “Rainha” Consorte, Camila Parker Bowles, pela qual Elizabeth não nutria grandes simpatias. Aliás, em matéria de descendência e aderentes, Elizabeth II teve que amargar muitos perrengues. Marido, Irmã, filhos e netos não pouparam a velha Senhora coroada. O caso da Lady Di , naquela tumultuada relação com o atual Rei e seu acidente fatal em Paris, foi certamente o mais emblemático. Quase derrubou a popularidade da monarca. Reagindo rápido, no capítulo final da Historia de Diana, cedeu e conseguiu se equilibrar. Agora acabou. Mais de 70 anos de uma Era que chega ao fim. Escreveu uma longa História. Encerro meus comentários de hoje sem tratar dos episódios políticos que a Monarca teve de protagonizar. Seria impossível neste espaço semanal. Lembro, contudo, que o Reino Unido, onde sol nunca se punha, e a ela foi delegado, já não é o mesmo de sete décadas passadas. Encolheu consideravelmente. E Elizabeth não pode fazer muita coisa. Muito bem! Que repouse em paz. E, Rainha morta? Rei Posto! God bless the King! NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens

3 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Muito bom, mestre Girley. Lembranças boas. Viva a Rainha.

Ana Maria Menezes disse...

Obrigado amigo. Aqui na tv se toma café almoço e jantar a família real
Inglesa cujos membros nunca deram um dia de trabalho a ninguém. Chega!!!

Ina Melo disse...

Bravo amigo! Eu também estava lá em frente ao Castelinho com minhas filhas de 3 e 2 anos com bandeirinhas nas mãos! Anos depois eu pude vê-la de longe, numa Londres fria e cinzenta, mas sem a euforia do primeiro encontro!

Haja Cravos

Neste recente 25 de abril lembrei-me demais das minhas andanças em Portugal. Recordo da minha primeira visita, no longínquo verão de 1969, ...