segunda-feira, 18 de abril de 2011
Memórias da Paixão
Há poucos dias, um amigo de juventude (colega no Colégio Marista e na SUDENE... e até hoje!), Joe Gonçalves, sugeriu-me escrever sobre minha família. Ele se referia às histórias da família Mendonça, de Fazenda Nova. Aquilo foi uma cobrança construtiva, é claro. Aconteceu durante a solenidade da inauguração, aqui no Recife, do belo Teatro Luiz Mendonça, meu tio, mestre na arte teatral. (vide: http://gbrazileiro.blogspot.com/2011/03/luiz-mendonca-vive.html) Não tive dúvidas e logo em seguida falei sobre o homenageado e minha convivência com ele. Mas, aquilo não seria tudo. Agora, que começa a temporada da Paixão de Cristo de Fazenda Nova, aflora na minha memória alguns episódios interessantíssimos. No principio, ainda na década de 50, as coisas eram bem amadorísticas, muito diferente do profissionalismo de hoje, em Nova Jerusalém. Meus avôs – Epaminondas e Sebastiana Mendonça – à frente da família e com a experiência do clã, em fazer teatro amador, tomaram no peito a missão de mostrar teatralmente a vida, paixão e morte de Jesus Cristo. Um misto de catolicismo exacerbado e de vontade de fazer teatro educativo. O publico? O povo da Vila e das redondezas, incluindo os do pé da Serra. Jamais se imaginou que aquela iniciativa – nascida da leitura que o velho Epaminondas fez numa revista da época denominada Fon-Fon, sobre o espetáculo alemão de mesma temática, na cidade Oberamergau – se transformasse nessa produção hollywoodiana de hoje. Foto a seguir. Eu era bem criança quando a coisa começou e pouco entendia aquela euforia que se instalou no meio dos Mendonça. Lembro, sim, do entusiasmo do meu avô – ele vinha de Fazenda Nova, nos visitar, toda segunda-feira – que, na época, não tinha outro assunto a não ser a Paixão de Cristo. Aquilo ficou marcado na minha memória de criança. As primeiras encenações ocorreram nas ruas da Vila e nas casas mais proeminentes do local. Palácios, templos, arruados foram arranjados e as cenas se desenrolavam enchendo de emoções – muitas lágrimas derramadas – do publico. O elenco era composto de atores, na maioria deles, com o sobrenome de Mendonça. O papel principal era de Luiz Mendonça, Tio Lourinho na intimidade, que durante muitos anos foi “crucificado”, até mesmo depois, no grande teatro da Nova Jerusalém, a partir dos anos 70. Era tudo feito com muito amadorismo e criatividade sem fim. O publico cada vez maior foi o grande e decisivo incentivo para que a coisa se transformasse no sucesso de hoje. No item criatividade duas coisas que, com o tempo, fiquei sabendo e não posso esquecer: o contra-regra da encenação era meu avô, que ficava extenuado após a cena da crucificação, porque a ele cabia empunhar uma folha de madeira compensada e simular os trovões que ocorrem na hora da morte de Cristo. O compensado, quando agitado ininterruptamente, produzia um barulho similar a uma trovoada. Outra coisa divertida, explicada pelo meu tio Lourinho, atendendo à minha curiosidade, foi saber da fórmula para a produção do sangue derramado, por ele, no papel de Cristo. Aquele sangue jorrando aos borbotões me deixava intrigado. “Ele me “confidenciou” garantindo ser um segredo de bastidores:“ ...a gente mistura gema de ovo com mercúrio cromo, rapaz. Fica igualzinho a sangue, preste atenção”. Houve um ano que uma cena virou comédia: durante o percurso de Cristo, sendo levado para o calvário, açoitado impiedosamente pelos soldados romanos, um grupo de beatas vindas do pé da Serra do Cachorro, trajando luto fechado e cabeça coberta com véu, combinaram de se juntar e impedir que os centuriões batessem no Cristo. “Pelo amor de Deus parem, seus desgraçados, Jesus já não agüenta mais. Ele já apanhou por demais! Parem, parem!”, gritou a líder das beatas se atracando com a guarda romana. “Ôxente, que foi que deu nelas?”, resmungou o ator soldado. Até “Jesus Cristo” caiu na risada... Nem precisa dizer a reação do publico. Ocorre que o ingênuo povinho de Fazenda Nova tomava aquilo como a uma coisa mais do que real. Pura inocência matuta do nordestino. Uma coisa linda! Elas não sabiam que aqueles chicotes eram simples tranças de cebola envolvidas com um pano vagabundo de cor preta. E as lapadas eram feitas de modo a não machucar tio Lourinho. Daí em diante ficou impossível levar a encenação nas ruas de Fazenda Nova. Foi quando Plínio Pacheco, meu tio por afinidade, aconselhou a família a construir Nova Jerusalém. O resto, o mundo todo já sabe. Se me ocorrer novas lembranças, as contarei. NOTA: Foto do Google Imagens
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15 comentários:
Girley,
o texto sobre a memória da Paixão me reporta aos anos sessenta, logo no começo, quando Plínio Pacheco, companheiro de redação do vespertino Diário da Noite (onde era secretário de redação) me convidou para ajudá-lo como assistente técnico do espetáculo. Ano 1961, ainda incipiente o seu arrojado projeto de construir a Nova Jerusalém, hoje esta realidade formidável. Cheguei a participar de alguns espetáculos, acumulando como soldado judeu (certamente por carência de atores, lógico) e outras funções de coordenação. Mas queria lembrar a você, reavivando e enriquecendo suas lembranças do nosso saudoso Lourinho (Luiz Mendonça) que ainda fazia o Cristo nessa época (depois dele veio o José Pimental). Um episódio inesquecível:durante a crucificação, quando os punhos do ator eram presos aos braços da cruz com uma tira de couro cru (quase cor da pele). Os "cravos" na verdade, eram simbólicos. Ou seja, rodelinhas também de couro, que eram presas sobre a tira que sustentavam os pulsos ao madeiro da cruz. Preso o corpo, a cruz era suspensa e colocada no buraco cavado na terra. Nesse impacto, o corpo acompanhava a queda brusca e ficava sustento quase totalmente pelos braços, pois os pés ficavam apoiados num pequeno suporte. A cena da crucificação não demorava muito, mas o tempo suficiente para acontecer o sofrimento, os momentos finais e o último suspiro do Cristo, que caia vergado ao peso do corpo e da força da gravidade. Como já demorava mais do que o previsto, Lourinho (mesmo "desfalecido" na cena) falou baixinho e disse para nós que estávamos aos pés da cruz: "me tira daqui que estou passando mal; meus pulsos estão prendendo a circulação; vou desmaiar..." E não é que tiramos ele da cruz praticamente desacordado... Foi a cena mais real que presenciei. Ilva Niño, sua esposa, que fazia o papel de Maria, também estava no local, ao lado do ator fazendo João Batista (não lembro quem era) e alguns soldados. Cena mais forte e marcante era o enforcamento de Judas, interpretado por Clênio Wanderley, num papel magistral. Tão perfeito o desempenho que era aplaudido! Foi nessa época que José Wilker se iniciava como ator, convidado por Plinio para fazer o papel do cego, que era curado durante o Sermão da Montanha. Ah, meu caro Girley, quantas boas recordações daquela época!... Mas você, com sua memória privilegiada, me tocou a sensibilidade e me fez não resisitir para contar esses "causos"... Abraço
Isaltino Bezerra
Bom dia, Girley.
Leio suas memórias e escritos.
Esse sobre a Paixão de Cristo está com gosto de cidade do interior, e gosto de saudades...
Parabéns.
Andréa Botelho
Amigo,
Li suas memórias de Fazenda Nova - lembro ter ouvido falar do "causo " da moradora, que reclamou a agressão física no ator que representava JESUS.
Estive por láa vendo a representação por 3 vezes. A primeira creio, que no ano de 1970 ou 73. Conhecia uma das atrizes - Teresa Campos, que estava hospedada no Hotel de Armênio e o teatro, ainda no inicio da construção. Era sonho e uma aventura de Plínio.
Explore o tema que é bom.
Abraços
Carlos Antonio
Girley,
Adorei conhecer as suas memórias de como nasceu o espetáculo da Paixão de Cristo, em Nova Jerusalém.
Gostei demais mesmo e vou repassar para todos os meus amigos internautas.
Você é um grande mestre na narrativa.
Vou mandar para Alex e sei que ele vai adorar também.
Abraços e o meu muitíssimo obrigada pela distinção da remessa.
Ângela Barreto
Girley,
Creio que foi na 6a.feira p.passada, na primeira edição do NE-TV, aconteceu uma reportagem sobre a Paixão de Cristo de Fazenda Nova,narrando desde o início,inclusive com fotos da Tia Sebastiana, Sr.Epaminondas e Lourinho e logo lembrei de você.
Sua narrativa está excelente, inclusive contando fatos curiosos, que desconhecia.
Grande abraço.
Wilma.
Caro Girley,
Você deveria escrever um livro sobre suas experiências em fazenda Nova. Lembro que tem um causo que o artista bebê faz xixi em cena e outras mais. mãos a obra.
Mauro Gomes
Girley, adoro e vivencio tudo referente a nossa cultura, principalmente aquela presente em nossa história. Parabéns pela linda família e a sua narrativa q fez buscar na minha imaginação o cenário da época e tudo q contribuiu e representou para o grande espetáculo de hoje. Parabéns! Simone Monte Teixeira
Estimado Girley, Boa Noite,
Possivelmente fui o primeiro a ler o seu BLOG de Hoje. Às 6.30 hs estava de pé, já tinha levado minha neta no Colégio, o que faço religiosamente todo o dia. Um pouquinho mais das sete horas observei o seu BLOG postado na minha caixa de entrada. De imediato fiz meus comovidos comentários, pois este tipo de evocação mexe muito comigo. Como sempre me confundo no envio pode ter ocorrido um extravio. Ainda não havia os comentários do nosso amigo Isaltino. Lamentei não ter sido o primeiro!!! Mas continue a fazer seus comentários magnificos e importantes na exaltação de figuras marcantes que contruiram para uma história digna de menção e sempre atual. Compartilho integralmente na sua manifestação, especial referente a Epaminondas, Luiz Mendonça e o Plinio Pacheco. Personagens permanentemente presentes na galeria de grandes Pernambucanos. Sei que Plinio naõ era daqui mas pelo que fez a nossa Terra se tornou mais Pernambucano que muitos que aqui nasceram. Continue neste belo trabalho. Forte e fraterno abraço, Fernando da Costa Carvalho.
Oi Girley,
Fico sempre maravilhada, quando você faz esses comentários sobre a "nossa" família, é bastante emocionante, lembrar de "seu" Nondas, tia Sebastiana, Lourinho e Diva que por alguns anos (se não me engano) fez o papel de Maria.
É sempre bom recordar coisas tão boas. Volta e meia faça relatos da família - me encantam muito!
Um grande abraço,
Vera Lúcia
Bom-dia, Girley!
Belo post!
Percebi que o dom pelas artes corre em sua família desde há anos. Isso é um presente!
Tenha uma ótima Páscoa, ao lado dos seus.
Abraços,
Josane Mary
Meu caro Girley, li a matéria sobre o surgimento do espetáculo da Paixão de Cristo de Fazenda Nova. Gostei muito, inclusive por me fazer resgatar minhas vivências quando ia assistir esta representação, ainda uma realização das pessoas daquela comunidade. Era muito interessante ver e sentir a participação de cada camponês ao se transformarem habitantes de Jerusalém, seguidores do Cristo. Pareciam seres extemporâneos, tudo era mágico e verdadeiro. Claro que a reconstituição do sofrimento do Cristo nos emocionava, pegava a gente direitinho; e, assim, éramos tocados pelas palavras sagradas do cristianismo. Tanto que, depois do espetáculo, nem nos preocupávamos em dormir no chão, em cabanas precárias, esperando o dia amanhecer para voltarmos ao Recife. Fatos hilariantes também ocorriam, como ser acordado pelo focinho de um cavalo que queria comer a grama onde estávamos deitados (dentro do carro ficavam as meninas, pq era mais seguro e cabiam melhor no espaço exíguo de um Gordine).
Obrigado em compartilhar suas/nossas lembranças. Abraços, Zilton Antunes
Boa tarde professor Girley,
Adorei essa última postagem, bem típico do "povo do interior", naturais contadores de histórias... dei umas risadas imaginando a cena das beatas e logo em seguida fiquei filosofando sobre os aspectos que compõem a personalidade do ser humano, seus múltiplos talentos, aptidões; da política à arte, de debates econômicos à discussões turísticas. Como a raça humana se desenvolveu, como somos complexos e multi... uns mais que os outros naturalmente.
Mas voltando ao tema, prestemos atenção à vida de Jesus, um iluminado que provou que a única coisa que existe é o amor, lei primordial, imutável, tudo o mais passa, até a morte ou as mortes, os bens materiais, as pessoas, os costumes... mas o absoluto, fragmentado em porções de energias contidas em tudo e todos, permanece, mudando só de forma, num ir e vir eternos. No mito de Sophia, ela viu o reflexo do pai e quando quis olhar melhor pensando o está vendo, se desequilibrou e caiu e daí por diante ela tenta voltar ao pai, tendo a possibilidade de escolher entre três caminhos, o da direita, o da esquerda e o do meio... e assim segue a humanidade em seu curso evolutivo, uns caindo, outros melhorando e em marcha regressa ao pai, enfim... assim acredito... Jesus conseguiu voltar após cumprir sua missão e ainda tomou uns vinhos, passeou sobre as águas, enfim, um inovador desde aquela época...
Grande abraço,
Danyelle Monteiro
Girley
A Paixão de Cristo de Nova Jerusalém sempre mexeu comigo. Cheguei a ensaiar um mês (ensaio de mesa) se não me engano, o papel de Caifás. Pedi para sair em razão de estar envolvido na implementação de uma escola de línguas no Recife. Era muita trabalheira o que requeria a minha presença. Ainda hoje lastimo ter saído. Cheguei a assistir nos anos seguintes umas três ou quatro vezes.
Abaixo as minhas memórias da Paixão.
Sempre acreditei que teatro é bem melhor para quem faz do que para quem assiste. Existem mil histórias incríveis acontecidas nos bastidores. Uma delas nas apresentações de Fazenda Nova. O caso eu conto tal como me foi relatado. Tudo aconteceu no início da década de setenta.
Alguém já falou aqui sobre o desempenho de Clênio Wanderley no papel de Judas. O enforcamento na figueira então, era o seu ponto alto. Clênio era uma pessoa irascível ao dirigir uma peça e um doce de pessoa na convivência diária. Eu mesmo fui dirigido por ele em uma peça de Ariano "O Auto de João da Cruz", uma das minhas últimas incursões pelo teatro da Paraíba.
Clênio adorava quando descobria que na platéia havia amigos ou conhecidos seus porque aí então ele se esmerava na interpretação. Certa noite, um dos ganchos do colete onde se prendia a corda para o enforcamento se partiu, o laço saiu do prumo e começou a apertar o pescoço dele. Cada vez que ele tentava tomar o fôlego a corda apertava mais. O comentário do pessoal da técnica e do resto elenco quando deram conta do que estava acontecendo: "Deve ter gente conhecida de Clênio assistindo porque ele se botando. Rapidamente apagaram as luzes e correram a acudir o Judas. O pobre do Clênio quase morre enforcado mesmo.
Abraço. Hugo
Como olvidar Fazenda Nova, uno de los días más felices de mi juventud los pase, ahí con ustedes. No vi la representación, pero oí el relato y visite el lugar. Un recuerdo muy fuerte de ese lugar. Gracias por traerlo a mi mente. Besos
Susana González
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