sexta-feira, 19 de julho de 2019

Pobre História Apagada do Recife

Falta muito, ainda, para que o brasileiro saiba valorizar seu patrimônio histórico. Parece até que a referência/objetivo básico é o de apagar a história. Ou tocar fogo como ocorreu no Museu Nacional do Rio de Janeiro. 
Para quem viaja mundo afora, saberá do que estou falando adiante  e certamente concordará comigo até o final deste post.
Por experiência pessoal sei que nada é mais prazeroso do que apreciar cidades e monumentos  milenares preservados e cuidados ao redor do mundo. Além do prazer de visitar, agregue-se o banho de História que, por vezes, podemos provar. Isto com raríssimas – raríssimas mesmo – exceções não ocorre no Brasil. Aqui em Pernambuco, por exemplo, a História vem sendo apagada ao longo dos tempos. Muito tempo. É doloroso visitar certas localidades e constatar esse descaso. País sem História é país sem futuro. Isto já vem sendo lembrado por muitos e há muito tempo.
Mas, indo direto ao que me leva à esta reflexão, expresso um pouco da minha tristeza após um passeio pelo antigo centro do Recife, no recente feriado de 16 de julho, consagrado à Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade capital de Pernambuco.
Tentei adentrar na Basílica, por volta das 10 horas da manhã, sem que houvesse chance. Uma multidão se apinhava nos portais do templo. Segurei a carteira e o celular e encarei. “Com licença” e “deixe-me passar” era a mesma coisa de se dizer "fecha mais um pouco a passagem". 

Sem sucesso, não avancei nem um metro. Diante disto, resolvi olhar em volta o movimento da minha gente recifense espalhada pelo pátio da igreja. Havia de tudo. Com a marca dolorosa da pobreza local, pedintes a ambulantes, tudo junto e misturado, compunha a cena. Fui me afastando da multidão e resolvi fazer uma caminhada até a Praça do Arsenal, no bairro do Recife Antigo, onde encontrei filho e nora para um café.
Foi nesse trajeto (relativamente longo) que mergulhei no que resta do outrora belo e movimentado centro de uma das primeiras capitais do país e constatei a História mergulhada na sujeira e desprezo total. Observei que ainda restam ruas calçadas com as chamadas pedras portuguesas, bastante maltratadas e sujeitas à substituição, como feito na orla de Boa Viagem. É só aparecer  outro Prefeito ignorante... Sob as marquises, da Rua Duque de Caxias,  a marca da pobreza dos sem teto.  
Pedras portuguesas e sem tetos dormindo ao relento.
Vi um patrimônio histórico sujo e carcomido devido a uma série de irresponsáveis edilidades dos tempos recentes. A sensação que experimentei foi de uma cidade abandonada ou quase fantasma. A imagem era reforçada pelo ambiente estático que se faz num dia feriado. Uma ou outra pessoa perdida na espaçosa Praça da Independência e na Pracinha do Diário, coração, quase parado, da metrópole. Com meu botões lembrei que, da torre da Prefeitura, no Cais do Apolo, ousam denominar o Recife como A Capital do Nordeste. Só sendo piada. Desrespeito, até.
Histórico prédio do Diário de Pernambuco apagado e por trás da fiação desordenada.
O que sobrou do belíssimo prédio onde funcionou do Diário de Pernambuco – o mais antigo jornal, em circulação, do Brasil e de língua portuguesa –, dava outro testemunho do abandono da cidade. O jornal já se mudou e o prédio histórico está à mercê da pobre sorte. Mais adiante, numa das esquinas (1º. De Março com Imperador Pedro II) deparei-me com três jovens meninas, em trajes audaciosos, oferecendo seus corpos para “curtir uma boa”, no dizer de uma delas. Lembro que nesta esquina funcionava, no passado, uma elegante agencia do banco Francês-Brasileiro, onde estive muitas vezes. Aliás, esquina que abrigou muito antes, na primeira metade do  século 20, uma das mais famosas cafeterias da cidade, num bom estilo francês, denominada de Café Lafayette. Também tragado pelo tempo. 
Recomendação Inútil!
Ah! Acima das citadas meninas, uma placa tosca e grosseira, em meio às pichações, recomendava um inútil cuidado, haja vista o odor reinante no ambiente (Vide Foto ao lado). Logo em frente, no mesmo cruzamento, outro imóvel abandonado onde, nos anos 50 e 60, funcionava a elegante Joalheria Krause. Na mesma calçada, esquina seguinte e defronte ao rio, outro prédio abandonado, onde havia a grande Livraria Ramiro Costa, na qual meus pais despachavam a lista de material e livros necessários para cada ano letivo dos filhos e filhas. 
Rumando ao meu ponto objetivo tocou-me atravessar a Ponte Maurício de Nassau. Sim, aquela que substituiu a histórica de madeira do século 17 – primeira ponte construída na América do Sul – do boi voador, numa armação populista do Fidalgo Nassau, governador do Brasil Holandês. Chamou-me atenção, de pronto, as cores de gosto duvidoso que pintaram essa importante passagem. Tentando entender, desejei que haja uma explicação plausível. Ora, acharam pouco o horroroso cobogó que assentaram em substituição aos guarda-corpos, de artístico ferro batido do passado? Pelo amor de Deus! Onde andará o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural que consente essas coisas? 
Preocupado, pensei que a qualquer hora pode aparecer um desses idiotas, com caneta oficial na mão, e decida remover as quatro monumentais estátuas que guarnecem as cabeceiras da ponte histórica. Tudo é possível e não duvido nada! 
Uma das estátuas da ponte e um restinho de guarda-corpo antigo. No arco desse guarda-corpo pendia um belo lampião à antiga, que foi trocado por essas luminárias modernas de LED. Estupidez sem limite.. 
Encerrado meu "passeio" resolvi protestar neste humilde espaço. Um pingo d´água num oceano de idiotas - é verdade - mas, um alerta para quem tem sensibilidade cultural. Confesso meu profundo constrangimento em postar tudo isto, mesmo sabendo que o Blog do GB é lido aqui e alhures. Pobre História apagada do Velho Recife. 
Também, quem manda viver o tanto que já vivi e poder fazer essas comparações? Saudosismo? Pode até ser, mas, desculpe, com bom  sentimento histórico-cultural. Tenha certeza.  
 

NOTA: As fotos ilustrativas são todas da autoria do Blogueiro 




8 comentários:

Ana Inês disse...

Olá amigo, sem dúvida suas colocações são pertinentes, embora parte do q falou ñ foi da minha época... rsrs. Gde abraço!!

José Paulo Cavalcanti disse...

Texto belo e pungente, amigo Girley. Parabéns.

Brito disse...

👏🏼👏🏼👏🏼👍🏼 gostei

Susana Goldberg disse...

Que tristeza

Vanja Nunes disse...

Boa noite
Meu colega de turma rsrss
Depois de lê, também fiquei triste, a nossa linda cidade está de verdade abandonada e faz tempo
Mas o que fazer!!!
Que Deus nos abençoe
Um bom final de semana

Edson Junqueira disse...

Girley, meu amigo , gosto de história . Sinto uma tristeza imensa quando reunido na empresa , falando de um recém feriado estadual sobre a carta magna, e em meio a 200 pessoas ninguém sabe o que foi, falo de Frei caneca e de o local onde foi fuzilado, também não sabem , enfim não sabem sequer o que representa o Arco Ires na bandeira do Estado.
Que tristeza , o que estão fazendo com o nosso povo .
Onde estão nossas supostas autoridades e governantes?? Nenhum estado tem história como temos e jogamos na lata do lixo.
E chegado a hora de mudar , vamos exigir que está história faça parte de nossas escolas .

Geraldo Magela disse...

Constacoes importantíssima, que sirva de alerta aos responsáveis pelos cuidados com o nosso patrimônio cultural e artístico,do nosso Recife, cidade que adotei como minha. Abraços do amigo Magela.

Nena Sultanum disse...

Meu querido amigo, você registrou o perfil de uma cidade realmente abandonada . Fiz um pequeno giro em torno da Igreja de N. S. do Carmo , neste mês dedicado a ELA , fiquei amargurada com o descaso dos dirigentes , eleitos por nós, com a nossa cidade . Você fez um percurso sentimental , que eu acrescentaria também o lado oposto tão charmoso outrora 🤭😥😥Parabéns , querido , somos sentimentais !

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