terça-feira, 29 de março de 2011

Luiz Mendonça vive!

“As pessoas não morrem, ficam encantadas” foi o que Guimarães Rosa disse, aos 18 anos, diante do esquife de um colega de faculdade. Ao longo dos tempos esta frase vem sendo lembrada por muitos mortais. Gosto demais dessa figura criada por ele. E, hoje, de fato acredito nesse tal de encantamento porque vejo entes queridos, hoje na eternidade, se transfigurando em ruas, praças, avenidas, escolas e bibliotecas, centro de artes e teatro. São formas em concreto, idéias e muita inteligência, criadas por homens e mulheres, para eternizar nomes. São os encantados encantando os viventes. Esta semana assisti uma dessas maravilhosas formas de transfiguração ao testemunhar a inauguração, aqui no Recife, de um moderno teatro batizado com o nome do encantado Luiz Mendonça, meu tio, pelo lado materno. Indiscutivelmente, uma justa homenagem a um dos maiores defensores da cultura popular do Nordeste, Pernambuco em particular, nas praças do Sudeste, desde quando ninguém sabia ainda quem era Ariano Suassuna ou Luiz Marinho, entre outros autores nordestinos. Convivi com esse homem obstinado pelas artes cênicas. O Tio Lourinho – como era chamado na intimidade – respirava e transpirava nas 24 horas, de cada dia, a arte de encenar e encantar platéias. Desde muito jovem ele dominava a cena familiar – todos com imensa vocação para se postar diante da ribalta – e exercitava a arte dramática, como autodidata, mesmo nos mais simples momentos da vida em família. O povo de Fazenda Nova, onde ele nasceu e cresceu, teve nele o mentor da vida voltado para o teatro, base econômica e social daquela vila até hoje, onde é encenada a Paixão de Cristo no maior teatro ao ar livre do mundo, a Nova Jerusalém. Foi ele mesmo a figura principal na idealização daquela monumental obra, desempenhando o papel de Cristo durante muitos anos, desde que o drama era encenado nas ruas da Vila. O texto original, intitulado de “O Drama do Calvário”, foi escrito por ele em parceria com um certo Ozires Caldas. Perseguido político pela ditadura militar de 1964, por ser o diretor do teatro popular do MCP –Movimento de Cultura Popular, do Recife, no Governo Miguel Arraes – refugiou-se com mulher e filho, no Rio de Janeiro, cidade onde terminou construindo sua carreira de teatrólogo brilhante e ganhando fama internacional. Diretor teatral de mão cheia conquistou o Prêmio Molière de Teatro, em 1974, láurea máxima do teatro nacional. Acompanhei de perto sua brilhante ascensão nos palcos cariocas e paulistas, na década de 70, época que morei por bom tempo em São Paulo e vivia dando escapadas pelo Rio. Ao lado do Tio Lourinho, vivi momentos deliciosos nos bares da vida carioca: a princípio, íamos sempre terminar a ronda da noite na Pizzaria La Fiorentina, no Leme, onde a turma do teatro se encontrava após seus respectivos espetáculos. Por lá conheci os nomes mais famosos do teatro e da TV da época. Lembro de Bibi Ferreira, Grande Otelo, os casais Jece Valadão e Vera Jimenez, Tarcisio Meira e Gloria Menezes, Dina Sffat e Paulo José, a divertidíssima Gracinda Freire, Francisco Milani (este, certa época, andou apaixonado pela minha irmã Leninha), entre muitos outros. Na plenitude da minha juventude dourada, eu achava aquilo o máximo e, inclusive, fui, várias vezes, tido como sendo ator de teatro. É a tal história, “diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Luiz Mendonça era muito querido no meio. Sempre acompanhado pela esposa Ilva Niño, atriz de teatro e da Globo, até hoje, quando chegavam eram acolhidos com entusiasmo. A partir de algum tempo, talvez cansados da badalação no Leme, Mendonça e Niño passaram a “fazer ponto” num cantinho do Bar Amarelinho, em plena Cinelândia. Fui, inúmeras vezes, encontrá-los. Eu dizia que lá era o escritório dele. Ele achava graça e confirmava, dizendo que era ali onde descobria novos valores. Foi assim que descobriu e lançou nomes como Elba Ramalho, Tânia Alves e Elke Maravilha (antes apenas modelo profissional). Andou por lá até morrer. Nunca me esqueço que, numa dessas noitadas da Cinelândia, encontrei na mesa dele o grande autor Dias Gomes, em plena produção do Bem Amado e pegando, na hora e em meio a boas gargalhadas, um bom mote para sua trama na TV: na ocasião Mendonça contava o episódio da dificuldade que o pai dele (meu avô), Epaminondas Mendonça, teve por não conseguir inaugurar um novo cemitério em Fazenda Nova, por falta de um defunto. Ninguém morria, no lugar! A oposição política ao velho meu avô, chefe político do pedaço, sugeria que ele próprio “batesse a caçoleta” e inaugurasse o novo campo santo da Vila. Epaminondas não inaugurou o cemitério mas, logo a seguir, isto virou capitulo do Bem Amado e, recentemente, argumento principal do divertidíssimo filme de mesmo nome. Como ocorre sempre aos humanos, num belo dia do ano de 1995, Luiz Mendonça se encantou e deixou sua história para ser contada pelos que ainda estão na fila esperando o encantamento. Contaram-me que no velório dele houve samba e cachaça, no hall do Teatro João Caetano. Incelenças, como nos palcos que ele dirigiu. Esta última encenação, encomendada (dirigida) pelo próprio, eu perdi... Aqui no Recife, o Teatro Luiz Mendonça nos lembrará sempre esse cara arretado. Transfigurado, ele vive e tem 80 anos!

Nota: A foto é de arquivo de família e na ocasião ele tinha apenas 17 anos. Com cara de galã.

15 comentários:

Mestre Giobosco disse...

Belíssimo memorial histórico-familiar esse do Girley acerca do Luiz Mendonça.
Vez por outra os homens do poder público têm um ataque de lucidez e homenageiam pesoas que, realmente, devem ser sempre lembradas no presente e na posteridade.
É o caso do Luiz Mendonça - que folgo em sabê-lo parente do ínclito Girley - que, por todos os seus feitos em prol da cultura nordestinada, merece um justo lugar no panteon pernambucano.

Franscisco Cunha disse...

Bonita crônica, Girley.

Parabéns.

Francisco Cunha.

Danyelle Monteiro disse...

Boa tarde professor Girley,
O senhor caprichou na poesia e essa sua leitora ficou a imaginar as cenas boemias no Rio de Janeiro, com atores diversos, recém saídos dos espetáculos, aquela alegria... que nostalgia, sinto saudades do que não vivi, talvez numa outra encarnação passada quem sabe... ah boemia... fico a imaginar as conversas nas pizzarias, padarias e botequins de lá, as histórias, a alegria desmedida e irresponsável de quando se é muito jovem, certamente ampliada quando se é artista, com ligação direta com outros mundos e idéias inovadoras... típica da década de 60, movimento hippie, revolução sexual, pílulas anticoncepcionais... que burburinho, quanta novidade mais interessante que as novidades de hoje, vidas vividas com letras garrafais imagino eu, até nos excessos e nos dramas pessoais. Ah noites cariocas, saudades tuas!!!
Abraço,
Danyelle MOnteiro

Unknown disse...

Caro Girley

Mais uma vez você me emociona, e dessa já imaginava quando vi o título do seu blog: "LUIZ MENDONÇA VIVE!" Sabia que não ficar barato... pois Lourinho foi sim, uma pessoa que levou o nome de Pernambuco pelo Brasil afora. Inúmeras vezes, ainda em Caruaru, me via dentro das salas teatrais para assistir as magestrais apresentações/interpretações dele. Adorava. Foi com ele que assisti pela primeira vez, o "Auto da Compadecida" - Inesquecível!!!
Graças a Deus que alguém lembrou de nominar o teatro com o nome dele.
Mais uma vez: PARABÉNS e muito obrigada pela grande alegria que nos foi proporcionada.
Um grande beijo da prima,

Vera Lúcia

Leony disse...

Girley. Como sempre mais um gol. Fiquei contente em saber da homenagem a Lourinho. Lembro dele na Escola Experimental (ele,Berenice, Paulo e Diva), assim como no MCP,assim como de um jovem magrinho alourado, hoje também um grande talento do teatro,TV e cinema - José Wilker. Não sabia do seu encantamento. Valeu Lourinho! Você deixou pegadas que podem ser seguidas.Abraços, Leony

Luis Carlos Menezes disse...

Companheiro Girley
Gostei muito de suas lembranças de encontros com “Tio Louro”:
descritas com linguagem simples, agradável, cheias de importantes
marcos de sua convivência juvenil, e que, alem disso, muito contribuem
para o esclarecimento, principalmente dos mais jovens, quanto à
justeza da escolha do nome “Luiz Mendonça” para o Teatro do Dona
Lindu.
O outro nome sugerido é credenciado pelo importante trabalho social
desenvolvido, mas o do Tio Louro, sem dúvidas, alcançou mais campos de potenciais valores. Abraços,
Luiz Carlos Menezes

joe disse...

Realmente Girley, foi uma noite de encantamento. A exposição de Abelardo Rodrigues está muito bem montada e mexe com os sentimentos. O Teatro é muito bom e recebe com muita propriedade o nome de Luis Mendonça. O encantado Luis dá nome ao novo e encantador local de arte cênica que é Teatro e Anfiteatro. É sempre um prazer encontrá-lo.
Um abraço Joe

Wilma disse...

Oi Girley,
Estava mesmo esperando que essa sua crônica saísse e assim, tão bem retratada da figura que foi o Lourinho.
Parabéns a você, em especial, e ao povo pernambucano pela merecida homenagem.
Grande abraço.

Wilma.

Lucia Cristina disse...

Oi Girley, tudo bem? Que bom o reconhecimento e a homenagem ao seu tio. Parabéns! Ainda não visitei o Teatro. Vi apenas a parte externa, quando assisti ao show de Lenine e Orquestra Sinfônica, por sinal excelente. Mas vi as fotos no Jornal. Muito bonito. Espero conhece-lo em breve. Abraços, Lucia Cristina.

Regina da Fonte disse...

Girley,
Realmente tio Lourinho merece tudo isto e muito mais!Eu o conheci,não lembro se no Rio,certa vez em que fui com vc,saindo de São Paulo,lembra?Ou aqui mesmo em Recife,numa das vezes que ele apareceu por aqui.É tão bom ver homenagens como esta 'a pessoas que a gente conhece e admira,não é?É legal entrar neste teatro e dizer:Eu conheço ele! Já bati papo,até, com ele...Pois é,parabens pelo tio Lourinho!bj,Regina

Jaime Roque da Mata disse...

Amigo Girley,
Parabéns pelos excelentes artigos semanais com que você nos brinda.
Esse assunto da provável Usina Nuclear em Pernambuco, talvez seja apropriado para ser discutido no seu Blog.
Um abraço,
Jaime Roque da Mata

Hugão disse...

Girley
Luís Mendonça. A primeira vez que o vi foi lá pelos idos de 1956, ainda no Teatro do Adolescente do Recife, encenando uma apeça absolutamente fora dos padrões da época, no prédio do antigo Teatro Marrocos do também saudoso Barreto Junior. Suprema audácia essa de levar ao palco "O Auto da Compadecida" do mestre Ariano e ainda ganhar prêmios. No espetáculo ele representava o padeiro, comerciante avarento e o cornudo da cidade. Ilva, casada com ele, fazia a mulher do padeiro que tinha um cachorrinho chamado xaréu. Mais tarde durante a "gloriosa" tivemos uma convivência esporádica no Teatro Popular do Nordeste - TPN devido aos tempos de chumbo que vivíamos. Em boa hora Luís terminou por emigrar para o "sul maravilha" e de certa forma perdemos o contato. Mas era uma festa a presença sempre simpática de Luís Mendonça e Ilva Niño. Obrigado pela viagem no tempo que o seu belo e carinhoso texto me proporcionou. Meu abraço. Hugo

Senhor Palhaço Malabares disse...

Que prazer ler sobre o Mendonça.
Conheci Mendonça com 14 anos de idade. Fui seu aluno na Escola Politécnica de saude joaquim Venancio, na fiocruz no rio de janeiro em 1988, trabalhei com ele até seu falecimento em 1995. Com ele aprendi que para fazer teatro só precisamos de atores e de público. Com ele descobri o teatro e aprendi a amar o palco, seja ele um italiano ou a rua.
Mendonça via atores onde ninguem ousava olhar. Seu olhar profissional e passional mostrava para nós que a arte de atuar estava em cada um de nós. Em 1990 formamos um grupo chamado "os enteatrados" formados por ex alunos dele e por moradores das favelas da varginha e do parque Carlos chagas. Nós, adolescentes e cheios de vonatde de mudar o mundo viamos no tio Lourinho um mestre que sabia que poderiamos ir aonde quisessemos. Hoje bato em meu peito cheio de orgulho: Trabalhei com Luiz Mendonça! E continuo mudando o mundo! Parabens pela nobre e oportuna Lembrança!

Anônimo disse...

Eu fiz um artigo na Wikipedia, fascinado pela biografia do Luiz Mendonça. Espero que você possa contribuir com mais detalhes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Mendonça

Rafael disse...

Acho que pode te interessar. Um livro com a história do seu tio.
http://www.tereart.com.br/livraria/produtodetalhe.php?pId=0000000500

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