Há pouco, terminei de ler a obra do Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, intitulada A Viagem do Elefante, que ele garante ser relato de um real fato histórico. Tive dúvidas, confesso. Mas, vá lá que tenha sido.
Segundo narra Saramago, um elefante trazido, por mares, desde Goa, nos costados da Índia, para Portugal, em meados do século 16, depois de algum tempo deixado em abandono, próximo ao Palácio de Belém (Lisboa) foi dado de presente de casamento, por D. João III e sua mulher Catarina d´Áustria, ao Arquiduque Maximiliano II, da Áustria, (foto) com a filha de Carlos V, de Espanha. A entrega desse, singelo e singular, “presentinho” se constituiu numa verdadeira epopéia por terras de Portugal, Espanha, Itália e Áustria, até alcançar Viena. Aqui pra nós, que presente mais estranho, um trambolho dos infernos! Imagine, Caro Leitor ou Leitora, que foram meses de caminhada numa Europa desprovida das modernidades hoje existentes, arrastando o paquiderme, incluído – o que foi incrível – na comitiva que levava o soberano austríaco e sua consorte, desde Valadolid (Espanha), de volta para casa, em Viena (Áustria). Durante o percurso, até hoje não se sabe quem era mais esperado, nos pontos de parada do cortejo, se o casal real ou o elefante. Cabeças coroadas eram muitas, naqueles tempos. Já, elefantes, na Europa? Nem pensar. Muito divertida a descrição de Saramago, que tem um raro e especial estilo de escrever, combinado com finas ironias, somadas, neste caso, de comparações sutis entre o dantes e o atual. Apurado humor, no mais puro português de Portugal, o que, para nós brasileiros, torna o texto ainda mais engraçado. Excelente leitura.
Lendo aquilo, lembrei-me que muito menor sacrifício era viajar entre o Recife e Fazendo Nova, já na metade do século passado. Saíamos de madrugada, num moderno trem a vapor, uma maria-fumaça, até Caruaru, de onde percorríamos mais 48 quilômetros, numa estrada carroçável, até a porta da casa do meu avô materno. Era uma canseira dos diabos. Chegávamos empoeirados, exaustos depois de um dia inteiro de viagem. Hoje essa trajetória é feita em duas horas, no conforto de um automóvel moderno, com ar condicionado. Chega todo mundo fresquinho e inteiro. Imagino esses arquiduques do século 16 o quanto que sofriam. E a turma do empurra? Vassalos escravos, sofredores e sem esperanças de vida. Saramago descreve direitinho.
Quatrocentos e cinqüenta anos depois, as coisas mudaram radicalmente. A pressa e a competitividade crescem de modo acelerado a cada dia, transformando o mundo numa maratona do viver. Não se trabalha para viver, vive-se para trabalhar. Qualidade é trocada por quantidade. Ao invés dos pombos-correios usados por Maximiliano II, temos o celular e o correio eletrônico. É tudo muito rápido. Quase sufocante. A máquina substitui o homem e assusta o cidadão, a toda hora.
Mas, vale à pena uma reflexão: o preço dessa celeridade é muito alto. O mundo globalizado cobra muito alto ao homem moderno. As pessoas estão se transformando em máquinas. Perde-se, aos poucos, a leveza que o ser humana porta ao nascer. A insensibilidade toma conta e o lema parece ser o popular “cada um por si e Deus por todos”. É uma pena, como se corre, como se come nas carreiras, como se perde tempo no trânsito e como a idéia da solidariedade entre os povos se esvai e quase já não existe. Isto sem falar na violência que cresce aceleradamente. Não, não desejo viver aos moldes do século 16. Impossível, até. Mas, que, pelo menos, sejamos humanos.
Tem circulado na Internet uma mensagem muito interessante, intitulada de
“A Cultura do Slow/Down”, já recebi inúmeras vezes. Trata-se de um movimento que nasceu na Europa – a mesma de Maximiliano II – alertando para um provável caos social. Condena o ritmo galopante do viver moderno e prega a diminuição da corrida. A idéia é privilegiar, por exemplo, uma refeição mais lenta, ou invés do chamado fast-food, que vem trazendo sérios problemas de saúde para as gerações futuras. É produzir mais e com qualidade, em menor tempo, e usufruir mais da bela aventura de viver. Criou-se, então o movimento Slow-Europe. Na base de tudo isto está o questionamento da “pressa” e da “loucura” gerados pela globalização, pelo desejo de “ter em quantidade” (nível de vida), ao contrário de “ter em qualidade”, “qualidade de vida” ou “qualidade de ser”.
Cultivemos uma vida ao ritmo de uma valsa vienense. A que já era dançada por Maximiliano II.
Nota: Ilustrações obtidas no Google Imagens.
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5 comentários:
COMO SIEMPRE MUY INTERESANTE TU COMENTARIO, ADEMÁS DE ACERTADO, OJALA EN VERDAD SE PUDIERA HACER MÁS LENTA LA VIDA, QUIZAS NO DEJANDO CRECER LAS CIUDADES. PERO LAS GRANDES COMO LA MIA (CIUDAD DE MEXICO), ES CASÍ IMPOSIBLE EL SUEÑO, SI NO SALGO DE MI CASA EN EL DÍA PUEDO LLEVARLO A CABO, PERO CON SOLO IR AL SUPER, MI DÍA SE VUELVE APRESURADO. UN BESO
A associação do episódio narrado por Saramago com o estilo de vida moderno é muito feliz. Propicia excelentes reflexões para aqueles que se dispuserem a aplicar alguns pouco minutos para, com o vagar merecido, ler o texto e pensar sobre seus hábitos cotidianos. Parabéns, Amigo.
Amigo Girley,
Seu comentário me foi muito útil para lembrar que precisamos estar sempre atentos para não vivermos correndo atrás do vento. Precisamos sempre nos questionar e ter coragem de dizer não aos nossos medos e ansiedades. Para mim, a alternativa é confiar bem Deus e deixar que Ele conduza nossos passos.
Mauro Gomes
Que leitura agradável e profundamente reflexiva o caro amigo nos propiciou!
Gostei muito dos seus comentários, que além de nos proporcionar a reflexão da Vida no hoje e no ontem, nos direciona para os bons livros.
Grande abraço.
E aqui vai uma sugestão: permita que nós possamos cadastrar nosso email aqui no seu blog e assim todas as suas postagens vão direto para a nossa caixa de email.
Você poderá fazer isso através da ferramenta do FeedBurner.
Grande abraço,
Natália Batista e Lucas Gabriel
www.lucasorigami.blogspot.com
Gostei muito do "link" entre a história de arrastar um paquiderme através da Europa (haja paciência e tempo) com a vida moderna. Se hoje pensamos na facilidade que realizamos façanhas que os antigos sequer sonhavam, não conseguimos refletir justamente o teu ponto: a que custo? É algo que não casualmente pergunto a mim mesmo. Bom saber dessa campanha de Londres. Quem sabe possamos "globalizá-la" também.
Forte abraço.
P.s.: o pessoal do RS adorou o Bolo de Rolo, hehehe.
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