sábado, 18 de julho de 2009

Isto é um Fim de Mundo

Mal fiz meu check-in no hotel, ela se aproximou, toda rebolativa e disparou: “Oi! Eu sou Camila (nome fictício) e posso fazer da sua noite o maior barato!”. “O que menina? E quem lhe disse que eu estou disposto a esse barato?” respondi todo desconcertado e emendando perguntei: “Escuta aqui, quantos aninhos você tem Camila?” Ela respondeu afirmando ter 16 anos! Cônscio da minha responsabilidade e seguro dos meus princípios dei um fora na reboladora e subi para meu apartamento, pasmo com aquele agressivo episódio. Isto ocorreu em Fortaleza, alguns anos atrás, num hotel na região da Praia de Iracema.
Naquela mesma noite, procurando um restaurante para jantar nas proximidades do hotel, percebi que estava hospedado muito próximo da zona. Garotas e gays digladiavam, às vezes no tapa, vendendo seus serviços sexuais. Nas barbas da policia que, normalmente, faz vista grossa e até ajuda no agenciamento, segundo fiquei sabendo.
Isto, na verdade, se trata de um fato corriqueiro nas cidades turísticas do Nordeste. Foi em Fortaleza, mas é comum em Natal, no Recife, Maceió e Salvador, que recebem leva e leva de turistas estrangeiros – vi muitos homens italianos jovens – interessados pelo chamado turismo sexual. Existem agências especializadas nessa modalidade de viagem, em vários países da Europa, notadamente Itália, Alemanha e Suíça.
Em Brasília os serviços são oferecidos nas recepções dos hotéis que disponibilizam books com fotos sedutoras de garotas, oriundas dos confins da Amazônia, da Bahia, do interior gaúcho ou cerrado do Centro-Oeste.
Nos dois casos os cachês são altíssimos e gerenciados por verdadeiras redes de exploração comercial do sexo.
Lembrei-me disso tudo, ao terminar de ler um relatório executivo da Pestraf – Pesquisa sobre o Trafico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil. Fui convidado para participar de uma campanha de combate à exploração sexual, coordenada pelo SESI – Serviço Social da Indústria de Pernambuco. Esta pesquisa é um referencial de trabalho. Se a realidade assusta, os dados apurados pela pesquisa são aterradores.
A faixa etária critica é a entre 12 e 18 anos. São as presas mais fáceis dos predadores, geralmente homens da maior idade. Pior: grande parte da iniciação é dentro de casa. A maioria das vitimas são afro-descentes. Depois de um estupro, um atentado ao pudor, a sedução ou uma mediação para lascívia, a garota não tem outro caminho a não ser se prostituir, nas grandes cidades brasileiras ou no exterior.
As modalidades de exploração dependem da região. A pesquisa mostra coisas interessantes como: no Norte do país, a exploração acontece acintosamente em estradas e ruas, em função dos garimpos, prostíbulos portuários, cárcere privado. É comum realizarem leilões de virgens. No Nordeste impera o pornoturismo e turismo sexual. É uma praga. Rivaliza com países do Sudeste Asiático, que é um horror. Há também prostituição de meninas e meninos de rua e prostituição nas estradas (foto ao lado). No Sudeste a coisa é semelhante ao Nordeste. O Sul tem tudo isto e mais uma forte ligação com o narcotráfico e intenso tráfico de crianças. Por fim, no Centro-Oeste além da comum exploração em prostíbulos, há uma intensa exploração comercial nas fronteiras, agravada pelas atividades do narcotráfico. Nessa região tem uma modalidade especial e fortemente difundida, que é o turismo sexual ecológico e náutico. O pantanal e os rios da região servem de cenário para bacanais homéricos, de fazer inveja à Roma Antiga. Sodoma e Gomorra perderiam feio o posto de vanguarda que ostentou com orgulho na antiguidade. Sodomia lá mudou de nome para pantanomia.
O tráfico internacional de mulheres e adolescentes brasileiras é outro ponto deplorável. Segundo a Pestraf, tem prostitutas brasileiras espalhadas nos quatro cantos do planeta – fruto de aliciamentos criminosos – principalmente na Alemanha, Suíça, Itália, Espanha, Holanda, Portugal, Israel, Japão, China, Taiwan e países latino-americanos.
Mas, em meu ver, uma das coisas mais sérias que a pesquisa concluiu foi de que há uma crescente inserção de mulheres, crianças e adolescentes de classe média no mercado do sexo brasileiro. Ou seja, a coisa começa a se banalizar, à medida que já não se restringe aos círculos da classe de renda mais baixa. E é verdade. Hoje em dia, é comum ocorrências de garotas de programas que são estudantes universitárias e profissionais liberais, saídas de famílias de classe média e média alta, que oferecem – via agentes especializados – serviços ditos de “alto nível” a preços estratosféricos.
Meu pai, se vivo fosse, diria: “isto é um fim do mundo”. O SESI vai contar com o meu apoio. Não sei por onde começar, mas vão me dizer.

NOTAS: Se desejar saber mais sobre a Pestraf visite o site do CECRIA – Centro de Referencia, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, que realizou a pesquisa. Clique em www.cecria.org.br
As fotos foram obtidas no Google Imagens.

10 comentários:

David Leal disse...

Prezado Girley,
Minha mãe diria: "Isto é o final dos tempos."
Um grande abraço,
David
(Belém/PA)

Cássio Reis disse...

É, Girley... Creio que o título de sua postagem disse tudo. Infelizmente, a prostituição infantil tem crescido de uma maneira assustadora. Enfim, é o mundo em que vivemos.

Um grande abraço,

Cássio Reis
www.britishpoint.blogspot.com

Cristina Henriques disse...

Prezado Girley:
Conheci a Rede de Combate há cerca de 6 anos. Um braço aqui em Pernambuco.Participei de diversas palestras e Oficinas quando me deparei com essa triste realidade onde mães trocam meninas por um prato de comida no interior do estado. Essa familia merece sua atenção.
Já as mulheres de classe média, estudantes universitárias que têm opção, merecem as penas da lei.
Exitia( ou existe) em hoteis de Boa Viagem o esquema de altos cachês, e as mulheres fica(va)m à disposição em suites no Atlante Plaza. Algumas se arrumavam no mesmo salão de beleza que eu, tudo pago pela rede de prostituição com book.
A coisa se espalhou de tal forma que até um padre recebeu um book para olhar, do recepcionista de um hotel no Sudeste.
E ai? Como fica ?
Esse hotel deve ser denunciado. Na imprensa. E a Rede de Combate deve ter canais independentes, pois os jornais de grande circulação podem receber 'ordens' de não publicar.
Maldito big brother que vende sucesso fácil, sem trabalho.
Mas a familia tem culpa, pois quando fazemos nossos papeis de pais, e temos tempo para nosso filhos, DUVIDO QUE DEGENEREM.
Ma. Cristina Henriques

canojones-carlosjorgemota.blogspot.com disse...

Girley: Aqui em Portugal, se consultar a página do eufémico Relax num jornal diário qualquer, principalmente da cidade de Braga ou até mesmo do Porto, em 90% dos contactos telefónicos - se se der ao trabalho de fazer a ligação - encontrará do outro lado da linha um sotaque brasileiro, de todas as regiões do Brasil, mas maioritariamente do nordeste.
É uma realidade que me entristece, pois, como sabe, a minha mulher - Inêz - é brasileira e tem muita dificuldade em conviver com esta situação. Já não chega o crime de alta violência que ultimamente surgiu aqui no país e em cuja ação estão maioritariamente marginais brasileiros. É preciso pôr cobro a isto com urgência, pois o Brasil tem que ser preservado de tamanho enxovalho. Um abraço amigo. Carlos Jorge Mota.

Susana González disse...

Que triste verdad, hace poco vi una película brasileira sobre este tema, no recuerdo el nombre, creo que lo bloquie, ya que me impacto muchisimo, era sobre unas niñas que las venden como esclavas y las llevan a un pueblo como de trabajadores, van a un prostíbulo, donde tienen un trato inhumano. Esta hecha por un Instituto que esta investigando estos hechos, por supuesto tampoco me acuerdo del nombre, pero te puedo investigar si quieres. Por desgracia es un problema universal.

También alguna vez vi un artículo en un National Greographic, trataba sobre este tema pero en Asia.

Que bueno que tu estás haciendo algo, siempre cuando se algo de esto me siento muy impotente, por eso me da tanto gusto que tu lo hagas.

Un beso

Susana González

Mauro Gomes disse...

Caro Girley,

O pior é que não há sinais de que possa haver uma reversão nesse processo.

Mauro Gomes

Marai José Andrade (SESI) disse...

Dr. Girley
Que bom puder contar com essa tribuna eletrônica que denuncia situações como esta constrange a todos nós pais de famílias pernambucanos e brasileiros.
O SESI iniciou em 10/08 o Projeto Viravida, o qual visa combater a exploração sexual através da capacitação dos jovens em Cursos de Costura Industrial, Recepção, Agentes de Eventos, Auxiliar Químico e Microbiológico e Cabeleireiro, culminando com a inserção desses jovens no mercado de trabalho.
As instituições /empresas que tiverem interesse em tornarem-se parceiras nessa jornada podem procurar o Sr. Michael Groarke – Gerente da Gerpe (tel 81- 34128340 ou a Coordenadora do Projeto - Mônica Quintas ( 81- 3339.1233).
Aguardo seu contato
Maria José S Andrade
Coordenadora do Núcleo de Empregabilidade do Projeto

elly disse...

http://www.youtube.com/watch?v=4DrmVsI_n6I

Abraço d'Amsterdao

Carlos Antonio disse...

Girley, o que está havendo com o amigo;
Rejeitando menina. Não acredito.... kkkk
Carlos Antonio

Karlus disse...

Há um filme brasileiro muito significativo sobre isso "Anjos do Sol". Prefiro indicar do que dissertar sobre o tema. Mesmo porque tudo que disser será muito pouco e falso. É filme premiado, até o Antonio Calloni venceu como melhor ator no festival de GRamado.

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