sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Adiós Garcia

O mundo cultural de Pernambuco, em particular o mundo da música erudita, fecha esta semana com um desfalque de um exímio talento, dado ao encantamento do maestro Rafael Garcia. Uma lacuna que temo ser difícil de preencher. O virtuoso maestro perdeu a dura batalha para um câncer devastador, aos 77 anos, no último dia 12, provocando lágrimas que se derramam pelas encostas dos Andes chilenos e desaguam no vale do Capibaribe. Olhando por um “retrovisor” lembro vivamente de episodio marcante na minha carreira de executivo: parece que foi ontem, embora decorresse o ano de 1997, quando recebi no meu gabinete de trabalho, na antiga SUDENE, uma Senhora entusiasmada falando-me dum projeto de expressiva envergadura para difundir, entre nós nordestinos, a cultura e difusão da música clássica. Buscava apoio financeiro. Naquela época exercíamos o cargo de Coordenador de Cooperação Internacional do organismo regional. “Como o Senhor é responsável pela gestão das relações internacionais desta Entidade, acredito que bati na porta certa”. Foi o que ouvimos, como cartão de visita, da renomada pianista pernambucana Ana Lucia Altino Garcia. Surpreso com aquela rara demanda, fiz ver que os sinuosos caminhos da burocracia governamental não permitiriam um atendimento de imediato como desejado. Contudo, sem perder tempo, fiz questão de ouvir o que ela tinha para justificar seu pedido. Foi ali que ouvi falar, pela primeira vez, no nome de Rafael Garcia. Era curioso como ela se entusiasmava ao sublinhar que se tratava do seu marido, um talentoso músico e grande maestro, e que, juntos, resolveram montar um programa para revolucionar o meio musical do Recife. Para me sensibilizar frisava sempre que se tratava de um projeto de caráter internacional. Eles já vinham de belas experiências internacionais e até declinavam convites tentadores fora das nossas fronteiras. Coisa inusitada por estas bandas e, sobretudo, naquele tempo. Sem que houvesse uma rubrica orçamentária para atender ao pedido, resolvi, em caráter pessoal, “vestir a camisa” daquela iniciativa e tratei de identificar formas de apoio. Lembro que sugeri a busca de ajudas nas iniciativas privadas e, inclusive, indiquei empresas que poderiam fazer aportes substanciais. Deu certo! Aposentado da Agencia Regional e passando a atuar em meio à iniciativa privada vi-me mais envolvido com aquela ideia pela qual me tornei um constante admirador.
Se o entusiasmo e a garra de Ana Lucia contagiam qualquer interlocutor, não menos ocorria quando me via diante de Rafael António Garcia Saavedra. Chileno de nascença, pernambucano de coração e cidadão de direito desta terra de Nabuco, por decisão da Assembleia Legislativa local. Era encantador ver aquele homem falar de musicas e de projetos. Critico e até ácido nas suas buscas de incentivo, Rafael sabia dosar e "falar grosso" para quem devia. Assustava muitas vezes, mas, agradava o grande público fromador da consciência coletiva. Sensacional. Cumpriu um papel de fundamental importância sociocultural. Bravo Maestro! Jamais esqueceremos. O projeto do Casal Garcia tomou vulto, envolveu a família – todos amantes da boa musica e discípulos daquela formidável dupla – por inteiro e bridou o Brasil com brilhantes eventos musicais que marcam épocas nas sociedades pernambucana e brasileira. O que era uma ideia cresceu e deu origem à Virtuosi Sociedade Artística que se encarrega de promover, desde o final dos anos 90, inicialmente no Recife e depois no Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades regionais inesquwcíveis festivais de musica erudita para deleite dos amantes da boa musica e como educativo para uma geração ligada aos ritmos mais modernosos. Abriram-se palcos e explodiram muitos aplausos para gaudio da sociedade.Concertos que se repetiram com iguais sucessos nas praças de Santiago, Buenos Aires e Montevideo. Tudo sob a batuta de Rafael Garcia. Faço parte da legião de admiradores desse gênio chilenbucano da musica que partiu para eternidade deixando um legado de inestimável valor cultural. Muito teríamos para ilustrar este exíguo espaço, mas, fica a sugestão para que os/as leitores/as visitem o site da Virtuosi Sociedade Artística (www.virtuosi.com.br) onde se encantarão com a obra desse estimado amigo que nos deixou. Adiós Garcia! Espero no futuro assisti-lo regendo grande sinfônica sobre belas nuvens. E, desse modo, melhor dizer Hasta Luego! Acredito e alimento a certeza de que a família Altino Garcia, à frente Ana Lucia Altino, fará jus a essa diferenciada herança e sustentará a Virtuosi para deleite das novas gerações e para difusão da musica erudita. NOTA: Foto dos arquivos da Sociedade Virtuosi.

8 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Um belo depoimento, amigo Girley. E bom para os dois. O morto, que mereceu cada palavra. E o vivo, que ficou ainda maior ao dizê-las.

Ina Melo disse...

Parabéns amigo! Eu os conheci da UFPE e ele fez muito em prol da clássica em Pernambuco, e assim mais um talento de vai e o nosso mundo cultural cada dia ficando mais pobre!!!

Antônio Carlos Neves disse...

Lamentável. Mais um talento que parte.

Nininha Brasileiro disse...

Muitos talentos estão partindo é a lei da vida 🙏

Ana Inês Pina disse...

Relato mto preciso e o “crítico e ácido” era mesmo uma forte característica dele.

Júlio Torres Silva. disse...

Caro Girley, me resulta curioso que habiendo vivido tres años inolvidables en Recife y conocido a casi todos los chilenos residentes en tu bella ciudad, no recuerdo haber conocido a este importante personaje.
En todo caso tu homenaje a el, con certeza estará siendo bien recibido y agradecido por sus familiares y amigos.

Girley Brazileiro disse...

En esa época, Júlio Torres Silva, que aqui vivistes, el vivia em Estados Unidos con su familia estudiando en Boston. Allá era professor e maestro.

Jackeline Barbosa disse...

Boa tarde, dr Girley.
Que pena. Adorava assistir ao Virtuosi, em Gravatá. Fez um trabalho lindo com comunidades carentes. Um perda irreparável!!!

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