quarta-feira, 1 de junho de 2022

Volta Nassau, volta!

Quando vejo, outra vez, a minha cidade do Recife ser castigada e tomada pelas águas das chuvas torrenciais, como as desta última semana de maio, deixando um rastro calamitoso de mortes e prejuízos materiais, recordo dos cuidados e visão futurista dos colonizadores portugueses e holandeses que nos antecederam, segundo os registros históricos. O português Duarte Coelho (primeiro donatário da Capitania de Pernambuco) quando, em 1535, chegou procurando um sitio seguro para estabelecer a sede da sua administração elegeu locais altos e numa tirada famosa exclamou: “Oh linda situação para se construir uma vila!”. O local foi o da atual Sé Metropolitana. Estava fundada nossa joia preciosa que é Olinda. Claro que o donatário estava consciente de que além da beleza atlântica – incluindo a graciosa enseada de Del Chifre – havia uma imensidão de alagados e mangues que, com qualquer temporal, arrasaria a urbe que nascia. Já os holandeses, que encontraram a cidade do Recife instalada, (1630), perceberam os riscos de enchentes e devastações que o sitio, plano e ao nível do mar, prometia a olhos nus e trataram de adotar providencias. Daí, compartilho um registro curioso: o mais notável administrador do domínio holandês foi o Conde alemão Johan Mauritius van Nassau-Siegen (o popular Mauricio de Nassau - Vide Foto abaixo) que percebendo os perigos sinalizados pela paisagem do entorno, mandou trazer da Corte uma equipe de engenheiros, cientistas e artistas para fomentar o progresso na Holanda Tropical que lhe confiaram. Com experiência acumulada na construção dos famosos diques na Holanda da época, dotaram o Recife da época de um sistema de drenagem garantidor da segurança e tranquilidade para seus moradores. Pois bem, segundo se registra, é o mesmo que garante a drenagem das águas pluviais na Ilha do Recife (Bairro do Recife Antigo) e boa parte do bairro de Santo Antônio. Verdade histórica ou não, o fato é que tudo isso se observa nas ocasiões dos periódicos sufocos provocado pela Mãe Natureza. Os holandeses foram expulsos em 1654 e deixaram essa experiência para a posteridade.
Naturalmente que o tempo passou, as cidades cresceram de modo acelerado, sobretudo no século 20, e o quadro natural sofreu abalos e agressões da urbanização selvagem resultando nos sistemáticos problemas de convivência homem-natureza. Ilhas, antes existentes, foram desaparecendo e, aos poucos, dando lugar a aterros mal estruturados e equivocados. Muitas dessas antigas ilhas restam apenas nas denominações. Quem conhece bem o Recife sabe que as Ilhas do Retiro e do Leite são bons exemplos. Hoje são extensas áreas ocupadas com espigões que formam a selva de pedra recifense, abrigada sobre os aterros desordenados e destruturados (falta de galerias de drenagem) e da especulação imobiliária. Ocorre que a natureza, sem dar bolas para isto, sempre que oportuno vem cobrar o que dela tomaram. Desnessário lembrar que o crescimento populacional, incluindo o decorrente dos fluxos migratórias campo-cidade, lota as franjas da Metrópole Recifense e o caos se instala após qualquer milimetragem pluvial extra dos nossos tempos.
Obviamente, que as autoridades que administram a cidade e o estado são responsáveis por grande parte das crises. A natureza é inadiministrável mas o espaço urbano pode ser desenhado de modo adequado. Venho denunciando ao longo da existência deste Blog (desde 2007) que o Recife é, definitivamente, uma cidade abandonada. Há, pelo menos, 20 anos que o Recife vem sendo governado por uma récula de políticos amadores, muito mais interessados em se manter no poder do que governar de fato e honestamente como prometido nas campanhas eleitorais. São gestores improvisados por forças politicas ultrapassadas e, sobretudo, desonestas. Não se conhece uma politica social adequada aos movimentos de crescimento da cidade. A especulação imobiliária se aproveita da incapacidade governamental reinante, usa de todos os meios que dispõem para burlar os códigos éticos e urbanísticos, agindo de modo corruptivo, enquanto a urbe vai se deteriorando à vista de todos. Habitação popular, educação, saúde e segurança seriam os grandes pilares de uma politica correta e necessária ao Recife. Segundo os institutos de pesquisas é a pior capital estadual do Brasil em termos de indicadores sociais. Abunda a pobreza miserável. A população marginal se vira como pode e não vislumbra chances de viver dignamente. Faltam-lhes moradia segura, educação e saúde. Sem ter onde morar como desejado, se “encostam” nas barreiras frouxas dos periféricos altos desequilibrados ou montam palafitas nas marés que circundam a cidade. Para enganar os inocentes habitantes das áreas mais elevadas, os gestores municipais cobrem de mantas plásticas as encostas como proteção das chuvas do inverno. E os ribeirinhos sequer são lembrados. Chuva vem, chuva vai e os problemas sociais só se agudizam. Vergonha. Mostrar a periferia da Metrópole, a um visitante, e ter de explicar o significado daquelas mantas negras é algo desolador. Como faz falta um Nassau destes tempos! Volta Nassau, volta! NOTA: Fotos obtidas no Google Imagens

8 comentários:

Antonia Corinta de Lucena disse...

Muito bom o tema abordado. Reconheço que os governantes só dedicam um pouco de atenção aos problemas, quando as tragédias ocorrem. Ficam ligados naqueles momentos, depois caem no esquecimento. O pobre nada significa para esses governantes. Para eles o que fala alto, é o voto, para ser eleito.

Guadalupe Mendonça disse...

Lamentável , triste 😢

Pedro Paulo Ramos disse...

Excelente comentário !

José Paulo Cavalcanti disse...

O pior de tudo, mestre Girley, é que você tem razão. Infelizmente. Toda razão. Abraços.

José Mário Galvão disse...

Belíssima explanação de um problema recorrente pela falta de apetite e corrupção das administrações passadas e a presente.

Francisco Brito disse...

Volta mesmo Nassau! Vem concluir e ampliar suas obras pq em 450 anos nada mudou

Geraldo Magela pessoa disse...

De um índio boliviano: Deus perdoa sempre; os homens às vezes perdoa ; a natureza nunca. Acrescecento

Fabiano Toquetão disse...

Maravilhoso texto, história triste, mas lhe agradeço pelas sabias palavras que descrevem com precisão cirúrgica a realidade deste país que não deixa de ser um grande Pernambuco.

Haja Cravos

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