quarta-feira, 22 de junho de 2022

QUEBRANDO O JEJUM

Após dois anos de jejum, por conta da Pandemia, o interior nordestino está acendendo fogueiras e rendendo homenagens aos santos juninos Antônio, João e Pedro. Aqui em Pernambuco o movimento é grande e por coincidir com o clima de pré-campanhas politicas os festejos se intensificam e o povão se esbalda além das medidas. Ocorre que essa “mistureba” de retorno aos folguedos cruzado com a componente politica termina gerando um incrementado caldo, a meu ver, anticultural como nunca visto pelas nossas bandas. Já faz algum tempo que observo a marginalização dos genuínos ritmos populares, originados nas raízes culturais locais. A sanfona, a zabumba e o triangulo vêm sendo esquecidos pelos conjuntos e arranjadores musicais contratados pelos organizadores dos festejos, neste caso, quase sempre, ligados às autoridades municipais. O forró autêntico, chamado pé de serra, vem se tornando coisa do passado e muito mal é lembrado nas grandes festas de locais como Caruaru (PE) e Campina Grande (PB). Não por falta de artistas defensores do ritmo, mas, por interesses outros, como os de “lavagem de dinheiro” e agrados à galera jovem. São estes que terminam por exigir valores alienígenas que, sequer domina o menor compasso emitido pelo tradicional trio de ritmistas, prestigiados no passado e comandantes dos arrasta-pés, no chão de terra-batida, até o acabar do gás do candeeiro e o dia raiar. Tudo bem... Hoje a luz é elétrica, o som pode ser propagado até o mais distante espectador e a noite se prolonga mais do que antes. Contudo, para uma questão não tem resposta: precisava esquecer as músicas de Gonzaga? As de Dominguinhos? E aplaudir as dos valores mais atuais e vivos? A situação é tão critica que esses vivos sequer são convidados a contribuir com a animação dessa retomada. Ao invés disso, os convidados têm sido “outros” que não trazem relação com a cultura local e que terminam impondo seus ritmos e suas letras musicais duvidosas a uma galera – termo modernoso para denominar a jovem guarda – crentes de que se trata da mais genuína forma de cultura popular.
Por outro lado e por oportuno, observo que seguindo essa onda de “repaginação” da cultura junina ocorreu, no passado recente, um processo radical de mudança nas danças e indumentárias das nossas tradicionais quadrilhas juninas. Nossa tradicional dança matuta se transformou num festival de danças modernas, nada relacionadas com o que vivenciamos no passado. Coreógrafos especializados, figurinistas renomados são mobilizados. Deu samba! Sim, parece mais uma ala de escola de samba, em desfile pelo carnaval. O assunto é polêmico e, correndo o risco de ser mal interpretado, considero que cometeram um equivoco irremediável. Nunca é demais para registrar que a quadrilha junina foi trazida pelos colonizadores portugueses, herdeiros das tradições inglesas e francesas. Nas suas origens a dança da quadrilha era a forma de comemorar o fim de uma colheita. Os europeus eram (e são) sempre gratos por usufruir dos frutos da terra. Uma vez por aqui, as coisas seguiram do mesmo modo. A colheita do milho, no mês de junho, a produção das iguarias com os grãos dourados e a alegria da fartura reinante induziam os agricultores a festejar. E a forma de agradecer era se reunir para dançar a quadrilha. Tudo muito romântico e salutar. As roupas e as danças seguiam moldes culturais de raízes profundas. As calças remendadas dos cavalheiros e os vestidos de babados, com aventais remetiam aos hábitos dos campos de colheita. Tudo muito brejeiro e cultural. Essa chamada repaginação em voga apagou o que de histórico foi desenhado e executado por nossos ancestrais.
Nossa “galera” jamais saberá o significado histórico das nossas festas juninas. Vão crescer e transmitir para frente algo novo e sem amarração logica ou plausível. Lamento que meus filhos e netos não tenham tido as chances que eu tive. Ficarão crendo que guitarras estridentes, “bate-estacas” e percussões de arrebentar quarteirões, além de vozes estranhas são coisas normais. Essa forma de quebrar jejum é lastimável.

4 comentários:

Sarto Carvalho disse...

Pura verdade.

José Paulo Cavalcanti disse...

Belo texto, mestre Girley. Viva São João. Nas pesquisas para o livro do Pessoa cheguei a uma música, da Galícia, o “ Faux Bourdon “ . Falso burdon, pois. Que é cantado com “ en avant tous “ e “ en arrière “ . Base de nossas quadrilhas. E origem da expressão “ Forrobodó “ , depois Forró. A gente se diverte. Abraços.

Girley Brazileiro disse...

Obrigado meu prezado Amigo Imortal. Honrado sempre com sua visita Blog e com os informes que agrega. Forte abraço.

Kenys Mazziero disse...

Devemos quebrar o Jejum, a ausência, a nossa abstinência, mas jamais quebramos a nossa consciência e o cuidado com a gente e com todos que estão em nossa volta.
O COVID está em todas as partes e continua matando pessoas!!!!!!

Haja Cravos

Neste recente 25 de abril lembrei-me demais das minhas andanças em Portugal. Recordo da minha primeira visita, no longínquo verão de 1969, ...