segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Voz do Milênio

Acompanhei nos últimos dias o noticiário sobre a morte, velório e sepultamento da cantora Elza Soares, de quem nunca fui fã ardoroso. Os obituários que rolaram, porém, apontaram detalhes da vida da cantora que terminaram me provocando uma admiração tardia. Acredito que alimentei preconceitos tolos, devidos ao seu estilo extravagante e sua maneira pouco formal na cena artística. A provocação levou-me a mudar a pauta semanal do Blog, focando nessa consagrada interprete do samba brasileiro, considerada, numa votação promovida pela BBC de Londres, em 1999, como a “voz do milênio”, detalhe que somente agora tomei conhecimento. Por outro lado, recordo que já fiz postagens sobre cantoras, estrangeiras por sinal, que me fizeram falta por serem convocadas à eternidade. Entre essas, destaco a sul-africana Miriam Makeba (1932-2008)(interprete de Pata-Pata) e a argentina Mercedes Soza (1935-2009)(interprete de Gracias a la Vida) e que seria, portando, injusto não me referir a essa brasileira guerreira e defensora das mulheres e de negros.
Que me recorde, assisti Elza Soares ao vivo, uma vez apenas, num dos programas Pixinguinha ou Seis e Meia, no Teatro João Caetano, do Rio de Janeiro. A Funarte levava às plateias das grandes cidades brasileiras os grandes nomes da MPB a preços populares, nas décadas de 70, 80 e 90. Nem sei o que restou desses excelentes projetos. Naquela ocasião assisti uma Elza cheia de “fogo” levando o público à loucura interpretando paginas das mais conhecidas do seu vasto repertório. Saí admirado da sua energia e seu carisma, mas nem assim tornei-me fã incondicional. Desses de catar seus discos ou acompanhá-la pela TV. Como não acompanhei, à miúde, a trajetória dessa mulher, confesso que fiquei sensibilizado com tudo quanto ouvi falar nesses obituários que vêm sendo publicados. Incrível saber que foi obrigada, pelo pai, a casar com 13 anos de idade por haver engravidado. Naquela época era assim, “casava na policia”. Perdeu dois filhos recém-nascidos devido à fome que passava. Com pouco tempo enviuvou ficando com um filho nos braços. Cansada de sofrer com essas perdas, percebeu que tinha voz, gostava de cantar e resolveu se inscrever num programa de calouros comandado por Ary Barroso, na Radio Tupi do Rio de Janeiro. O objetivo principal era ganhar algum dinheiro, sobretudo, para alimentar o filho que restava dessa relação imatura. Pois bem. Depois de uma recepção pouco amistosa do Ary e até, mesmo, pejorativa, Elza não levou o gongo e ganhou o prêmio. Mais do que isto, ouviu do seu “algoz” o elogio que se tornou o passaporte para o sucesso que teve pela frente. Aplaudindo-a Barroso foi categórico: “senhoras e senhores acaba de nascer uma estrela”. Aquilo era taxativo, à época, para o mundo da musica popular. A mocinha, saída da favela de Padre Miguel, desengonçada, franzina, mal vestida, com um arranjo de roupa da mãe, que vestia um manequim o dobro do dela, ajustado com alfinetes saiu vitoriosa e se jogou de corpo e alma no mundo concorrido das vozes do samba. Isto foi no final da década de 50. Numa das suas entrevistas, ela disse que “para dar sorte me apresento sempre com um alfinete na roupa”. Nos últimos 70 anos o mundo viu e aplaudiu a cantora, a ativista politica social, defensora das mulheres, dos negros e dos pobres. Fez muito pela gente pobre da sua favela de origem. Uma das passagens mais famosas da vida pessoal de Elza foi, indiscutivelmente, sua relação amorosa com Mané Garrincha, astro da Seleção Brasileira, campeão do mundo, após a vitória do bicampeonato mundial, no Chile, em 1962. Garrincha, casado e com dez filhos, largou tudo e se agarrou numa louca paixão com a já consagrada sambista. Foi o maior auê daqueles tempos. (Vide foto abaixo). O casamento não chegou a ser um mar de rosas, segundo relatam. Foi tumultuado, sobretudo por conta do alcoolismo do jogador. “Mané era uma figura doce e querida, mas a bebida estragou tudo” e “Todo mundo dizia que eu havia sido o motivo da decadência dele como jogador, mas o que o derrotou foi joelho doente”. São frases de Elza quando no trato do assunto. E arrematava com uma declaração saudosa ao afirmar: “mas, foi um amor como nunca eu havia sentido. E ele, também!” Há quem afirme que ela é insubstituível. Com certeza será sempre lembrada.

5 comentários:

José Paulo Cavalcanti disse...

Viva Elza, mestre Girley. Belo texto. Abraços lisboetas.

Ana Inês Pina disse...

Tb ñ fui fã como cantora, mas admirava sua garra e contribuição. Gde abraço!

Edson Junqueira disse...

Excelente , grande mulher.

Ina Melo disse...

Muito bom amigo! Fui a muitos shows dela com meu marido, ele era tarado numa escurinha😂😂😂😂mas achei que ela, fisicamente envelheceu muito mau, as plásticas a transformaram numa caricatura de mulher, mesmo que nunca tenha perdido a beleza da voz!

José Otávio de Carvalho disse...

Amigo Girley. Meu enfoque quanto a Elza Soares é muito parecido com o seu. Não era seu fã como cantora, mas passei a admira-la profundamente após conhecer a sua história de vida e como símbolo do povo sofrido e incompreendido.

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