terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
O carnaval que o tempo levou
Fui um grande folião no passado. Esperava o carnaval o ano inteiro e com certa ansiedade. Não havia festa melhor na minha vida. Brinquei muito. Dos grandes bailes e blocos que antecediam o período momesco até a quarta-feira de cinzas. Inebriado com os festejos, calibrado com “combustíveis” ingeridos e de par com algum amor à época, por pouco não chorava quando os últimos clarins anunciavam a chegada da quarta-feira ingrata. Foi uma época vibrante e rica culturalmente falando. Como bom pernambucano, sempre fiz valer a tese de que o réveillon é a porta de entrada do período carnavalesco e que o ano só começa depois do carnaval. Nessa pisada, não perdia nenhum dos grandes momentos dos nossos festejos e mantive sempre acesa a ideia de que no Recife se faz o melhor carnaval do Brasil. E isto não é à toa,ao lembrar que o estado de Pernambuco, face às suas origens históricas, é berço de inúmeros ritmos diferentes, na maioria ligados aos festejos carnavalescos. Frevo, frevo-canção, frevo de bloco, frevo-lírico, maracatu, maracatu-rural, caboclinhos, bumba-meu-boi, entre outros. As variações são inúmeras e as manifestações se desdobram no correr do ano. Até os famosos trios elétricos nasceram no Recife, patrocinados pela Coca-Cola. Tempos depois foram capitalizados pelos baianos a partir da famosa dupla Dodô e Osmar (vide Foto a seguir quando de visita ao Recife em 1959), tomando conta do Brasil. Sem dúvidas, uma modernidade. O progresso da comunicação e as facilidades de deslocamentos sociais levaram esses ritmos pernambucanos a outras regiões do país, bem como trouxeram ritmos alienígenas exercendo influencias das mais variadas. Ora enriquecendo, ora deturpando os locais. Nada a reclamar porque faz parte do jogo de intercambio social.
O carnaval de agora, é verdade, se tornou mais retumbante, cresceu nas manifestações populares, recebeu mais incentivo oficial e ganhou um perfil bem diferente dos observados na segunda metade do século passado. Aquilo dantes o tempo levou e, naturalmente, não volta mais. Lembro, quando menino, do corso nas avenidas com carros e caminhões circulando com grupos fantasiados e das batalhas de confete e serpentina. Para refrescar e perfumar os ambientes havia o saudoso lança-perfume. (foto a Seguir)
Nos clubes sociais os bailes rolavam as quatro grandes noites, animados por orquestras afinadíssimas com os ritmos e a energia vibrante dos convivas. Dá saudades... O folião do passado, que repousa dentro de mim, ainda se aventura em participar dos festejos no atual formato e não se cansa de mirar pelo retrovisor para o que atrás ficou. Comparar aquilo com a versão de hoje é quase impossível. Não tem mais confetes e serpentinas. Nem lança-perfume! Tem, sim, as grandes multidões atrás dos trios elétricos, o desfilar dos astros da música pop agitando e provocando alegria, o deboche e o escrache do Sitio Histórico de Olinda, o monumental Galo da Madrugada (Foto no final do post) e o palco do Marco Zero. É um colorido diferente do antigo. Por sorte ainda posso registrar a resiliência dos tradicionais blocos, troças e maracatus. Mas, percebo que o tempo levou algo muito bom e tranquilo, dando de troco uma avalanche de alegrias que os mais antigos têm dificuldade de assimilar. Querem ver uma coisa? Tem nada mais curioso observar que já não se dança como no passado, dando voltas num salão notando que, ao invés disso, os foliões postam-se de pé diante de um palco monumental, auxiliado por telões adjacentes, assistindo ao desfilar de cantores (muitos dos quais desconhecidos e cavando notoriedade) que preenchem as noitadas do carnaval. Acho muito curioso. Desculpem-me os jovens porque nada é mais saboroso do que abraçar uma morena ou uma loura, não importa a cor, como lembrou Capiba num belo frev-canção (Cala Boca Menino) e rodopiar num salão ao som de um frevo rasgado executado sob a batuta de um saudoso Nelson Ferreira ou de um José Menezes, como fiz nos salões do Clube Internacional do Recife ou do Clube Português do Recife, hoje às escuras no tríduo momesco. Paciência, deve ser coisa da idade. Bom carnaval caros leitores e leitoras.
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5 comentários:
Nunca fui muito de carnaval mas o pouco que vivi, trago ainda a lembrança dos confetes serpentinas e cheiro de lança no ar.
Quase poético mas foi minha realidade.
Hoje não dá,
Faltam as lindas marchas rancho, os frevos que falavam de encontros e amores.
Um feliz carnaval !!
Apesar de tudo !
Está com cara de que vai brincar, mestreGirley. Deus te proteja.
Bom retrato de um carnaval gostoso. O meu, em Olinda, continua sendo porque eu mesmo dou forma à folia de meu agrado. Faço bate-bate de maracujá, por exemplo. Nada de confundir com batida. Viva!!
Parabéns, Girley, por essa página magistral e carregada de saudade. Hoje o mundo é outro e não parece compatível com os sobreviventes daqueles anos de inocente e gratuita euforia. Contudo, nada de choro. Façamos do que temos o melhor cardápio de alegria. De modo que o nosso hoje não atravesse o nosso amanhã. Abraço.
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