segunda-feira, 2 de abril de 2018

Antigamente, era muito diferente...

Antigamente, era muito diferente... a gente já deixava de ir a escola na 4ª. Feira, ninguém trabalhava, o comércio fechava, porque a partir do meio dia, já começava o retiro espiritual da semana santa. Dali em diante até a sexta feira, outro sinal muito efetivo vinha pelas ondas dos rádios – então muito prestigiados – que só colocavam no ar músicas clássicas e que todo mundo chamava de música fúnebre. Fazia-se um silencio no meio do mundo, que chamava a atenção de nós, meninos irrequietos, loucos que passasse aquela época tão monótona. Claro! Não se podia cantar, gritar ou fazer algazarras. Arengar com um irmão, seria um pecado mortal.
Paralelamente, a minha casa era invadida pelo cheiro do pescado e do bacalhau que era consumido durante três dias. Para acompanhar havia o feijão e o arroz de coco, verdadeiras delícias, completados pelo o bredo, ao molho de coco, também. Naquela época eu não era muito fã de peixe. Achava insuportável ter que fazer a abstinência de carnes vermelhas por três dias seguidos. Era um sacrifício.
Certas horas, havia o capitulo de ir à Igreja. Lembro da cerimônia do lava-pés, da celebração relembrando a instituição da eucaristia e da procissão do Senhor morto. Beatas choravam, com o terço na mão e beijavam o Cristo na cruz. Era um clima de puro funeral.
Apesar da austeridade exigida, havia duas coisas bem profanas e divertidas, que terminavam quebrando o clima pesado do retiro: a noite do serra-velho, acho que na 4ª. Feira e a da malhação do Judas, na 6ª. Feira. Não estou muito seguro desses dias. A primeira até hoje não entendi. Escolhiam um cidadão ou uma cidadã de muita idade e, de modo geral, antipatizado pela comunidade e simulavam sua morte. Munidos de um serrote, roçando numa lata velha, produzindo um barulho desagradável, alta madrugada e, na porta da vitima, tratavam de fazer um inventário e “distribuição” dos bens do “morto” entre os promotores da provocação. Tinha nego que ficava tiririca e reagia, muitas vezes, a fogo. Quando a arma cuspia balas, os “herdeiros” corriam com os pés nas costas. Quanto a história do Judas, lembro que escolhiam um cidadão, malquisto pela comunidade, para ser “julgado”, em praça publica, através da figura de um boneco em tamanho natural. Era a maior desfeita. Os promotores da malhação, muitas vezes, conseguiam, nunca se sabe como, algumas peças de roupas do cara, produziam um boneco recheado de trapos e folhas de bananeira (eu ajudei a fazer um) e penduravam num poste, bem debaixo da luz pública. O sujeito quando via aquele boneco com suas próprias roupas, era capaz de se suicidar. No fim da noite o boneco, digo o Judas, era derrubado e surrado aos gritos da cambada. Neste caso, estava claro, que se fazia uma relação com a figura do Judas, o traidor de Cristo.
Quando, finalmente, chegava o sábado havia uma explosão de alegria. As rádios, em vez de musica fúnebre, atacavam de frevos e marchinhas de sucesso do último carnaval. Os clubes sociais promoviam os chamados bailes de aleluia. Era o maior carnaval do mundo, numa única noite. Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!
Hoje é tudo muito diferente. Católico de nascença, fico meio desconcertado, quando vejo a programação dos dias da semana santa dos meus filhos, dos filhos dos meus amigos e dos próprios amigos. Definitivamente, acabaram com o clima de retiro e respeito à Paixão de Cristo.
No lugar das chamadas músicas fúnebres, a programação das rádios não muda em nada e se ouvem as costumeiras batidas do rock, os pagodes e sambas, ou coisas parecidas. Nas estâncias de férias, promovem-se monumentais festivais de músicas, nos quais a moçada se esbalda e extravasa seus instintos mais obscenos. Pra começar, as bandas, vejam só, levam nomes muito esquisitos, tais como Biquíni Cavadão, Garota Safada e Calcinha Preta, entre outros. Isto não casa com nada de bom senso, principalmente o religioso. Pense pular ao som da banda de Ivete Sangalo, em plena noite da 6ª. Feira Santa. E comer churrasco de picanha no meio da festa! Acontece, sim. Não é um horror? Se minhas avós, por um milagre que fosse, voltassem ao mundo dos vivos, davam uma marcha à ré e, fazendo o sinal da cruz, deitavam e morriam, outra vez. Eu nem choraria. Conformado, entendia que não lhes restava outra coisa.
Não! Não é saudosismo, nem beatice, nem falso moralismo. É desconforto espiritual. Acho que um retirozinho, uma pausa para meditar, pode fazer muito bem a essa juventude inquieta de hoje.

Nota: Fotos do Google Imagens

7 comentários:

Ozanil disse...

Olá, não sabia desses detalhes. Realmente hoje uma festa mais profana. Obrigada pelas informações pois as lembranças devem ser passadas às futuras gerações.

Regina da Fonte disse...

Adorei, Girley!Voltei ao passado num passe de mágica!
Regina da Fonte

Susana Gonzalez disse...

En México también ha cambiado no lo festejábamos porq era influence gringa.
Susana Gonzalez

Fernando Ventura disse...

Muito bom Girley, eu também tenho este mesmo sentimento.
Fernando Ventura

Ina Mello disse...

Pois é amigo. Eu escrevi uma crônica justamente sobre isso. Alguma coisa está destrambelhada com essa geração da Internet!
Ina Mello

Danyelle Monteiro disse...

Concordo prof. Girley, inclusive também já participei do Serra Velho...bons tempos.
Danyelle Monteiro

Thereza Leal disse...

Girley adorei seu Blog fez me recordar toda juventude exatamente igual a que passei ri muito ao me lembrar do boneco no poste fizemos com turma da vizinhança foi muito animado aquela época bricavamos na rua éramos felizes e não sabiamos hoje está falta de respeito a Semana Santa continue fazendo estes Blogs maravilhosos abraços nossos.
Thereza Leal

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