Há coisas com as quais não me convenço facilmente. Uma
dessas, recentemente, é o fato de que João Pessoa, capital da Paraíba, esteja incluída
entre as cidades mais violentas do mundo. Logo do mundo... Se pelo menos fosse
do Brasil, eu até ponderaria. No recente feriadão fui conferir essa coisa, in loco.
Para quem mora no Recife é uma vantagem ir àquela cidade.
Pouco mais de 100 km, por uma BR 101 em bom estado, e eis que se chega à cidade
mais oriental da América do Sul, lugar onde o Sol nasce primeiro. Hospedado num
hotel à beira mar, fiquei de olho atento ao movimento da cidade. Só vi muita tranquilidade... Trânsito fluido,
povo hospitaleiro, praia do Cabo Branco com mar sereno, nem ondas para agitar
um pouco. Turistas por todo lado. Muitos pernambucanos se deliciando com a
placidez da cidade e eu lá, buscando ver sinais de violência e nada! Nem no centro
da cidade! Mesmo num sábado movimentado, na zona mais antiga da cidade e pelas
imediações da Estação Rodoviária, não vi qualquer vestígio de violência. Pelo
contrário, vi famílias, com muitas crianças altas horas passeando no calçadão
da praia, fazendo seresta e bebericando na areia, sem medo de assaltantes ou
outro qualquer tipo de malfeitor. Cheguei a conversar com alguns e indagar
sobre a violência local. As respostas foram taxativas: “isto aqui é um paraíso. A cidade inteira é calma! Aqui se vive tranquilo”.
Tudo coincidindo com a minha ideia. Cabe então, questionar: qual a base
tomada pela ONU? A metodologia declarada se ateve nos registros de ocorrências policiais.
Fiquei desconfiado. Vai que, em João
Pessoa, os registros são honestos e termina por penalizar a cidade. Há pessoas
ou comunidades das grandes cidades que, de tanto sofrerem, com a violência banalizada,
sequer vão à busca de auxilio policial para registrar os crimes cometidos.
Minha secretária doméstica cansa de afirmar que, por onde ela vive, bairro de
favelas do Recife, mata-se, rouba-se e estupra-se com a maior “tranquilidade” e tudo fica por isso
mesmo. Deve ser isto. Sub-registro das ocorrências. Só pode. Rio e São Paulo com tantos queima- ônibus,
assaltos, balas perdidas e atrocidades similares não estarem elencados na lista
negra é no mínimo estranho.
Mas, João Pessoa além de tranquila, aos meus olhos, oferece ao
visitante algumas atrações bem interessantes: o Cabo Branco e a Ponta do Seixas são locais
de um tour obrigatório. A mata atlântica do entorno do Cabo, a visão do mar, as
praias e parques enchem a vista do turista.
Por outro lado, ouço sempre falar sobre um famoso pôr de sol às
margens do rio Paraíba, na praia fluvial do Jacaré, entre João Pessoa e
Cabedelo. Fui conferir, também. Lá um cidadão de nome Jurandir toca num saxofone
afinado, todo santo dia e na hora que o sol se recolhe, o Bolero de Ravel.
Quando o dia vai caindo, para dar lugar ao manto escuro da noite, ele aparece do
nada, navegando numa canoa quase tosca e tasca o famoso Bolero. O cara arrepia.
É bonito.
Por conta disso, uma dezena de bares e restaurantes se instalou naquele
exato ponto do rio, nos quais uma multidão (no dia em que estive lá calculei
cerca de 10 mil pessoas) se posiciona para assistir a performance do artista. Ele consegue criar um clima romântico para
os enamorados, nostálgico para os solitários, ameno para a criançada, curioso
para outros e pitoresco em termos turísticos. É surpreendente o silencio que se
faz quando ele toca. Ao final, uma verdadeira ovação.
Conversei com o Jurandir (vide foto acima) que me contou a origem
daquele movimento. Tem mais de quinze anos. “Fui
convidado, numa tarde, por Dona Eleonora, uma Senhora da alta sociedade da cidade,
para tocar o Bolero, lá no restaurante dela. Ela estava com uma porção de
amigos que vieram ver o por do sol e todo mundo era louco por essa musica. Tem
um filme muito famoso que essa musica é tocada. E esse pessoal gostava de ver o
por do sol escutando a musica que eu tocava. Repeti isso várias vezes para ela.”
Segundo Jurandir, quando D. Eleonora resolveu fechar o restaurante (as
instalações estão abandonadas – Vide foto a seguir) e ele, de gostar tanto da experiência,
assumiu um compromisso pessoal de tocar todo dia. Nasceu daí um dos mais
interessantes cases de economia
criativa que vi ultimamente.
Por conta de Jurandir, seu saxofone e o Bolero de
Ravel formou-se naquela comunidade ribeirinha uma base econômica sustentável,
dinâmica e conforme a cultura local. Na beira do rio, além dos bares e
restaurantes, surgiram lojinhas de artesanato, pousadas, lanchas e barcaças para
passeios no rio, catamarãs, entre outros pequenos negócios. “Antes nós só fazia pescar pra comer. Hoje a
coisa é diferente... tem de tudo pra nós fazer.” Foi o que ouvi do barqueiro
que me conduziu num passeio pelo rio. Parabenizei Jurandir, um cara simples, afável,
sem vaidade e disponível a todo cidadão que se aproxime para uma conversa. Grande figura.
Jurandir, seu saxofone e o Bolero de Ravel, à moda cabocla, são,
hoje, a maior atração turística de João Pessoa. Vale ver. Tenha mais uma ideia com a foto a seguir.
NOTAS: Fotos da autoria do Blogueiro e de JPAllain