Hoje em dia, porém, a coisa tem sido muito diferente. Mudei eu, é verdade, com o passar do tempo. Mas, mudou também o carnaval. Já não é como antigamente. Hoje, tudo é agigantado, fabricado, comercializado, explorado e, por cima, permeado de violência. É preciso ter muito cuidado para o que ocorre no meio da folia. Prefiro a segurança de um programa mais recatado.
Lembro – com saudade – dos velhos reinados de Momo e do tranqüilo carnaval de Olinda, dos anos 80. Levávamos nossos filhos pequenos, sem dificuldades e sem medo de enfrentar contratempos. Poucos anos antes, brincávamos o carnaval dos salões, nos nossos principais clubes sociais. Eram festas retumbantes, de saudosas memórias.
Ultimamente, a coisa tem sido de tal maneira assustadora que prefiro fugir da folia, muitas vezes correndo para lugares distantes e culturas distintas. Maioria das vezes para lugares que carnaval nem é lembrado.
Em 2007, fui, com a família, curtir Buenos Aires, capital da Argentina. Lá carnaval passa à distancia. Aqui e acolá, podem ser vistos agrupamentos de pessoas em ruas previamente fechadas, para curtir uma coisa parecida com uma quermesse de interior ou subúrbio brasileiro. A festa da Vitória Régia, que acontece todo novembro, no bairro de Casa Forte, Recife, bate qualquer desses festejos argentinos. Na avenida principal de Buenos Aires, a famosa 9 de Julio, o carnaval foi comemorado, nesse ano, com um grande torneio de tênis, envolvendo as estrelas locais deste esporte, dentro de uma mega arena ali montada. Para o turista é ótimo porque lá, não é feriado. Tudo funciona normalmente: comércio, escolas, bancos e repartições do governo
No interior do país, na localidade de Gualeguaychu, vem sendo promovido um carnaval, digamos, mais audacioso numa tentativa de imitar o carnaval carioca. Tem desfile de fantasias e de mulheres com trajes sumários. Dançam os ritmos regionais, que têm certa cadência e evoluções propícias aos propósitos de imitar nosso carnaval tupiniquim.
Noutros pontos do país, particularmente nas províncias do Noroeste argentino, segundo meu amigo argentino, Jorge Morandi, – atualmente passando férias no Recife, como meu hóspede – o carnaval acontece de formas bem típicas, respeitando os fortes traços da cultura local. Para começar a coisa é lembrada como um folguedo ligado à figura do Diabo. Brinca-se a valer, por oito dias, sempre se reportando à figura do dito cujo, representado pelas centenas de mascarados, conhecidos como los endiablados.
Na Província de Jujuy, numa região denominada Quebrada de Humahuaca (Paisagem Cultural
da Humanidade, pela Unesco!), acontece um carnaval muito animado e concorrido. É atração turística. A folia reina absoluta ao som e ritmos trazidos dos ancestrais incas da Bolívia e do Peru. Vide imagens a seguir.Segundo Morandi, quando o carnaval termina, no domingo seguinte, os grupos de comparsas (blocos carnavalescos) enterram o carnaval, oferecendo, em agradecimento à Pachamama (Mãe Terra, no idioma indígena) a oportunidade vivida e um agradecimento pelo que foi colhido durante o ano. São frutas, cereais, bebidas e, o que eles consideram muito importante, uma folha de coca. É oportunidade, também, de pedir graças à Pachamama. Os que, por exemplo, desejam construir uma moradia oferecem ferramentas de construção, tijolos ou outras peças relativas ao pedido. Pede-se, ainda, pela saúde, pela família e pela felicidade afetiva.
Por fim e para completar, enterram também o Demônio, que neste caso é representado por um caprichado boneco. Deixam-no por lá, para que não perturbe durante restante do ano. A cova é marcada por um montinho de pedras, para que no ano seguinte seja encontrada facilmente, ocasião em que desenterram o “sujeito” abrindo uma nova temporada de festejos carnavalescos.
Ah! Já ia esquecendo! O tal boneco de Satanás, pode ter um pênis com proporções avantajadas, que é beijado, com ardor, pelas moças solteiras desejosas de arrumar um marido. Dizem que, quando a coisa é feita com fé, é “tiro e queda”... no ano seguinte a beijadora não precisa repetir o gesto.
Este gênero de carnaval, que acontece na Quebrada de Humahuaca, se repete com pequenas variações, já pude observar, em países da América Central e Caribe. Lembro de haver visto algo parecido na República do Panamá, onde já passei um carnaval. Lá, ao invés de endiablados, são chamados de diablicos. São costumes interessantíssimos.Neste próximo carnaval, pretendo ir ao Chile. Quem sabe descubro outros costumes, para entender, outra vez, que carnaval não se faz somente com samba e frevo.
Notas: Fotos obtidas no Google Imagens.
Sugestão: se quiser saber mais sobre o carnaval e a Quebrada de Humahuaca, abra o Google. Tem informes excelentes.
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