quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Fim de Jogo

Passado o período eleitoral sinto-me aliviado e, como sempre, alimentando esperanças de que nesses próximos dois anos que nos separam de um próximo pleito o Brasil preserve dignamente o clima de democracia como objetivo de todo(a) cidadão ou cidadã de bom senso. Confesso que no recente pleito, diante da minha ótica pessoal como sendo o basilar por alimentar o jogo politico da célula-mater – município – da Republica, mantive-me afastado de debates e considerações a respeito desse ou daquele candidato ou partido, preferindo me acomodar numa zona de conforto que a idade já permite e, sendo franco, diante dos contornos pouco dignos que foram traçados no município do Recife, em particular. Impossível, porém, permanecer no aludido conforto e sem dar um pitaco que seja a respeito do processo encerrado no domingo (29.11.20) passado. A primeira consideração que faço é que, no geral, foi um processo limpo e respeitado por todos, sobretudo pelos derrotados nas urnas. Ressalto que comparando com o recente processo norte-americano, sem discutir, temos motivos de sobra para manifestar orgulho, aplaudir e festejar o que foi realizado em Pindorama. Como muitos acreditavam não foi a crise sanitária ou a postergação do pleito que reduziu o entusiasmo das campanhas dadas a sede de poder dos aspirantes, sobretudo, aos cargos majoritários. Por outro lado, no entanto, analisando o desenrolar das votações, uma coisa ficou muito clara: o voto obrigatório perde cada vez mais seu real efeito. Uma abstenção que chegou ou ultrapassou a casa dos 30% é algo a ser tomado com um forte recado do eleitorado às autoridades que decidem sobre a Lei Eleitoral. O caso de São Paulo – o maior colégio eleitoral do país – foi emblemático: a soma dos votos brancos e nulos junto com as abstenções - 3,65 Milhões - foi maior do que o total de votos dados ao prefeito eleito, Bruno Covas, que obteve 3,17 Milhões de votos. Claro que isto chama atenção. Aqui no Recife, a candidata do PT, Marília Arraes, com 347.029 votos, também perdeu para o somatório de brancos, nulos e abstenções que, neste caso, somaram 363.029. O Prefeito eleito, João Campos, obteve 445.992 votos, com apenas 82.637 votos a mais do que a soma dos brancos, nulos e abstenção. Interpreto isto como sendo um forte recado do eleitorado brasileiro, que, em grande parte, preferiu aproveitar o dia da votação para curtir uma praia ensolarada, um fim-de-semana na casa de campo ou, ficar em casa bebericando e assistindo um bom filme na TV, sujeito, apenas, pagar uma multa simbólica de R$ 3,50 para justificar a ausência na sessão eleitoral. Aliás, contando com a comodidade do meio eletrônico hoje adotado. Ora, manter a obrigatoriedade de votar pode ser um aspecto importante a ser repensado no Brasil.
Outro pitaco que arrisco é o de considerar que, no domingo passado, o quadro politico do país foi indiscutivelmente redesenhado. Ficou claro que o eleitorado brasileiro lacrou o desejo coletivo de mostrar que a tendência prioritária é do posicionamento de centro-direita. Sem contudo, querer sublinhar o fisiologismo do chamado Centrão. Na verdade, os extremos radicais perderam força e dificilmente vão se recuperar. Observo que os recentes vetores inflexíveis propulsores da polarização esquerda-direita caíram às margens do campo de disputas no fim do jogo. Não foi Bolsonaro, nem Lula e seus Lulopetistas que influenciaram no resultado final da “partida”. Pelo contrário, foram infelizes ao manifestarem apoio por esse ou aquele candidato e receberam pesados trocos. O PT de Lula foi o mais castigado. Não fazer nenhum prefeito nas capitais estaduais deve ter sido duro golpe. Pior foi haver perdido, também, 133 municípios, caindo de 257 para 124. Se o município for de fato como considero a célula-mater do jogo político do país, o PT deixa de contar com essa poderosa máquina. Falando friamente virou um partido em decadência. E os seus partidos aderentes pouco pesam na balança. Tomei conhecimento esses dias que, segundo estimativas publicadas, o outrora brilhante Partido dos Trabalhadores governa apenas 3,64% dos brasileiros. Vamos e venhamos é um percentual irrisório. Sendo tudo isto verdade, temos que abrir os olhos para que os partidos das velhas raposas não roubem nossas preciosas uvas. Que nossas uvas sejam sempre vistas verdes, como na fábula de Esopo, por essas sedentas velhas raposas. Como democrata encerro o papo de hoje lembrando que, para vigiar as velhas raposas, é preciso que haja uma oposição séria, comprometida e atenta. Que não trabalhem com vistas ao poder e com garras a la Al Capone. Opositores são sempre necessários num regime democrático. Que corrijam as desarrumações que assistimos recentemente. O PT, por exemplo, se esfacelou e para se salvar, inclusive, arrebanhou valores sem seu DNA, como a candidata a prefeita do Recife, Marilia Arraes, que ajudou a detonar o Partido no âmbito local. Passos mal planejados e erros elementares. O desespero leva sempre a imprevistos finais de jogo. Nota: A foto-ilustração foi obtida no Google Imagens.

6 comentários:

Claudio Targino disse...

Você sempre feliz nos seus comentários.
As abstenções não deixam de ser um roubo das uvas.

José Paulo Cavalcanti disse...

Penso que os petistas não vão gostar muito de suas opiniões sobre o partido deles. Partido. Muito.

Ina Melo disse...

Como o meu fraco é escrever cartas, fiz uma aos meus queridos amigos “comunistas safados” (eram assim que eram chamados pela direita raivosa, hoje abraçada em parte com o PSB melado, sobre a vergonhosa “Guerra dos Arraes”! Nunca o Brasil teve uma eleição tão suja , pior do que as de 86/87. E quanto ao PT se tivesse usado a matreirice do PMDB, que para mim é a maior praga política do Brasil, tirou o (P) para enganar os que não tem memória, talvez tivesse tido maior sorte.

Fabiano Toquetão disse...

Sensacional como sempre

Ana Inês Pina disse...

Como sempre, excelente narrativa. 👏🏼👏🏼

Cristina Carvalho disse...

Na verdade, de há muito precisamos de uma profunda reforma nos nossos processos eleitorais. O processo democrático, exige. Mas, essas mudanças, mexem com o poder de gente graúda. Mexer com poder rebate na exclusão de uma série de privilégios e facilidades que ninguém quer perder. Não acredito numa mudança a curto prazo - leia-se até o próximo pleito daqui a dois anos. Temos um Legislativo fraco, corrupto, decadente. Temos um Judiciário forte e corrupto, com uma “cesta” de privilégios, nunca visto antes na nossa história e nem da história de nenhum país decente. Temos um Executivo como a salsicha desses dois poderes. O PT circulava bem entre os dois poderes você sabe como. Mas, há uma esperança - o PT sofreu a maior derrota da sua existência e seu cacique foi junto. Nesse quadro, havendo o controle de uma série de variáveis e a adesão das forças contemplativas, talvez consigamos mudar algumas coisas. Salvo melhor juízo.

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