quarta-feira, 25 de julho de 2012

Uma diva chamada Diva

Qualquer dicionário da língua portuguesa garante que diva quer dizer: mulher formosa, artista notável e, até mesmo, deusa e divindade. Eu cresci e fui criado junto de uma diva, minha tia Diva, com a qual aprendi, entre outras coisas, os significados das palavras carinho, amor e família. Bonita, exuberante e carismática foram suas qualidades desde novinha. Indiscutivelmente, era linda. Digna do nome que lhe deram na pia batismal. Engraçado que na minha inocência pueril sempre ouvia, meio sem entender e muito curioso, todo mundo dizer que ela era uma boneca de porcelana. Criança é assim... “Olha só que pele delicada e que cachinhos tão dourados”. Como pode ser uma boneca de porcelana, se ela fala, anda e brinca comigo e, por cima de tudo, faz tudo quanto eu quero? Foi o que perguntei muitas vezes aos meus botões. Lembro com saudade que, de fato, ela me enchia de dengos e carinhos, muito próprios para um sobrinho que, por muito tempo, reinou solo cercado pelo circulo familiar. Aquela boneca de carne e osso fazia parte da minha vida e isso era o que me bastava e alegrava.
O tempo correu e na sua rapidez transformou a bonequinha numa mulher bela, viçosa e cheia de charme. A cada ida à Fazenda Nova, onde ela vivia com meus avós e irmãos, eu percebia a transformação, ao encontrá-la adulta e assegurando-me ser ela feita de carne e osso. A boneca cresceu! Virou uma diva, mulher e formosa e arrancava suspiros de paixão dos marmanjos que a esperavam passar e desmontava de inveja as donzelas que a avistava.
Cheia de graça e dengosa movimentava a pacata Vila de Fazenda Nova, que à época era o point da burguesia recifense, em busca de fazer a estação d´água, na estância hidro-mineral local. No Hotel Familiar – propriedade do pai, meu avô, Seu Nondas – na alta estação (mês de julho) o ambiente noturno era de festas promovidas pela diva Diva. Uma verdadeira  locomotiva...
O tempo não esperou e trouxe, de repente, o gaúcho Plínio Pacheco que, a despeite da oposição cerrada de alguns familiares, pelo fato de ser um cidadão desquitado, ousou e “roubou” a diva Diva, transformando-a em sua esposa, com a qual teve quatro filhos.
O casamento, num contexto familiar tumultuado, transformou a bonequinha de porcelana numa mulher valente e aguerrida, desde os modos de ser e se impor, aos de vencer na vida. Embarcou, junto com Plínio, numa das mais fascinantes das aventuras dos nossos tempos, que foi a de construir uma cidade-teatro para abrigar o espetáculo da Paixão de Cristo, criado anteriormente pelo velho Epaminondas Mendonça, pai da diva Diva.
Ao longo dos anos conclui que a bonequinha-mulher construiu uma vida forjada com suor, sangue, lágrimas e muitas pedras. O resultado está lá, no meio do semi-árido, que é considerado o maior teatro ao ar livre do mundo: Nova Jerusalém. Plínio assumiu a construção, mas, sem dúvidas, ela foi a alma do negócio.
Com tanto suor, sangue e muito granito a bonequinha perdeu, aos poucos, o viço e a cútis de porcelana, passando a revelar – de modo prematuro – as marcas impostas pelo tempo, esse patife que não nos deixa escapar das suas garras.
Sem suportar as falhas de um corpo já debilitado e padecendo de uma enfermidade irremediável a diva Diva se encantou, na semana passada, indo fazer teatro e levar muita alegria ao Céu. Tenho a certeza de que São Pedro fez a maior festa para recebê-la. Por outro lado, acho que Nossa Senhora estava logo adiante para, cheia de curiosidade, conferir as vestimentas que ela escolheu para sua viagem sem volta. Partiu vestida de Maria, mãe do Nazareno, como tantas vezes fez para representar no teatro que ela mesma construiu.
Restam, agora, as lembranças e a saudade de uma mulher valente nas suas atitudes, sabendo o queria na vida terrena, carinhosa com seus familiares, mãe e avó extremosa, generosa com os desamparados e, claro, tia querida. Não esquecerei nossos momentos de carinhos e  amizade, nossas desavenças – sim, elas existiram também – tudo de forma indelével.
Baixem o pano! O drama da diva terminou! Aplausos!
Nota: Fotos obtidas no Google Imagens
     
 
    

9 comentários:

Unknown disse...

Uma boa lembrança. Uma justa recordação. Uma homenagem. Sempre menor que a meritoria.
Parabens

Assis e Telma disse...

A vida é assim mesmo, caro amigo Girley, o maior dos espetáculos. No teatro da vida sua cortina se abre e fecha uma única vez. Abre-se com alegria e logo se fecha com a tristeza da morte. E assim nascemos chorando como profetas de nós mesmos. Nossos sentimentos - Assis/Telma

Tarciso Calado disse...

Que palavras vou dizer? Você disse tudo meu caro Girley. Parabens.

Cristina Henriques disse...

Olá Girley.Divulguei no FACEBOOK sua declaração à nossa 1a.dama do agreste e de nosso Teatro.Abração.Cristina Henriques

joe disse...

Diva
Uma bela dama e uma bela vida. Deixa muita lembranças e realizações. Certamente deixa uma saudade que será rica e gostosa porque soube fazer bem coisas muito boas.
Um grande abraço
joe

Mauro Gomes disse...

Bela homenagem Girley !

Mauro Gomes

ZEZITO MACIEL disse...

Justos e necessários,além de merecidos, os seus comentários sobre Diva Pacheco. Graças a ela e ao seu marido, Plinio,os grandes realizadores de Nova Jerusalem, Pernambuco ganhou relevância no cenário cultural e artístico mundial. Zezito Maciel.

Camyá disse...

Girley,
Muito bonito e comovente, sua pena é extraordinária.
Abs.
Mario Cunha

Hugão disse...

Girley Amigo
Me identifiquei muito com esse belo texto. Sei perfeitamente o que você está sentindo. Eu também tive uma tia que era uma Diva para mim. A diferença de idade (16 anos) não contava muito. Era a minha comparsa predileta. Íamos juntos às aulas de piano, cinema, festas da Padroeira e até segurava a vela nos seus namoros. Nos deixou na madrugada do dia 26 aos 92 anos bem vividos. Ainda no Natal passado ela me enviou um CD com a gravação de duas valsas que havia composto. De tudo meu amigo, restam apenas as boas lembranças. As minhas e as suas com a sua diva Diva. Que os homens lá em cima zelem por ambas. Meu abraço fraterno. Hugo

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