quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Deletando o patrimônio cultural

Sempre fui, desde muito jovem e por questão de cultura familiar, muito ligado às artes plásticas e a Historia da Arte. Assim, como um hábito de raiz, tudo que diz respeito a esse domínio da inteligência humana chama e prende minha atenção. Tenho inclusive uma humilde coleção de obras de arte que me enche de prazer e toma meu tempo de lazer. Sempre que possível visito museus, galerias e ateliês de pintores e escultores. É, portanto, meu hobby. Nas varias chances que tive de expor-me a outras culturas, uma das primeiras coisas que procuro ver são as manifestações através das artes plásticas, das mais rudimentares às mais acadêmicas. Gostei de conhecer de perto obras de pintores e escultores famosos e de mestres desconhecidos, embora que de uma escola “certificada”, como as lavradas pelos pintores cuzqueños, do Perú, pelos quais tenho especial admiração. Registro inclusive o zelo que observo na grande maioria das vezes como os povos prezam seus patrimônios artísticos. Como já abordei noutras postagens deste Blog, acompanho com grande desaponto a maneira como boa parte do patrimônio histórico brasileiro – com destaque para as artes plásticas e arquitetônicas – vem sendo relegada a ultimo plano, pelas autoridades (in)competentes, ao ponto de deletar (usando um termo moderninho) obras seletas do nosso mundo artístico-cultural. Aqui em Pernambuco já perdemos verdadeiras joias de arte, nos diferentes planos de manifestações. O centro antigo do Recife, na sanha galopante da modernidade, perdeu suas características originais para dar lugar aos mostrengos modernosos, a partir da primeira metade do século passado. Mas, a coisa não parou por ali. Neste momento assisto, com pesar, discussões a respeito do estado de degradação e possíveis destinos de famosas obras de dois ícones da modernidade – vejam só – das artes plásticas pernambucanas: Lula Cardoso Aires (1910-1987) e Francisco Brennand (1927-2019).
O primeiro, notável pintor do século passado, deixou uma infinidade de obras em prédios públicos, assim como em coleções particulares. Neste momento, cobra-se da empresa espanhola que administra o Aeroporto Internacional do Recife, o resgate e reaposição de destaque, no novo edifício, de belas obras de Cardozo Aires, abandonadas ao relento e intemperes, no prédio descoberto da antiga estação de passageiros e constante no programa, segundo rumores, de demolição para dar lugar à ampliação do estacionamento. Imagine que a velha estação teve o telhado roubado por vândalos. Pelo amor de Deus! Onde estão as autoridades da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE) que já tombou, no passado, as referidas obras? Trata-se de magnificos paineis retratando duas manifestações culturais pernambucanas: o folclore, com destaque para o maracatu, e os ciclos econômicos brasileiros.Vide foto acima.
Já sobre o segundo artista, destaca-se o famoso mural que reproduz cenas da Batalha dos Guararapes, datado da passada década de 60, posto na lateral do Edifício Banlavoura, e por encomenda do antigo Banco da Lavoura de Minas Gerais, na esquina da Rua das Flores e Avenida Dantas Barreto no centro do Recife. Recordo que, por algum tempo, trabalhei nesse prédio e diariamente admirava a beleza daquele imenso painel cerâmico. Com a crescente degradação da região central da cidade (infeliz fenômeno comum no Brasil de hoje) a obra de Brennand foi sendo atacada por vândalos, virou mictório publico dos moradores de rua, peças foram subtraídas e agora, por pressão dos amantes da cidade e da sua cultura, a FUNDARPE com o sucessor daquele Banco discute o destino de reposição da fantástica obra. Fala-se que o Banco promete recompor e reposicionar o painel numa das suas principais agencias do Recife, provavelmente no bairro de Boa Viagem. E o centro “histórico” recifense que fique, cada vez, mais pobre. Vide foto do painel, logo acima. Desolado, junto-me, desde esta humilde plataforma, aos que lutam pela preservação da arte dos valorosos artistas que souberam legar um rico patrimônio à posteridade. NOTA: As fotos ilustrações foram obtidas no Google Imagens.

8 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

O pior, mestre Girley, é que você tem toda razão.

José Otavio de Carvalho disse...

Essas suas observações deveriam se transforma em grito de alerta de todos os recifenses. Parabéns amigo.

Moisés Wolfenson disse...

E’ um descaso ,mesmo ! Concordo com você !

Sarto Carvalho disse...

Brilhante a sua disposição em resgatar os valores culturais da nossa terra. Um forte abraço

Ivonete Burgos disse...

Compartilho velho amigo , é doloroso a falta dos nossos dirigentes com a preservação do nosso acervo cultural . Ir ao centro da cidade , nos encantava, apreciar o painel do Banco ! Parabéns , querido Girley!

Ina Melo disse...

Amigo, cadê a nata da intelectualidade pernambucana, os artistas plásticos, jornalistas, para junto contigo gritarem aos quatro ventos contra essa omissão e descaso do governo e da prefeitura do Recife. Como sabes, uma andorinha só não faz verão. Fico revoltada com o silêncio das cabeças pensantes, algumas ainda bem vivas, que nada fazem em prol da cultura pernambucana.

Gilvany Brasileiro disse...

Girley , é doloroso o que estão fazendo com a nossa memória cultural . Recordo me, desde a infância o quanto me impressionava a grandiosidade do mural do Brennand no Aeroporto dos Guararapes . É terrível imaginar que ela possa vir a ser demolida .
Pernambuco sempre foi um Estado conhecido pela preservação do seu patrimônio cultural . Precisamos unir esforços para tentar evitar que se cometa um crime cultural de tamanha grandeza. Obrigada pelo alerta ! Acho que todos devemos repercutir a sua manifestação , para que ela faça eco entre pessoas com sensibilidade e capazes de atuar em defesa da nossa cultura.

Jorge Fernando de Santana disse...

Girley, parabenizo-o não só pelo belo texto (dos melhores que você tem produzido), como pela oportuna advertência (acerca desse apagão da memória cultural e histórica da nossa cidade). Tomara que os "formadores de opinião", em nosso meio, comprem esse desafio (da preservação do que nos resta do rico e raro patrimônio artístico, arquitetônico e urbanístico do Recife). Se descartamos nossos referenciais históricos (ao invés de resignificá-los), sob o pretexto de que "só o presente é real", em que fundaremos nosso futuro (especialmente num tempo em que "tudo é líquido")? O atual descaso pela nossa herança cultural é mais uma das muitas faces da crise em que hoje nos debatemos, sem atinar (na ausência de critérios ou referenciais críticos) para onde estamos indo. Parabéns, Girley Brazileiro, pelo alerta!

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